Curitiba: HQ um pouco abaixo do eixo
Curitiba: HQ um pouco abaixo do eixo
Uma das agruras de ser artista de quadrinhos em nosso país é a extrema dificuldade em se veicular a própria produção além do microcosmo em que vivemos. Por isso mesmo, há muito por se descobrir em todo o Brasil. Quantos autores esperam a chance de - quem sabe um dia&qt;& - tornar conhecidos seus trabalhos&qt;& Ou simplesmente publicá-los&qt;& Creio que, na maioria das vezes, o mais fácil (mas nem tanto) é distribuir nossos quadrinhos em nosso próprio quintal, para daí então, talvez um dia, expandir seu alcance.
Quantos grupos, ou mesmo solitários, produzem quadrinhos longe dos olhos de todos, existem por aí à fora&qt;& São diversas ilhas de HQs , uma mais marginal do que a outra. Todas prolíficas e criativas. E sem que ninguém saiba da existência de toda essa pluralidade fora do tão comentado eixo Rio-São Paulo, o qual irradia sua influência a todo o país na medida inversa em que absorve o que é feito fora dele.
Pois bem , Curitiba para quem não sabe, é uma dessas ilhas. E há um bom tempo. Erga a mão quem já ouviu falar de Francisco Iwerten, Chico Fumaça, Fred und Fritze, Grafipar, Maria Erótica, Doutor Clima... Ninguém&qt;& Normal. E o Paraná nem fica tão longe assim. Mas sobre esses falarei em outras ocasiões. O assunto hoje são os atuais habitantes da ilha quadrinhística de Curitiba.
Editoras com pique para agüentar o tranco de bancar revistas nem pensar. Salvo algumas poucas aventuras efêmeras. A mais recente veio da Editora Monalisa, que publicou os dois números da Manticore - Quadrinhos de Terror e Ficção Científica, produzida pelo Núcleo Estúdio Gráfico e que chegou a ser distribuída nacionalmente. A mini-série do Chupacabras até que vendeu bem em todo o país, mas as exigências da distribuidora complicaram sua permanência no mercado. Mesmo tendo recebido quatro prêmios nacionais: Troféu HQMIX ( melhor revista de terror e desenhista revelação, dado a Luciano Lagares), Angelo Agostini (Melhor roteirista a Gian Danton) e Nova (Melhor revista), ela espera a chance de retornar à bancas com as edições ainda inéditas.
Mas quem vem se dando bem mesmo nas bancas locais é a também nanica Editora Ola, que sem muita pretensão, vem mantendo a sua revista , a Maneco, firme nas praças (ou praias) curitibanas. Contando também com uma distribuição alternativa em lojas de material esportivo, as desmioladas aventuras do surfista que dá nome à revista está em seu décimo terceiro número ininterrupto. Uma façanha não só para os quadrinhos de Curitiba...
O já citado Estúdio Núcleo também produz outras HQs, em parceria com outros artistas e estúdios curitibanos. Junto com o quadrinhista RHS editam o Almanaque Entropya, que breve chega à quarta edição. Experimentalismo visual, seqüencial, poesia e até fotonovela dão o ar dessa publicação underground, que mantém um certo sabor libertário derivado dos fanzines. Afinal, o Entropya, não paga a seus colaboradores. Eles, sim, custeiam suas páginas. De distribuição quase de porta em porta, pode até ser encontrado em algumas ComicShops em São Paulo.
Da união dos estúdios TJR , Elenco e outros artistas com o Núcleo, saem também as aventuras do super-herói Gralha. Uma típica e bem humorada HQ de herói encapuzado, ambientada numa Curitiba futurista repleta de vilões que fazem referência às particularidades locais. Mas o mais surpreendente no Gralha é o fato de ele ser publicado semanalmente num jornal. Desde 1998, a Gazeta do Povo (o jornal de maior circulação no Paraná) cede toda sexta-feira, uma página meio tablóide para as peripécias do aventureiro. Espaço bastante incomum, e por que não generoso, para quem é acostumado a ver cada vez menos quadrinhos editados em jornais. Para breve, espera-se uma coletânea de suas histórias pela Via Lettera.
Já o recordista absoluto em longevidade é a tira infantil Marco, produzida por Tako X, do TJR Estúdio. Publicada ininterruptamente desde 1988 e há 11 anos na mesma Gazeta que o Gralha, dentro do suplemento Gazetinha. As histórias da turma do menino Marco e sua indefectível roupinha de marinheiro já passaram por diversas fases (tendo sido publicadas até mesmo no Japão, num especial) e atualmente saem no formato de tira dominical.
Ainda nos jornais, há a tira Los Três Inimigos, do cartunista Tiago que, cujo próprio título deixa claro, é a versão local da célebre tira publicada em um certo jornal de São Paulo. Partindo da mesma fórmula, satiriza os três principais times de futebol da capital: Paraná, Curitiba e Atlético Paranaense, personificados nas figuras de Paranito, Corisco e Atleticon.
Por outro extremo, segue o pessoal do Estúdio Elenco que, buscando uma alternativa às dificuldades de se editar quadrinhos para as bancas, criaram em janeiro último uma editora virtual, a HQNET, a qual se encontra em franca expansão, abrigando não só quadrinhos curitibanos, mas de todos os cantos do país. Já são mais de 40 colaboradores em poucos meses de existência. Das criações paranaenses que habitam suas páginas encontram-se os ladrões Urubu e Carniça, o menino Juan, as tiras Habitat TV, os mangás Se Ela Soubesse e Segredo da Esperança, o humor negro de Malaquias, a sátira Quarteto Sarcástico, o Punk Afonso, e uma versão infantil do Gralha (também presente na HQNET), o Gralhinha. Sem falar nos cartuns e HQs que não pertencem a alguma série fixa. E há ainda outros personagens à espera de estrear nesse interessante website...
Ao que se sabe, por enquanto são estes os atuais habitantes da quadrinhística ilha de Curitiba, um povo eclético e miscigenado, tanto nos temas quanto nas suas abordagens da HQ, mas que fazem sua parte para impedir que os quadrinhos sejam tragados no oceano do esquecimento. E essa população só tende a crescer para, quem sabe assim, expandir seus domínios e entrar no mapa do quadrinho brasileiro também. E tomara que seja logo! Mas se você acha Curitiba muito longe ou não quer esperar que invadam o país, visite os seus quadrinhos na rede e faça um intercâmbio cultural.
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