Após mais de quatro anos desde sua última edição presencial, o FIQ-BH (Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte) volta a receber quadrinistas, leitores, editores, alunos e entusiastas para mais uma edição do evento. Como Érico Assis disse, brilhantemente, em sua última coluna neste site: “o FIQ é a verdade do quadrinho no Brasil”. Participar do evento é parte da formação de um quadrinista brasileiro. É como um rito de passagem. Muita gente sentiu, ali, que queria ser artista. E nesta 11ª edição, que acontece entre os dias 3 e 7 de agosto, no Minascentro, o FIQ propõe pensar o quadrinho como ofício.
Com o tema “Quadrinhos e o Mundo do Trabalho”, o festival, que é um evento público com entrada gratuita, dedica boa parte da programação a refletir sobre “viver de quadrinhos no Brasil”. E há muito o que debater sobre o tema, principalmente após os impactos vividos pela classe artística durante a pandemia: foram praticamente dois anos sem eventos. “Os artistas estavam sem o principal lugar onde eles fazem dinheiro. A gente sabe que o Brasil tem uma cena de quadrinhos super forte, mas não tem um mercado de quadrinhos igualmente forte”, explica Lucas Ed., curador desta edição do FIQ, ao lado de Mariamma Fonseca.
Lucas ainda acrescenta que os principais questionamentos que motivaram a proposição do tema foram aqueles que, provavelmente, também passam pela mente de muitos leitores: “Como é que uma pessoa ganha a vida com quadrinhos? Quanto uma pessoa trabalha para fazer um quadrinho?”. Saiba, a jornada de trabalho dos mais de 300 quadrinistas que estão nessa edição do FIQ se distancia da tradicional.
Essa equação entre tempo e trabalho também se reflete no próprio homenageado desta edição, Marcelo D’Salete, autor de obras como Cumbe (que venceu o Prêmio Eisner, o maior dos quadrinhos norte-americanos) e Angola Janga. “Ele pesquisou dez anos para escrever Angola Janga, mas isso não aparece quando você lê o quadrinho. Você não pensa que ali tem dez anos de dedicação daquele profissional. Como ele viveu esses dez anos, como ele pagou as contas?”, observa o curador. É esse tipo de pergunta que o FIQ quer nos fazer refletir.
Os caminhos possíveis
Um sucesso nas redes sociais, Paulo Moreira descobriu que dava, sim, para viver do seu hobby. O paraibano, que hoje tem 371 mil seguidores no Instagram e 271 mil no Twitter, conta que desenha desde sempre, mas que não imaginava que suas tirinhas fariam outras pessoas, além dele, se divertirem. À medida que suas postagens iam atraindo novos seguidores, ele notou que poderia transformar aquilo em produto. “Fazer um livrinho, botton, camisa. E meio que sem querer fui tornando isso algo profissional”, diz, apontando para a mesa, cheia de quadrinhos, prints e postais, onde já se formava uma fila à sua espera.
O que Paulo conta é uma entre as muitas formas de profissionalização que os quadrinistas brasileiros encontraram. Quadrinistas que, como a curadora Mariamma Fonseca lembrou, em sua fala na mesa de abertura do evento, muitas vezes fazem sozinhos toda a cadeia produtiva do livro. Parte daquilo que marca o FIQ é a produção independente, de quem edita, revisa, diagrama, divulga e distribui o seu próprio trabalho. A jornada de trabalho de quem faz quadrinhos realmente está longe da tradicional.
O primeiro dia do festival foi uma quarta-feira abafada na capital mineira. Ainda assim, bastante movimentada, talvez um reflexo do longo tempo sem eventos. Uma situação ocorrida neste dia, contada pelo curador Lucas Ed., daquele jeito bem mineiro de contar casos, pode ser lida como um reflexo daquilo que se busca com um evento público, que desde 1997 se firma como o principal exclusivamente de quadrinhos do país. “Vimos uma senhora, de uns 60 ou 70 anos, lendo Paulo Moreira e rindo, se divertindo. Achamos isso inusitado, porque o Paulo conversa mais com um público mais jovem, fala mais para uma galera ligada nas redes sociais”. Isso é o FIQ: um evento em que novos espaços são ocupados.
Você pode ficar por dentro do FIQ, durante os cinco dias de evento, com a cobertura do Fora do Plástico e do Omelete.