O diretor Yoon Sung-hyun sabe exatamente o que está fazendo em Newtopia. Vindo de projetos elogiados no cinema, como o thriller futurista Tempo de Caça, o jovem talento sul-coreano mostra domínio de ritmos cômicos e fluência de encenação nos melhores momentos do novo k-drama do Prime Video. O melhor exemplo é a cena em que testemunhamos o batalhão do soldado Jae-yoon (Park Jae-min) realizando um exercício que simula um ataque inimigo - a câmera do diretor Yoon, atenta às movimentações dos personagens e à cadência de suas ordens repetidas, imprime ali um ritmo quase hipnótico que tanto faz apreciar a eficiência do militarismo quanto faz troça de sua qualidade robotizada.
Ademais, o diretor passa o restante do primeiro episódio da série estabelecendo um mundo de ordem impecável. Yoon tem olho afiado para a sociedade meticulosamente organizada de seu país, dos ambientes planejados e das superfícies envernizadas em cores reconfortantes. A ideia em Newtopia é estabelecer a rigidez acolhedora dessa sociedade a fim de entender o que acontece quando ela é perturbada - ou ainda não falamos que essa é uma história de apocalipse zumbi?
A própria série toma um bom tempo para estabelecer seu mundo e seus personagens antes de chegar aos mortos-vivos. É um acerto de Yoon e de sua dupla gabaritada de roteiristas, Ji Ho-jin (Uma Loja Para Assassinos) e Han Ji-won (Parasita) - não que os tais personagens sejam tão carismáticos assim, mas a quebra de normalidade audaciosa que a série pretende ganha mais impacto quando passamos tempo o bastante estabelecendo a curadoria meticulosa que faz parte desse mundo. De repente, um olho ensaguentado de zumbi está voando pelos ares e aterrisando no colo de Jisoo, do BLACKPINK, e isso não rima com a Coreia disciplinada e meticulosa que Newtopia tentou tão bem nos vender.
Até a escalação de Jisoo, inclusive, ajuda nesse exercício de quebra de expectativas. Na pele da namorada de Jae-yoon, uma moça trabalhadora que se vê questionando se quer mesmo colocar sua vida em pausa enquanto o amado serve no Exército, ela é posicionada narrativamente como um desses elementos desestabilizadores da trama. Seu dilema romântico, sua relação ambivalente com as expectativas sociais colocadas sobre ela (um rapaz mais velho, que lhe ajudou a conseguir um emprego, parece esperar algo em retorno)... enfim, as situações em que Newtopia a coloca parecem desenhadas para provocar e demonstrar que, muito antes dos zumbis, havia algo fora do eixo nesse sistema social e nas pressões que ele coloca nos indivíduos.
É uma retórica interessante, e executada com sobras de estilo - mas não é uma história. Newtopia vai longe para se estabelecer como sátira, e se esforça bastante também para divertir momento a momento, nesse primeiro episódio. Talvez por isso não tenha sobrado tempo para introduzir um conflito dramático que ultrapasse o triângulo amoroso previsível entre os protagonistas, ou um discurso de gênero que demonstre qualquer insight dentro do contínuo do pós-apocalipse ficcional. A brincadeira convence bem por 1h, mas vai ser preciso um pouco mais para segurar uma temporada de televisão.