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Entrevista

Omelete Entrevista: Mascaro, da <i>Ragú</i>

Omelete Entrevista: Mascaro, da <i>Ragú</i>

20.03.2003, às 00H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 10H02

Ragú 4

Ragú cordel

Não falta gente que queira reunir os amigos e fazer uma revista em quadrinhos própria, independente, de quadrinhos brasileiros genuínos. No entanto, são poucos os que levam o projeto à frente, enfrentam todos os percalços e tem uma bela produção para mostrar como o pessoal da revista pernambucana Ragú.

Na sua quarta edição, os editores Mascaro e Lin, ambos de Recife, receberam o apoio da Via Lettera Editora para publicar uma revista de ótima qualidade gráfica e reunindo o melhor da nova geração do quadrinho nacional. Nacional, vale repetir: contra os regionalismos, a Ragú estampa antologia de quadrinhos brasileiros na sua capa e traz, além dos pernambucanos, o pessoal que está se consagrando nos quadrinhos tupiniquins: Kipper, Lelis, Bueno, Cau Gomes, Maxx...

O Omelete conversou com Mascaro sobre autores brasileiros independentes, regionalismo e o que se faz para persistir na árdua tarefa de publicar quadrinho nacional de qualidade.

Conte a história da Ragú. Praticamente toda cidade brasileira de média pra grande tem seu grupinho que quer montar uma revista em quadrinhos. Como vocês foram disso (se a história é a mesma) até a distribuição nacional?

A Ragú surgiu das cabeças da Mascaro e Lin. Nós dois somos ilustradores pernambucanos, tarados por quadrinhos, num momento de muito marasmo no cenário editorial dos quadrinhos - isso em 1999. Pensamos numa revista que gostaríamos de ver nas bancas: quadrinhos autorais, que contassem histórias que nos parecessem próximas... Enfim, em janeiro de 2000, conseguimos rodar e lançar o número zero, viabilizado pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Num primeiro momento, só publicávamos autores nordestinos - avaliávamos que já tinha muita coisa sudestina. Tomamos uma linha regional, mas que não se rendesse aos regionalismos óbvios de oxenti bichim, valei-me nosso senhor, maracatú, acarajé, tapioca...

Hoje, olhando as edições zero e um, eu simplesmente as detesto, porque são bem amadoras mesmo, em todos os aspectos. Bom, tem uma coisa aqui, outra ali, mas, no geral, não são boas. Na época, foram muito bem aceitas, elogiadas, mas penso que era pela novidade, pela proposta. A distribuição era feita por vias bem alternativas. A Mapas e Mapas do Daniel Venturim, de Belo Horizonte, distribuiu um bocado pra gente. Fez a Ragú chegar em um bocado de lugar, mas também levamos um cano monstro (cuidado, rapaziada)!

Agora, iniciamos um novo momento. A parceria com a Via Lettera vai nos possibilitar entrar no mercado formal e experimentar de verdade nosso produto. Vem coroar todas as mudanças editoriais e gráficas a que nos propusemos - superar o regionalismo na colaboração, virar uma antologia de quadrinhos brasileiros, superar o fanzine de luxo e ganhar ares de um álbum bacana gráfica e editorialmente. Estamos no número 4,vamos ver no que dá.

E o nome, Ragú, de onde ou de quem saiu?

Queríamos dar um nome próprio, sem significado, e com uma sonoridade bacana, que pegasse fácil no juízo. Acho que Ragú cumpre esses preceitos. Só que depois, num restaurante vi que Ragu (sem acento) é um molho de carne. Mas foi depois e não tem qualquer relação.

Tenho aqui, entre outras, a Ragú, a Entropya (de Curitiba) e a Front. Todas antologias de quadrinhos buscando revelar novos talentos nacionais, num movimento de expansão comparável, em qualidade, ao underground americano nos anos 90. Você acha que essa expansão está ajudando a formar novos nomes no quadrinho brasileiro? Ainda há espaço para expandir?

Com absoluta certeza, essas iniciativas colaboram para que muita gente se revele. A Ragú mesmo me revelou, fez o mesmo com o lin, o Flavão... E tem tantos outro por serem descobertos. Mas confesso que não vejo com entusiasmo ao ponto de comparar essa fase à dos 90 dos quadrinhos underground americanos. Lá os caras têm uma Fantagraphics dando um enorme respaldo, uma retaguarda invejável para nós tupiniquins.

Mas a Fantagraphics, mesmo que publique vários quadrinhos underground, muitas vezes apenas dá apoio a quadrinhistas independentes (com suas próprias editoras) em forma de divulgação e um certo respaldo. Você consegue ver alguma editora ou setor da mídia brasileira que deveria ser responsável por essa tarefa no Brasil?

É mais ou menos isso que a Via Lettera está praticando conosco. Eles estão apenas nos dando o respaldo de termos uma editora por trás. A Via Lettera não entrou com grana nesse momento. A idéia e a intenção é que no futuro eles absorvam a Ragú como qualquer outro título deles. Acho que esse tipo de parceria é uma maneira de se testar um produto sem tantos riscos pras editoras ao mesmo tempo em que permite a autores novos terem seus livros publicados. Entretanto, isso também só é possível se tivermos uma lei de incentivo que garanta um livro pra gráfica. Do contrário, voltamos pra estaca zero.

Acho que todas as editoras deveriam ter uma parcela para projetos experimentais. Tem muita coisa boa por aí pra ser testada. Deveríamos ter livros-solo (ou graphic novels) de autores como o Lin, Flavão, Bueno, D’Salete, Pavanelli, vários... e tem um cara muito bom também, o Mascaro (he,he,he,he...). Já pensou como seria bacana irmos às bancas e livrarias especializadas e ter uma pá de quadrinhos nacionais, dessa rapaziada que não deixa devendo a gringo nenhum?! Temos é que tentar baratear o produto final, fazer livros mais acessíveis...

As revistas que eu mencionei aceitam colaboradores de diferentes partes do país, mas têm uma forte identidade regional. Isso colabora para reforçar a produção de quadrinhos nestas regiões, ou o sucesso das revistas é mais difuso?

Acredito que seja um movimento espontâneo. Ocorre naturalmente. Pela proximidade e facilidade de ficar cobrando os prazos pra negada, termina que dá mais colaboradores das respectivas regiões onde surgem as revistas. Abrir o leque ajuda a divulgar as revistas onde o colaborador transita. Isso rola também. A Ragú nunca foi tão comentada como agora no número 4.

Fale sobre o projeto com literatura de cordel.

Editamos a Ragú Cordel durante um hiato da revista. Quando terminamos a primeira fase do projeto aprovado pela lei de incentivo estadual (que previa os quatro primeiros números), tivemos dificuldade de emplacar outro. Ficamos, acho que um ano, sem decolar outro projeto. Então, partimos pra Ragú Cordel numa tentativa de elaborar um projeto de fácil execução (financeira e artisticamente) para ser lançado durante o Salão Internacional de Humor de Pernambuco. Repercutiu muito bem mesmo, superando qualquer expectativa nossa. Foi uma tiragem pequena e saiu um bocado. O apelo regional da literatura de cordel, muito forte aqui no nordeste, e a intersecção desta linguagem com os quadrinhos (ambas de apelo popular, de fácil assimilação) provou ser um casamento mais feliz do que pensávamos. A nossa intenção é fazer outras caixinhas. Falta tempo e quem banque. Mas a vontade é grande.

E quanto à periodicidade? O que falta para fazer a Ragú aparecer regularmente nas bancas?

Falta uma estrutura melhor, tempo e quem banque. Pra se ter uma idéia, eu e Lin fazemos todo o processo de escaneamento (salvo as histórias que chegam prontinhas), tratamento de imagem, edição, diagramação... acompanhamos o andamento na gráfica... depois cuidamos da festa de lançamento, distribuímos, mala direta... É trampo pra chuchu!!!

Editoras brasileiras mais estruturadas como Abril ou Conrad não abrem espaço para esse tipo de publicação?

Não que eu saiba. Abril nem pensar. A Conrad parece que começa a se interessar em quadrinho nacional, o que não acontecia antes, na visão deles.

Já ouve algum contato da Ragú com a Conrad? Ou com outras editoras, além da Via Lettera?

Já. Até o momento a Via Lettera foi a que se interessou mais por nosso produto. Temos uma ponte muito bacana com o Sidney Gusman da Conrad. O Sidney é superatencioso conosco e penso que pode rolar um samba algum dia. Eu tenho muito neurônio pra gastar, idéia é o que não falta.

O Omelete agradece a Mascaro pela entrevista.

Ragú
Mascaro & Lin (editores)
Via Lettera Editora

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