Carl Thomas Anderson & Henry (Pinduca)
Carl Thomas Anderson & Henry (Pinduca)
Alguns autores defendem que as melhores histórias em quadrinhos são aquelas nas quais apenas a imagem narra os acontecimentos, sem que a presença de palavras se faça necessária. São as chamadas histórias mudas. Muitos autores, inclusive, ficaram mais conhecidos por cultivar esse tipo de narrativas, nas quais balões e legendas são abolidos. E são até hoje muito apreciados, exatamente por isso.
Se for mesmo verdade que as HQs mudas são as melhores do gênero uma afirmativa bastante discutível, diga-se de passagem , não há dúvida, no entanto, que Carl Thomas Anderson é um de seus maiores expoentes. Henry, seu principal trabalho, um garoto careca, barrigudo e de pescoço comprido que jamais fala uma palavra sequer, pode ser considerado uma das criações mais brilhantes já produzidas no gênero. Junto com Otto Soglow (Little King) e Antonio Prohías (Spy vs Spy), autores em cujas obras a pantomima e o humor nonsense também ocupam papel de destaque, Anderson foi um dos grandes mestres na arte de transmitir mensagens aos leitores pelo uso exclusivo da imagem (ainda que as personagens secundárias eventualmente possam falar algumas palavras...), talvez o maior deles.
DISSEMINAÇÃO FÁCIL PELO MUNDO
Tendo iniciado sua publicação em março de 1932, como uma série de cartuns para o Saturday Evening Post, Henry constituiu-se em um dos maiores sucessos editoriais das duas décadas seguintes. Sua maneira irrequieta e livre de ser, transmitindo uma mensagem limpa e singela, cativou imediatamente os leitores de então, podendo ser visto quase que uma forma de escapismo às mazelas da Grande Depressão que o colosso norte-americano, então, vivia. E não apenas ali. Henry rapidamente ganhou o mundo.
Na medida em que não utilizava balões ou palavras de qualquer espécie, foi fácil para a personagem encontrar o caminho da exportação. A série foi veiculada em vários países, praticamente em todos os quadrantes do globo. No Brasil, tornou-se uma figura emblemática para várias gerações, lembrado com carinho por muitos leitores, que a ele ainda se referem pela forma como aqui ficou conhecido, Pinduca ou Carequinha. Na Alemanha, recebeu o nome de Henry, der Amerikanischer Lausbub (Henry, o americano maroto), e também em solo germânico foi um grande sucesso de público. Diz-se, aliás, que foi neste país que a atenção de William Randolph Hearst foi atraída pelo menino e que ele teria imediatamente decidido incorporá-lo a suas publicações, fazendo a Anderson uma proposta irrecusável. Mas isso parece forçar um pouco o fio das coincidências. Nesse caso, como em muitos outros nos quadrinhos, tudo indica que se está caminhando mais no campo da lenda do que propriamente no da verdade histórica. Além do mais, isso nem é muito importante: seja qual tenha sido a forma como Hearst tomou conhecimento da personagem, o certo é que, em 1934, ela passou a ser distribuída pelo King Features Syndicate e rapidamente ampliou seu raio de atuação e sua popularidade. Tornou-se quase que um verdadeiro ícone dos quadrinhos, sua imagem sendo facilmente reconhecida por qualquer leitor.
UMA PIADA POR DIA
Originalmente, Henry falava algumas poucas palavras, mas isso logo foi abolido pelo autor, que decidiu cortar sua eloqüência e fazê-lo comunicar-se apenas por gestos. Ele se tornou uma personagem totalmente muda. Seus quadrinhos apresentavam poucos coadjuvantes a mais constante sendo sua namorada, Henrietta , tendo basicamente todas as tramas centradas no protagonista. Da mesma forma, não apresentavam qualquer tipo de continuidade, seguindo o estilo one-gag-a-day (uma piada por dia), hoje dominante nas histórias em quadrinhos publicadas em jornais. Um exemplo desse tipo apareceu em 22 de outubro de 1939: Henry acabara de tomar banho e está caminhando pela rua quando, ao passar na frente de uma loja de antiguidades, olha-se ao espelho e se vê refletido como uma criança negra. Intrigado, volta correndo para casa e toma outro banho. Retorna à loja e vê-se novamente refletido como negro; a confusão só é resolvida quando um garoto de cor, vestindo roupas idênticas às de Henry, sai de dentro da loja e lhe pede desculpas por tê-lo feito tomar dois banhos seguidos...

Histórias longas e coadjuvantes adicionais para o garoto iriam surgir apenas nos quadrinhos feitos para o mercado de revistas, desenhados por outros autores e publicados pela Dell Comics, nos Estados Unidos, de 1948 a 1961. Mas ali, de uma certa forma, pode-se dizer que já nem se tratava mais da mesma personagem, pois o Henry dessas revistas se comunicava regularmente de forma verbal, como todos os demais garotos dos quadrinhos. Ao fazer isso, embora mantivesse as mesmas características físicas e o jeito cativante, perdeu muito de sua graça e de sua candura.
SUCESSO INJUSTIÇADO
No entanto, apesar de todo o sucesso que obteve durante as décadas de 30 e 40, tendo sido até mesmo transposto para os desenhos animados pelos Estúdios Fleischer, deve-se reconhecer que, de uma certa forma, autor e obra são hoje objeto de grande injustiça. As informações que se dispõe sobre Anderson, por exemplo, tanto em livros impressos como até mesmo na rede internet, são bastante limitadas, contrariamente ao que acontece com outros autores de quadrinhos. Além disso, a atual distribuição da personagem, que hoje é veiculada em pouco mais de 70 jornais no mundo inteiro pelo King Features Syndicate, é sem dúvida muito menor do que sua genialidade merece. Embora seja lembrado com saudosismo por leitores veteranos, poucos de gerações mais recentes conseguem manter contato freqüente com a personagem. Isso é uma pena.

Talvez o garoto não estivesse nessa espécie de semi ostracismo se seu autor tivesse permanecido mais tempo à frente dele, como aconteceu com outras personagens infantis (como fez Hank Ketcham, por exemplo, em relação a Dennis The Menace). Infelizmente, isso era quase que humanamente impossível para Carl Anderson. Ao criar sua personagem de maior sucesso, ele já estava na chamada Terceira Idade. Tendo nascido em 14 de fevereiro de 1865, em Madison, Wisconsin, já havia completado 67 anos quando Henry debutou no Saturday Evening Post. Pode-se até dizer que a personagem constituiu o seu canto de cisne, o coroamento de uma longa carreira na área de quadrinhos, que se havia iniciado em 1894, quando ingressou no Philadelphia Times, desenhando figuras de moda por 12 dólares semanais. Havia também criado personagens e tiras de fugaz permanência em bancas, como, entre outras, The Filipino and The Chick, para o New York World, e Raffles and Bunny, para o Morning Journal, de Hearst. E vivera longos anos sustentando-se com trabalhos free-lancers para revistas como Judge, Life, Puck e Colliers.
CRIAÇÃO POR ACASO
Anderson já havia até desistido dos quadrinhos quando foi surpreendido pelo sucesso de Henry. Em 1932, devido à saúde debilitada de seu pai, havia retornado definitivamente à sua terra natal, onde estava dando aulas de desenho na escola vocacional; foi nesse ambiente que concebeu a figura de um garoto careca e barrigudo, elaborado durante a aula, para ilustrar a lição que apresentava a seus estudantes. Animado pelo entusiasmo dos alunos em relação à figura, decidiu enviar alguns rascunhos da personagem ao Saturday Evening Post. Era, aparentemente, sua última tentativa em termos de quadrinhos, antes de se dedicar novamente à carpintaria, área em que havia atuado na sua juventude. Para sorte dele e dos leitores de histórias em quadrinhos , os editores do Saturday tiveram a sensibilidade de reconhecer imediatamente a genialidade da obra e deram à personagem o destaque merecido. O resto é história.
Infelizmente, Carl Anderson permaneceu à frente de Henry durante apenas dez anos. Em 1942, teve que se aposentar definitivamente, devido a problemas de artrite que o impediam de continuar desenhando. Faleceu em 4 de novembro de 1948. A série foi continuada durante vários anos por seus assistentes, Don Thachte e John Liney, posteriormente substituídos por Jack Tippet e Dick Hodgins. Atualmente, o King Features Syndicate distribui apenas os quadrinhos clássicos da personagem.
Leituras complementares
HORN, Maurice (ed.). The World Encyclopedia of Comics. New York : Chelsea House Publishers, 1976. p. 78-79, 312.
Toonopedia www.toonopedia.com/henry.htm