Uma Seul Desconhecida surpreende com drama sutil sobre deficiências escondidas

Em Uma Seul Desconhecida, mais recente sucesso da Netflix no território dos k-dramas, o diretor Park Shin-woo (Tudo Bem Não Ser Normal) filma a capital sul-coreana do título com os mesmos tons desbotados que usa para a cidadezinha do interior, de ensejo rural, onde a primeira protagonista de sua história, Mi-ji (Park Bo-young), vive com a mãe. É uma escolha estética muito intencional. Pulando entre empregos informais e lamentando o fim prematuro de uma carreira no atletismo, após uma lesão quando ainda estava na escola, Mi-ji vive nesse mundo pintado em aquarelas aguadas porque é assim que ela se sente - apertada dentro do microcosmo de um tênis surrado, sem perspectiva, ela precisa ouvir das figuras adultas de sua vida que, aos 30 anos de idade, ainda tem direito de sonhar.

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Já na metrópole Seul vive Mi-rae (Park Bo-young de novo), irmã gêmea de Mi-ji, que usou o bom desempenho na escola para conseguir um emprego de alta performance e alto salário na capital - o que permite que a família cuide da avó idosa e mantenha um padrão de vida confortável, apesar do pouco dinheiro ganho pela mãe, uma trabalhadora de cantina escolar, e pela irmã. Verdadeira ao seu título, Uma Seul Desconhecida pouco explora as rodovias largas, prédios corporativos e vida noturna fervilhante que definem a capital sul-coreana em tantos produtos culturais do país. Ao invés disso, a Seul de Mi-rae é a Seul de cafés, apartamentos e escritórios claustrofóbicos, e ela se sente tão presa quanto a irmã, incapaz de deixar um trabalho que tem lhe causado exaustão e isolamento.

O diretor Park recusa a tentação óbvia de contrastar os dois mundos habitados pelas duas personagens, entendendo que precisa na verdade aproximá-los para nos fazer entender que ambas levantam da cama todos os dias tendo que lutar contra a inércia típica de um entrave de saúde mental. Mi-ji e Mi-rae sofrem de maneira diferente - embora seja cedo para diagnosticar e até imprudente fazê-lo, os primeiros episódios deixam-nos entender que a primeira enfrenta algo como uma depressão, e a segunda algo como um burnout -, mas o ponto é que ambas sofrem, e ninguém ao redor delas vê. E não é que faltem pessoas bem-intencionadas e afetuosas no convívio de Mi-ji e Mi-rae, mas a natureza das batalhas que elas travam consigo mesmas é interna, invisível diante da necessidade de seguir em frente que domina o dia a dia.

É sobre essas lutas e deficiências escondidas, logo fica claro, que Uma Seul Desconhecida quer falar. No roteiro de Lee Kang (A Juventude de Maio), a história das irmãs vai se entrelaçando bem organicamente com outras que discorrem sobre a mesma coisa: o vizinho de longa data das duas, Lee Ho-soo (Park Jin-young, ótimo), é um jovem e competente advogado que sofreu um acidente quando criança que lhe deixou com sensibilidade reduzida em um lado do corpo, além de baixa audição; tanto a mãe do moço quanto a mãe das gêmeas, vividas pelas eficientes veteranas Kim Sun-young e Jang Young-nam, são viúvas de longa data que cuidam de formas diferentes da ferida do luto; a avó das protagonistas (Cha Mi-kyung), hospitalizada há anos após sofrer um derrame, não quer se tornar um fardo para as netas; e por aí vai.

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A série se aproveita de um elenco sem elos fracos (até Lee Jae-in e Park Yoon-ho, que interpretam as versões adolescentes dos personagens principais em flashbacks, são tão bons quanto os atores adultos - senão melhores que eles) para ir revelando aos poucos um verdadeiro mosaico de angústias secretas suportadas por pessoas que querem manter aparência de normalidade não por soberba, mas por necessidade. Uma Seul Desconhecida é honesta, e muito oportuna, ao retratar narrativa e esteticamente o mundo meio cinzento que se ergueu ao nosso redor na contemporaneidade, que continua girando mesmo quando o motor dentro de cada um de nós engasga, enfraquece, morre.

Nem por isso o k-drama é deprimente, importante dizer. Em sua humanidade sutil, o roteiro se mostra também caloroso, bem-humorado e impetuoso - qualidades fundadas inclusive na boa performance dupla da protagonista Park Bo-young, que cria suas gêmeas com uma qualidade vívida, pessoas vibrantes mesmo diante de um universo amortecido. A jornada dos personagens de Uma Seul Desconhecida, na verdade,parece ser a de encontrar as rachaduras pelas quais essa cor pode sair de dentro deles e contagiar o lado de fora. E tudo indica que vai valer a pena acompanhá-los nesse caminho.

*Uma Seul Desconhecida segue em exibição na Netflix, com dois episódios semanais, sempre aos sábados e domingos. A temporada terá 12 capítulos e acaba em 29 de junho.