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As histórias em quadrinhos e seus gêneros - Parte 6

As histórias em quadrinhos e seus gêneros - Parte 6

21.02.2002, às 00H00.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 15H05

Tarzan de Hal Foster

Buck Rogers

Little Nemo

Washington Tubbs II

Wash e Capitão César

Terry e os piratas

Príncipe Valente

Flash Gordon

Jungle Jim

X-9

The Spirit

O Sombra

Super-Homem

Em geral, comenta-se que as histórias em quadrinhos de aventuras surgiram em 1929, com a publicação das façanhas de Tarzan, inicialmente desenhado por Harold Foster e depois por Burne Hogarth, e das de Buck Rogers, de Phyl Nolan e Dick Calkins. Isto é verdadeiro apenas em parte. Na realidade, esses autores, com qualidade bastante superior na primeira obra mencionada, trouxeram aos quadrinhos o desenho naturalista e não o gênero aventuresco em si.

Já alguns anos antes, o espírito aventureiro havia invadido as HQs. Os leitores foram, então, levados a acompanhar as peripécias das personagens em lugares bastante pitorescos, ao mesmo tempo em que as viam se meter (e posteriormente se safar) das maiores dificuldades. A diferença entre essas tiras iniciais e aquelas acima mencionadas é que, nos primeiros, a aventura surgia como elemento complementar ao humor, seja na elaboração da trama, seja na forma dos desenhos, sempre ressaltando os elementos característicos da caricatura e da estilização. O realismo de alguns autores passava muitas vezes despercebido aos leitores, como temáticas folhetinescas envoltas em roupagens humorísticas.

O CAPITÃO CÉSAR SUBVERTE A COMÉDIA

Na literatura de massa, as tramas de aventura dependem sobretudo de continuidade narrativa. Nesse sentido, é preciso reconhecer que, no início do século passado, essa continuidade era encontrada muito mais nos pulps – revistas de distribuição massiva feitos a partir de papel de segunda categoria, vendidos a preços muito baixos –, do que propriamente nas histórias em quadrinhos. Estas últimas limitavam-se mais à exploração de fatos humorísticos, seguindo muitas vezes o modelo de a gag-a-day, ou seja, uma piada por dia.

A continuidade narrativa surge timidamente nas histórias dos grandes mestres, dos quais Winsor McCay tornou-se talvez o mais insigne exemplo ao fazer o pequeno Nemo adormecer a cada dia para mergulhar no mundo dos devaneios exatamente no momento em que havia despertado no dia anterior, dando assim continuidade a um sonho aparentemente interminável.

Nas pegadas de McCay seguiram diversos outros artistas, como Herriman em Krazy Kat (1910), George McManus em Bringing up Father (1913); Frank King em Gasoline Alley (1918) e Harold Gray em Little Orphan Annie (1924). No entanto, em todos eles, a continuidade narrativa parecia constituir muito mais um elemento complementar do que propriamente o cerne da trama. Essa centralização aparentemente só começaria a ser delineada, ainda que timidamente a princípio, com o trabalho de Roy Crane em Washington Tubbs II.

Iniciada em 1924, a série de Crane focava-se em um jovem de limitados atributos físicos que tinha grandes pretensões tanto em termos amorosos como de fortuna econômica. Debutou de forma pouco expressiva, não tendo quase nada a apontá-la como a vanguarda de um novo gênero. Em pouco tempo, porém, o jovem Wash Tubbs iria se envolver em viagens ao torno do mundo, onde se defrontaria com mulheres estonteantes e perigos de deixar os cabelos em pé. Durante cinco anos, ele reinaria absoluto como protagonista, até o aparecimento da personagem que não apenas selou definitivamente o ingresso da tira no campo das adventure strips como, também, tirou o pequeno Wash das luzes da ribalta: Captain Easy (no Brasil, Capitão César), o modelo de muitos aventureiros que posteriormente surgiriam nos quadrinhos.

A CONTINUIDADE VITAL

O aparecimento de Easy na série de Crane, no entanto, ocorreu alguns meses depois do surgimento de Tarzan e Buck Rogers nos jornais, o que permite retornar à afirmação de terem sido por meio destas duas personagens que as adventure strips invadiram os quadrinhos. Firulas à parte, todavia, é certo reconhecer que ambas representaram uma modificação irreversível nas temáticas que diariamente encontravam os leitores nas páginas de quadrinhos. Diminuíram em freqüência as figuras caricaturescas e de formas estereotipadas, passando a florescer as personagens realistas, com proporções semelhantes às do ser humano. Afastaram-se as piadas diárias para dar lugar ao gancho, o momento de suspense do final da tira ou página dominical, o elemento que garantirá o retorno do leitor no dia seguinte, para descobrir o que aconteceu com seu herói.

A solidão do espaço, o mistério das selvas, a periculosidade da vida urbana assumiram a berlinda na atenção dos leitores e estes passaram a seguir as peripécias das personagens como se eles mesmos fizessem parte da trama, muitas vezes destruindo, nessa identificação, as tênues separações entre ficção e realidade. O quadrinho de aventuras mergulhou no inconsciente coletivo dos leitores e respondeu a seus anseios mais recônditos, mesmo àqueles dos quais não se davam conta.

AVENTURAS NAS SELVAS, NO ESPAÇO E NO SUBMUNDO DO CRIME

Na esteira do ambiente exótico aberto por Tarzan, vieram Terry and the Pirates (1933), de Milton Caniff; Jungle Jim (1934), de Alex Raymond e Prince Valiant (1937), também de Hal Foster, entre dezenas de outros, para não falar nos diversos imitadores do Homem-Macaco que as décadas seguintes produziriam. Os quadrinhos que se centravam na ficção científica, dos quais Buck Rogers foi  a vanguarda, representariam outro filão quase inesgotável com Flash Gordon (1934), de Alex Raymond; Brick Bradford (1934), de William Ritt e Clarence Gray, e muitos outros, tendo a Europa se destacado como uma insaciável cultora do gênero.

Às duas modalidades mencionadas, viria logo juntar-se uma terceira, diretamente oriunda dos pulps, a aventura policial, na qual pontifica a figura de Chester Gould com seu incorruptível detetive Dick Tracy (1931), que praticamente estabeleceu os parâmetros para esse tipo de história em quadrinhos. Entre os muitos nomes de destaque nessa área, deve-se novamente lembrar de Alex Raymond, com Secret Agent X-9 (1934) e Rip Kirby (1946); Lyman Anderson, com Inspector Wade (1935); Will Gould, com Red Barry (1934); Alfred Andriola com Charlie Chan (1938); Will Eisner, com The Spirit (1940) e Kerry Drake (1943), entre outros.

A partir destas, outras modalidades de adventure strips passaram a surgir, numa variedade difícil de ser rapidamente descrita, englobando desde o western ao sub-gênero espada e bruxaria. De uma certa forma, todas essas modalidades trouxeram uma nova vitalidade aos quadrinhos, garantindo-lhes quadrinhos a energia necessária para atravessar o século 20.

Evidentemente, as adventure strips foram e continuam a ser cultivadas no mundo inteiro, principalmente por responderem à necessidades de evasão e catarse do ser humano. No Brasil, grandes autores a elas se dedicaram, como Jayme Cortez (Sérgio do Amazonas), Flávio Colin (O Anjo), Getúlio Delphin (Aba Larga) e muitos outros.

OS AVASSALADORES SUPER-HERÓIS

O gênero foi ainda grandemente ampliado no final da década de 30, com o aparecimento, nas revistas de histórias em quadrinhos, de um herói voador com poderes fabulosos, que transformaria totalmente os quadrinhos como meio de comunicação de massa. Em 1938, com o Superman, de Jerry Siegel e Joe Shuster, os super-heróis, representando o gênero mais característico com que a linguagem quadrinhística brindou  a sociedade contemporânea, tomaram praticamente conta dos gibis e eles nunca mais foram os mesmos. Essas criaturas fantásticas passaram a dominar o meio, tornando-se quase sinônimo dele. Para o bem ou para o mal.

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Leituras recomendadas:

COMA, Javier. Del gato Felix al gato Fritz: História de los comics. Barcelona : Gustavo Gili, 1979.

GOULART, Ron. The adventurous decade. New Rochelle, N.Y. : Arlington House Publ., 1975.

GUBERN, Roman. Literatura da imagem. Rio de Janeiro : Salvat Editora do Brasil, 1980.

HARVEY, Robert C. The art of the funnies: An aesthetic history. Jackson. : University Press of Mississippi, 1994.

O’SULLIVAN, Judith. The great American comic strip: One hundred years of cartoon art. Boston : Bulfinch Press, 1990.

ROBBINS, Trina. From girls to grrrlz: A history of comics froms teens to zines. San Francisco : Chronicle Books, 1999.

SANTOS, Roberto Elísio dos. Para reler os quadrinhos Disney: Linguagem, técnica, evolução e análise de HQs. São Paulo, 1998. [Tese de Doutoramento – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo]

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