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Crítica

Crônicas de Jerusalém | Crítica

Israel e Palestina para quem não está a fim de pregação

26.04.2013, às 17H22.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H57

"Vejo muitos meninos na rua com fuzis de plástico.

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É o fim do Ramadã, eles ganharam presentes.

Eu não sei, mas tendo em vista o contexto local, eu preferiria presentear com Lego."

Esta curta passagem de Crônicas de Jerusalém, apesar de bem sacada, é um dos poucos momentos do álbum em que você vai ler Guy Delisle fazendo pregação sobre Israel e Palestina. Por mais que o quadrinista canadense não esconda suas opiniões, ele não fez uma HQ para pregar, nem para educar, muito menos uma reportagem equilibrada. Quer apenas contar a vida que teve durante um ano morando em Jerusalém.

Enquanto em seus dois primeiros álbuns, Pyongyang e Shenzhen, Delisle contava suas viagens para terrenos conturbados por conta do trabalho como animador, em Crônicas Birmanesas e neste último as viagens são motivadas pelo emprego da esposa, que é admnistradora da Médicos Sem Fronteiras. O serviço a leva a zonas de conflito por períodos prolongados, e Guy e filhos vão junto.

A família Delisle passou um ano em Jerusalém. Como sempre, o autor não se mostra como grande conhecedor das questões políticas e históricas do local, mas sim como alguém que vai descobrindo o que está acontecendo pela vivência. É essa vivência que é contada em episódios de uma, duas, cinco, no máximo dez páginas - quase sempre em tom de humor ou ironia.

A ironia se dá em cenas como a do preview: Delisle tenta comprar sorvete para as crianças, mas o sorveteiro só vende picolés porque os sorvetes vêm em casquinhas - casquinhas têm fermento e, como é período de páscoa judaica, não se pode comer nada com fermento. "Mas eu não sou judeu!", Delisle protesta. "Ha ha! Eu sei", diz o sorveteiro. E silêncio.

A ironia, porém, tem que virar outra coisa quando Delisle vê um cotidiano de família passeando pela rua com metralhadoras a tiracolo, descobre que há lugares da cidade que pode e que não pode frequentar por motivos religiosos, corre o risco de levar pedradas (literalmente) ao achar crentes enfezados e sofre para dar oficinas de quadrinhos a religiões que não permitem a representação da figura humana. Sem contar que, vez por outra, explode um homem-bomba ou eclode uma guerra - a família Delisle foi testemunha da "Operação Chumbo Fundido"/"Massacre de Gaza", nos últimos dias de 2008 e início de 2009.

Delisle às vezes é comparado a Joe Sacco, o jornalista que faz reportagens em quadrinhos sobre zonas de conflito (a comparação entre os dois rende até uma piada no álbum). Mas Sacco e Delisle têm muitas diferenças. O jornalista costuma optar pelo micro/macro - seleciona personagens locais para mostrar o efeito da situação política, econômica e bélica que quer retratar. Vai a fundo na investigação para mostrar como o grande panorama afeta gente normal, sempre tomando o lado dos oprimidos.

Delisle, por outro lado, é umbiguista - não que exista algo de errado com isso. Mais do que explorar a história dos conflitos em Jerusalém, ele prefere contar que, como sexta-feira é o dia de descanso muçulmano, sábado é o dos judeus e domingo o dos cristão, o colégio includente de sua filha só tem quatro aulas por semana. E como é um saco entrar e sair do país. Ou que o sorveteiro só vai vender picolé no Pessach, independente do que você acredita.

É essa perspectiva ordinária, com a perspicácia de Delisle para escolher e retratar momentos, que torna seus álbuns tão divertidos. E sua grande conquista é que, sem polemizar, ele ainda consegue expressar o que realmente pensa sobre a situação. Numa das cenas, depois de assistir uma reportagem sobre brigas de religiões na Basílica do Santo Sepulcro, ele pensa: "Ah, obrigado, meu deus, por me fazer ateu." Nada mais contestador - e ao mesmo tempo perspicaz - para se pensar em Jerusalém.

Nota do Crítico
Bom

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