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O Grande Gatsby | Visitamos a Nova York dos anos 1920

Fomos ao set do novo filme de Baz Luhrmann, na Austrália

29.04.2013, às 21H39.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H43

Na literatura, poucas foram as festas que se equipararam às promovidas por Jay Gatsby no verão de 1922. Nelas, beldades da alta sociedade misturavam-se às garotas fáceis nova-iorquinas em um frenesi de bebida, boa música e celebridades em volta da piscina de um misterioso anfitrião, de quem ninguém sabe muita coisa, mas todos adoram fofocar.

O Grande Gatsby

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90 anos depois que F. Scott Fitzgerald imaginou esses excitantes encontros em O Grande Gatsby, vejo-me a bordo do icônico Rolls-Royce amarelo-ovo do personagem-título. Estou em Sydney, Austrália, e o conversível cruza os estúdios Fox em direção a um dos maiores galpões de som do mundo, onde está sendo rodada a mais recente adaptação do livro ao cinema. O ronco do motor V8, aspirado por oito tubos de metal cromado, quase me impede de ouvir o que o motorista, Larry "o Cara dos Carros", diz sobre o veículo. "É uma réplica. Quase estouramos o nosso orçamento nela, mas ainda assim saiu bem mais barato do que se tivéssemos comprado um... sairia 1 milhão de dólares, ou mais", explica. Aceno com a cabeça, levemente decepcionado, mas impressionado com a qualidade da reconstrução - que parece mais ter vindo do futuro do que inspirada no início do século passado.

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Larry me deixa na porta do estúdio 5, mesmo de Austrália e Moulin Rouge, local em que o diretor Baz Luhrmann prepara-se para filmar a maior cena da adaptação. Sento-me em uma tenda diante de um monitor de 50 polegadas 3D, coloco meus fones de ouvido e o óculos e sou imediatamente transportado para a década de 1920. Na cena, duas garotas lindíssimas colam os seios apertados em vestidos brilhantes e seguram-se pelos ombros nus, olhando para cima, com seus olhos bem marcados de maquiagem, sorrindo diretamente para a câmera. A profundidade do 3D é perturbadora.

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"Ação!", grita o cineasta, imediatamente iniciando uma agitação digna de qualquer balada moderna. Música eletrônica, que deve estar tocando neste momento em alguma casa noturna em Ibiza, explode nas caixas de som e modelos dançam um charleston selvagem, suas mãos crispadas com os punhos angulosos indo e vindo, em alternância com os mesmos movimentos nas pernas. Homens de ternos, fraques e maiôs (sim, maiôs, bem-vindo aos anos 20!) sacodem-se espasmodicamente em contraste com outros, que boiam abraçados em zebras infláveis na piscina, bêbados demais para aproveitar a farra.

Corta para a câmera 2, a festa ainda rolando, com as duas gatas que estavam abraçadas buscando enlaçar o Peter Parker em pessoa, Tobey Maguire. O ator dança, meio sem jeito, com as duas, até que uma supermodelo invade a cena, estonteante. É Elizabeth Debicki, a intéprete de Jordan Baker, que chega para resgatar Nick Carraway, o narrador da história, das periguetes. Outras câmeras passeiam pelos demais convivas, que desfrutam, cada um a seu modo, do evento.

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Luhrman não parece gostar de cortes. Grava três, quatro opções de uma só vez, sem parar as câmeras ou paralisar a energia da festa. Os extras conversam estranhamente animados demais. É tudo muito louco. Maguire termina sua cena e volta à posição inicial sem qualquer ordem do diretor, repetindo os movimentos. Um looping real, uma festa em moto-contínuo.

Enfim a energia se dissipa depois que uma explosão de confete e serpentina metalizados cai sobre os convivas. Todos gritam, orgásmicos. "Corta!", enfim pede Luhrman, empolgado.

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As filmagens e a cena da festa pós-produzida

Ainda sem saber direto o que foi aquilo, com um jet lag terrível e sofrendo com o fuso-horário de 13 horas, chacoalho a cabeça e olho surpreso para a representante da Warner Bros. "Eu sei!", ela me diz, sem que ao menos uma pergunta tenha sido feita.

Descubro então que os 250 extras ali presentes têm todos um personagem para interpretar. Fitzgerald descreveu 70 habitués das festas de Gatsby no livro, então os produtores decidiram que todos eles - e mais alguns, selecionados das páginas das colunas sociais da época -, deveriam efetivamente comparecer. A cada figurante foi dada uma ficha dizendo quem ele era e o que realizou. Eles eram encorajados a entrar nos personagens, trocando bravatas sobre suas conquistas e posses. Estava explicada a energia atrás das câmeras... não me surpreenderia se alguns daqueles profissionais fossem dali direto para uma balada de verdade, extravasar um pouco mais daquela atmosfera sensual.

"A história é repleta de observações fantásticas sobre a década de 1920, com essa orgia de dinheiro, bebida e mulheres, esse retrato de mudanças radicais no comportamento. As mulheres subitamente passaram a vestir coisas que anos antes seriam consideradas roupas de baixo! Tudo isso em menos de 10 anos, antes da Grande Depressão, que caiu como uma grande vergonha sobre a nação, fazendo com que tudo fosse novamente recalibrado. E, de certa maneira, o livro previu o colapso econômico que viria, o que o torna ainda mais extraordinário", comenta Baz Luhrmann.

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Baz Luhrmann por trás das câmeras (foto: Matt Hart)

"O grande desafio é tentar traduzir tudo isso, toda a intensidade dessa época na tela. Era tão louco e fora de controle, com o jazz e tudo, que pais estavam mandando prender os filhos e os colocando em julgamento!", explica Luhrmann. "Eu fiz questão de incorporar todos os maneirismos, o linguajar, de F. Scott Fitzgerald, no filme, de capturar todo o espírito do livro e seu tempo. E não posso negar que é sensacional organizar essas festas", celebra.

Para combater o sono e o cansaço, mantive um copo de café cheio nas mãos durante o dia todo, refis infinitos, cortesia do estúdio. Obviamente, tanto líquido precisa sair do organismo e usei as instalações sanitárias com frequência que deve ter aumentado a vida útil dos meus rins em alguns anos. Eu uma dessas visitas, porém, tive a experiência urinária mais bizarra da minha vida. Inadvertidamente entrei no banheiro dos figurantes e vivenciei como deve ter sido uma mijada na mansão Gatsby. Oito cavalheiros distintos, entre serviçais de uniforme, músicos da banda e convidados da alta sociedade, aguardavam sua vez nos parcos mictórios. "Me sinto mal-vestido aqui", disse - minha tentativa de humor de banheiro. "Bem-vindo à Mansão Gatsby, cara", respondeu um deles, com brocados pendendo dos ombros.

De volta ao estúdio, a festa tem que continuar. Depois de um intervalo para o almoço, a procissão charlestônica retomou seus lugares no palco (não há outra maneira de descrever o set detalhadíssimo, cheio de níveis, que começa no terraço da mansão, desce através de uma escadaria até a piscina redonda e continua mais um nível até a praia - com água corrente, árvores, areia...) A cena agora era um dos momentos mais icônicos de O Grande Gatsby, quando Nick Carraway conhece seu anfitrião. Nos mesmos moldes da sequência anterior, sem cortes, Leonardo DiCaprio e Tobey Maguire trocam seus cumprimentos - e DiCaprio traz à vida o tal "sorriso raro que tem em si algo de segurança eterna, um desses sorrisos com que a gente talvez depare quatro ou cinco vezes na vida", como descreveu Fitzgerald. "Desculpe meu velho. Eu sou Gatsby", diz.

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Luhrmann parece fascinado com seu elenco. "A grande força aqui são os atores. Eles se entregaram muito. Muito mesmo. Foram grandes colaboradores. Tobey e Carey Mulligan ajudaram muito e eu sempre imaginei Leonardo como Gatsby. Desde o começo!", revela.

Para o diretor, o livro foi um grande mapa e foi muito difícil adaptá-lo, já que todos os envolvidos nutrem verdadeira paixão por ele. "O livro tem uma força que transcende tempo e espaço, é universal, mas é dolorosamente relevante para esse momento que vivemos hoje". Segundo o cineasta, se atualizarmos o estilo musical, nada mudou de verdade. "Na época Wall Street vivia borrando as linhas da moralidade, criando mentiras pequenas, que tornaram mais fácil depois que uma grande mentira fosse contada. Foi ali que nasceu a frase 'nos tornamos uma nação de hipócritas'. É tudo a mesma coisa. As mentiras continuam aí".

"Uma das minhas histórias favoritas sobre essa época e a proibição é que a Lei Seca dizia que você podia consumir o que tivesse em casa. Você só não podia comprar ou vender bebida. E, quando a lei foi aprovada, os poderosos do Clube de Harvard tinham, 'por acaso', um estoque equivalente a 10 anos de garrafas no seu porão". É tudo a mesma coisa.

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Com as cenas na Mansão Gatsby concluídas, rumei para o que a produção chama de "A Casa Branca", a casa de Tom Buchanan (Joel Edgerton). Personagem que o livro narra como dono de "dinheiro antigo", o antagonista do filme, "e herói de uma outra história", como o ator mesmo o descreveu. Surpreendentemente, o novo set consegue ser ainda mais imponente do que o anterior. Completo com um quintal, varanda e diversas salas interligadas - cujos tapetes e papeis de parede foram desenhados pela designer de produção Catherine Martin, também responsável pelo figurino hiperrealista (que traz pequenos toques visando modernizar o estilo de época). A sala de troféus de Tom, todos devidamente gravados com suas conquistas no pólo (acreditem, eu olhei até os mais insignificantes), chega a ser ridícula. Tanto esmero na construção de algo que os próprios responsáveis admitem que talvez sequer apareça na tela. "Mas quando Joel passa por aqui ele se transforma", explicou um dos produtores.

Eram os últimos dias de filmagens, então o montador Jason Ballantine tinha já uma espécie de supertrailer preparado - 15 minutos de cenas do filme, ainda sem efeitos especiais (o que não fez grande diferença, já que esses serão empregados quase que apenas para relacionar os cenários geograficamente - algo que é fundamental no romance -, através de vistas e linhas de horizonte). A edição foi empolgante. Provando que o filme será uma mistura, não-musical, de outros dois trabalhos de Luhrmann: Romeu + Julieta (os textos mantidos no original) com Moulin Rouge (a extravagância em estilo que enche os quadros).

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Esses trechos do filme também serviram como aperitivo para ver o que Luhrman está aprontando com seu novo brinquedo, o 3D. Essa ferramenta, que já não impressiona mais e que se tornou muleta para cinema ruim que custa mais caro, casa surpreendentemente bem com o estilo superelaborado do cineasta. Arquitetura, maquiagem, figurinos e design usam a profundidade e texturas para evidenciar a imersão - e isso é exatamente o que você quer quando o assunto é uma das festas supersexies de Gatsby! Mas mesmo os momentos mais estéticamente desprovidos, como o tenso encontro de "amigos" no Hotel Plaza, ganha com a filmagem estereoscópica. "Eu quis usar o 3D para que pudéssemos sentir as distâncias entre cada ator e as relações entre eles", diz o diretor.

O lançamento de O Grande Gatsby é, enfim, o clímax de uma história iniciada há mais de 10 anos pelo diretor. "Logo depois de fazer Moulin Rouge eu tirei férias e estava no expresso Transiberiano. Não conseguia dormir, eram quatro horas da manhã, eu tinha uma garrafa de vinho e dois livros comigo. Um deles era O Grande Gatsby. Quando eu o terminei fiquei pasmo. Decidi que ia adaptá-lo um dia", conta. Um filme tão charmoso não poderia ter começado de outra maneira mesmo.

A produção de US$ 150 milhões abrirá o Festival de Cannes em maio, e depois estreia em 10 de maio nos EUA e em 7 de junho no Brasil.

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