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Artigo

Chester Gould e Dick Tracy

Chester Gould e Dick Tracy

WV
04.10.2006, às 00H00.
Atualizada em 13.01.2017, ÀS 01H00

Chester Gould

A primeira versão nas telonas,
em 1937, vivido por Ralph Byrd


A última, de 1990, com
Warren Beaty e Madonna

Era final dos anos 20. Um dos grandes magnatas da indústria jornalística norte-americana na época chamava-se Joseph Medill Patterson. Era o herdeiro de uma dinastia que, desde 1855, publicava o jornal Chicago Tribune e, mais recentemente, em 1919, havia incluído entre suas publicações o primeiro tablóide do país, o New York Daily News, inicialmente denominado New York Illustrated News. Para combater os outros magnatas da indústria, ele dispunha do Chicago Tribune Syndicate, que, junto com o King Features Syndicate, de William Randolph Hearst, foi responsável pela disseminação durante décadas de muitas das mais famosas e conhecidas histórias em quadrinhos que circularam em jornais do mundo inteiro.

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O Capitão Patterson, como era mais conhecido, tinha uma preocupação destacada com tudo o que dizia respeito ao gosto do público norte-americano, principalmente no que se referia às histórias em quadrinhos. Ele não apenas acompanhava atentamente o material que publicava, como também interferia com idéias, sugestões de mudanças e adaptações nos roteiros, além de propor temas ou personagens para séries específicas. Muitos quadrinhistas apresentavam a ele o seu trabalho, esperando que lhes abrisse a porta para a fama e o sucesso. No que estavam certos, aliás.

UM DESENHISTA PERSISTENTE

Entre os diversos artistas que procuraram o Capitão para apresentar seus trabalhos, um destacou-se por sua persistência, não se intimidando pela demora das respostas ou até mesmo pela simples dificuldade para receber de volta o material que havia submetido ao empresário. Durante semanas e semanas seguidas, ele enviou amostras de histórias em quadrinhos de todos os gêneros, sempre acompanhadas por uma carta em que manifestava a sua confiança em poder criar uma personagem de sucesso. Fez isso durante vários meses, até que um dia, no final de agosto de 1931, recebeu um telegrama do Capitão, solicitando que o encontrasse em Chicago alguns dias depois, para discutirem uma das últimas personagens submetidas. Eles se encontraram, sua história em quadrinhos foi finalmente aceita e acabou se tornando um dos maiores sucessos do gênero em todos os tempos. O autor em questão era um ainda desconhecido artista do estado de Oklahoma chamado Chester Gould e sua personagem faz hoje parte do imaginário popular norte-americano. Seu nome? Dick Tracy.

Sem dúvida, esta é uma gênese meio romanesca para uma personagem de tamanho sucesso e talvez até tenha tido sua importância exagerada posteriormente pelo próprio autor ou por seus vários biógrafos. No entanto, ela tem também um aspecto educativo, moralista, destacando a importância, para os jovens artistas, da persistência e da confiança em si mesmos na busca do sucesso. Novos desenhistas podem se mirar no exemplo de Chester Gould e concluir que vale a pena manter-se na luta por um espaço próprio mesmo quando todas as condições se mostram adversas. Nesse sentido, a história do desenhista de Oklahoma adquire conotações lendárias, podendo levar qualquer um a questionar sua veracidade, nos termos como foi tão amplamente divulgada. Mas isso não importa. Como dizia um jornalista ao final do filme The man who shot Liberty Vallance (O homem que matou o facínora, direção de John Ford, em 1962), "quando a verdade se torna menor do que a lenda, imprima-se a lenda".

A VIOLÊNCIA QUE ATRAI

Dick Tracy apareceu em páginas dominicais em 3 de outubro de 1931 (na realidade, era um sábado, pois o jornal The Detroit Mirror, único em que foi publicado, era distribuído um dia antes...) e em tiras diárias no dia 12 do mesmo mês, no New York Times. Nessa época, a abordagem naturalista de Harold Foster em Tarzan parecia representar uma tendência dominante e duradoura nos quadrinhos de aventuras. Trazendo um desenho meio canhestro, com acentuada tendência para a caricatura, a série de Gould tinha tudo para não dar certo. No entanto, ela foi muito bem recebida e agradou em cheio ao público, passando em pouco tempo a ser publicada em muitos jornais no país inteiro e sendo progressivamente reproduzida em outros meios de comunicação, como livros, revistas, rádio, seriados cinematográficos, filmes "B", série televisiva e desenhos animados.

A razão de seu contínuo sucesso pode estar diretamente vinculada ao fato da história trazer um elemento até aquele instante ainda não explorado com tanta profundidade nas histórias em quadrinhos, o da violência. Nesse quesito, Gould ia além do que qualquer outro autor antes dele, mostrando graficamente cenas realistas de mortes, assassinatos, torturas, violências físicas de todos os tipos, todas elas normalmente ilustradas com intensa crueza de detalhes, que nem mesmo o estilo caricaturesco de seus desenhos conseguia atenuar. Isto representava levar para os quadrinhos a realidade cotidiana dos Estados Unidos naquele momento, onde a ação de foras da lei era diariamente destacada na imprensa, que os mostrava em toda a sua impunidade. A tira realizava uma abordagem extremamente precisa daquele momento, agregando a essa realidade elementos fictícios que encontraram imediata resposta no gosto popular. Entre esses elementos parecia se destacar-se o principal leit motiv da série: o crime não compensa. Nas histórias de Dick Tracy, o "bem" - visualizado sob a forma de lei e ordem formalmente estabelecidas -, sempre prevalece no final, o criminoso deparando-se com justa, merecida e normalmente horrenda punição. Desde o início, a série proporcionou a seus leitores a oportunidade de catarse coletiva como nenhuma outra história em quadrinhos jamais conseguiu, antes ou depois.

A JUSTIÇA COMO MISSÃO DE VIDA

Dick Tracy também representou a primeira personagem de histórias em quadrinhos a assumir a causa da justiça como a única missão de sua vida, antecipando outros justiceiros como o Fantasma ou o Batman, que nele buscaram inspiração. Seu aparecimento, em suas primeiras tiras diárias, é emblemático dessa missão: o herói é a vítima indefesa de um assalto, durante o qual sua namorada é seqüestrada e o pai dela é assassinado a tiros. Esse episódio é assim descrito por Garyn G. Roberts:

Emil Trueheart, pai de Tess, era o proprietário de uma loja de frios e estava apenas começando, depois de uma vida de trabalho duro, a gozar um pouco de conforto financeiro. Uma noite, Tracy havia ido à residência dos Trueheart para jantar com a família de sua namorada. Dois marginais entram na residência e atiram em Emil. Quando Tracy reage, é dominado e colocado para dormir a coronhadas. Ele acorda para encontrar Emil morto e Tess seqüestrada. Tracy então exclama, "Sobre o cadáver de seu pai, Tess, eu juro que irei encontrá-la e vingar este assassinato - eu juro!" No dia seguinte em Dick Tracy, o chefe Brandon do Departamento de Polícia pergunta, "Tracy - Que tal se juntar ao esquadrão de policiais à paisana? Eu acho que você seria uma grande ajuda para encontrar Tess Trueheart e apanhar os assassinos de seu pai.

TRÊS CARACTERÍSTICAS BÁSICAS

Com essa gênese, Tracy incorporava a primeira característica distintiva dos futuros heróis do quadrinhos, corporificando uma personagem de ideais puros que vê na preservação da justiça a razão mesma de sua vida, colocando-a acima de tudo o mais.

A segunda característica aconteceria quase que em conseqüência da primeira: a eterna namorada. Tess teria que esperar mais de dezessete anos para ser desposada pelo herói, sendo a eterna noiva sempre sujeita a ciladas, perseguições e atrocidades por parte de seus inimigos, uma figura fartamente reproduzida nas histórias em quadrinhos da década de 30.

A terceira ocorreria menos de um ano depois do início da série, quando nas aventuras de Dick Tracy surgiu aquele que iria ser o seu parceiro mais jovem (em inglês, sidekick). No caso, tratava-se de um anônimo batedor de carteiras de nove anos de idade que Tracy retirou das garras de seu maquiavélico mentor e em cuja integridade depositou absoluta confiança - "Eu conheço um par de olhos honestos quando os vejo!" - disse o protagonista. Assim, em 25 de setembro de 1932, o jovem ladrão orgulhosamente declarava ao mundo que dali em diante passaria a chamar-se Dick Tracy Jr. - ou, simplesmente, Júnior -, e iniciava uma longa carreira de aventuras junto com o protagonista.

VILÕES PARA TODOS OS GOSTOS

Além de se deparar com a garantia perene de que o mal seria exemplarmente punido, os leitores de Dick Tracy nele encontraram também uma galeria de vilões pitorescos que poucos heróis dos quadrinhos, principalmente aqueles publicados em jornais, chegaram a enfrentar. Para criá-los, Gould primeiramente baseou-se em criminosos da vida real, como Al Capone e John Dillinger, entre outros, e depois utilizou como modelos atores afamados da indústria cinematográfica, como James Cagney, Edward G. Robinson e Boris Karloff. Finalmente, a inventividade de Gould levou-o à criação de personagens com características fisionômicas relacionadas a seus nomes, como Pruneface, que tinha a face cheia de rugas, parecendo a superfície de uma ameixa seca; Jerome Trohs, um anão cujo último nome era a palavra "short" escrita de trás para a frente; Mole, um criminoso que preferia viver no subsolo e fisicamente lembrava o animal do qual retirara o nome, a toupeira; e o mais vilanesco de todos, Flattop, que se destacava pelo formato achatado de sua cabeça. Todos eram fisicamente horrorosos, personificando a visão do autor de que o mal é necessariamente feio, ou que a feiúra interior sempre deve se expressar na aparência externa do criminoso. E cada um parecia pior que o outro, sempre capaz de mais terríveis atrocidades que seus antecessores. Um dos grandes atrativos das histórias de Dick Tracy é que quando se pensava que os piores vilões já haviam por elas se aventurado, outro aparecia que fazia os anteriores parecerem meros trombadinhas em uma feira da periferia...

ELEMENTOS NARRATIVOS BEM APROVEITADOS

Muitos outros foram os atrativos de Dick Tracy, durante décadas sabiamente explorados por seu autor. Os métodos de investigação e detecção utilizados pelo herói, apresentando uma descrição pormenorizada dos procedimentos policiais e dos métodos científicos utilizados na solução de crimes destacam-se como um de seus elementos mais característicos, da mesma forma como também o é a utilização de aparatos eletrônicos sofisticados.

Uma dose adequada de humor, em momentos específicos, fazia as histórias terem um fascínio maior para os leitores; em 1949, por exemplo, ao saber do casamento de Tracy com Tess, uma das mais antigas personagens da série, Pat Patton, simplesmente desmaia, de uma certa forma reproduzindo o impacto que com certeza também estavam sentindo os leitores ante o inesperado da notícia.

A utilização de fatos da vida real como pano de fundo para as tramas ficcionais também representou uma das características mais destacadas das histórias de Dick Tracy, algo que se iniciou já em seu segundo ano de circulação, quando Gould reproduziu nas páginas de sua história em quadrinhos, em consonância com o evento real, o rapto do bebê Lindbergh; infelizmente, neste caso a realidade não imitou a ficção: enquanto o fictício bebê Buddy Waldorf era resgatado por Tracy e seu seqüestrador levado à justiça depois de receber exemplar surra, o infeliz herdeiro de Charles Lindberg jamais retornou vivo ao convívio de seus pais...

ARMADILHAS MORTAIS

O elemento mais interessante, porém, talvez o maior responsável pela permanência de Dick Tracy no gosto dos leitores de jornais, mesmo depois que as histórias em quadrinhos de aventuras tiveram seu número drasticamente reduzido devido à diminuição do espaço disponível para elas, parece ser a variedade de armadilhas mortais (ou quase) a que o herói foi submetido no transcorrer dos anos. Nesse sentido, ele tinha um verdadeiro compromisso de exclusividade com as desgraças, pois foi sucessivamente alvo das mais terríveis ciladas. Ficar preso em uma sala eletrificada cujas paredes se fechavam sobre ele, ser enterrado vivo em um poço cheio de água suja, ficar preso em um túnel do metrô que desabava foram apenas os mais simples. O interessante nessas ciladas é que o próprio autor, ao concebê-las, não tinha a mínima idéia de como o herói iria se safar: Gould jamais planejava suas histórias, escrevendo os episódios dia-a-dia, conforme mandava sua imaginação. Em não poucas vezes, ele se viu em palpos de aranha para descobrir uma saída aceitável.

CINCO DÉCADAS DEDICADAS AO COMBATE DO CRIME

Chester Gould permaneceu à frente de Dick Tracy até 1977, quando se aposentou. Embora tenha contado com diversos assistentes nos 46 anos que dedicou a seu personagem, era dele o cérebro que elaborava as histórias e arquitetava os planos mirabolantes de seus adversários. Era também totalmente dele a visão conservadora da sociedade, a postura às vezes reacionária, os métodos violentos de combate ao crime e mesmo as atitudes politicamente incorretas que sempre marcaram o segundo detetive mais famoso do mundo. Mesmo depois de sua retirada, sua marca permanece visível nas histórias do herói, continuadas pelo roteirista Max Allan Collins, depois substituído por Michael Kilian, e pelo desenhista Dick Locher, com a ajuda de vários assistentes.

Gould faleceu em 11 de maio de 1985.


Leituras recomendadas

MAEDER, Jay. Dick Tracy: The official biography. New York : Plume, 1990.

ROBERTS, Gary G. Dick Tracy and American culture: Morality and mythology, text and context. Jefferson and London : McFarland & Company, 1993.

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