Talvez esse fosse um segredo que os fãs de Nicky, Ricky, Dicky & Dawn, série do Nickelodeon que ficou no ar entre 2014 e 2018, já conhecessem. Mas, para a maior parte de nós, meros mortais, The Umbrella Academy foi o lugar onde fomos apresentados a um fato incontestável: Aidan Gallagher é bom pra c*ralho.
O ator tinha 16 anos quando a série da Netflix estreou, em 2019, mas o seu personagem já estava na casa dos 60. O viajante do tempo Cinco, integrante mais cáustico e pragmático da família de super-heróis Hargreeves, passou décadas preso em um futuro pós-apocalíptico - e, quando voltou ao presente, se viu de volta em seu corpo de adolescente. É uma das várias ideias “engraçadinhas” que Umbrella usou para vender a sua subversão superficial do sci-fi de super-heróis, mas não demorou muito para perceber que, nas mãos de Gallagher, o paradoxo do velho preso no corpo do jovem se transformava muito facilmente em pathos dramático.
O elogio fácil a se fazer para o ator é que ele soube como incorporar trejeitos e expressões da experiência em sua fisicalidade jovem, que ele encontrou um jeito de parecer muito mais crível como um senhor de 60 anos do que como um rapaz de menos de 20. Mas o lance, na verdade, não é só esse: como Cinco, Gallagher se agarrou com unhas e dentes ao próprio charme e carisma para criar uma expressão de cinismo que definia a sedução do conceito da consciência antiga no corpo novo. É uma performance de ficção científica por excelência, que se torna o avatar de uma ideia sem nunca deixar de ser humano.
Porque Cinco sabe mais do que seus irmãos, entende mais do que seus irmãos, age mais do que seus irmãos no mundo ao seu redor e isso é tudo fruto de ser mais experiente do que eles - mas Cinco também está tão perdido em questão de autoconsciência quanto o restante da sua família. Por baixo do sarcasmo afiado, dos ternos bem ajustados e do cabelo meticulosamente caído sobre os lados do rosto, ele ainda é um mistério para si mesmo, um menino que fez amigos com a solidão e, por isso, não entende muito bem quem é quando está com os outros. Ele sabe que quer estar com os outros, mas não sabe como.
É esse o machucado profundo, a insegurança pulsante, que Gallagher deixava escapar pelos olhos inquisitivos, sempre absurdamente expressivos, mesmo que meio escondidos por baixo do cenho franzido. No rosto dele, o caso de amor patético de Cinco com uma manequim, e seu apego irracional a ela, se tornaram reações compreensíveis e dilacerantes diante da carência que existia dentro do personagem. No rosto dele, as alfinetadas truculentas de Cinco para os outros membros da família transpareciam como a estratégia de negociação que eram, afeto mediado por pragmatismo vindo de quem nunca conheceu outro tipo de afeto. No rosto dele, o desespero existencial de se ver morrendo e vivendo e morrendo de novo, pelas espirais infindáveis do tempo, cortava mais fundo.
E, em uma série que tão frequentemente mostrava não entender a força dos seus personagens, escolhendo se focar ao invés disso em uma construção mitológica fraca, Gallagher sempre tinha um sorrisinho irônico para as idas e vindas absurdas da trama, uma entonação autoconsciente para os diálogos expositivos que tão frequentemente caíam sobre ele, e um olhar devastador para os momentos que realmente importavam na viagem emocional de Cinco e seus irmãos. Enfim: em quatro temporadas, lançadas no momento de maturidade pivotal entre os 16 e os 21 anos para o ator, ele se estabeleceu e se segurou admiravelmente como o centro nervoso de The Umbrella Academy.
Nesse caminho, Gallagher se revelou o tipo de intérprete que opera uma mágica rara: se ele estava se divertindo, nós estamos também; se ele está machucado, a gente sente aqui desse lado da tela. O seu Cinco manteve a série honesta consigo mesma, e envolvente como entretenimento, até os últimos minutos em que ele esteve em tela. É um poder tão sobrenatural quanto as “piscadas” do personagem no espaço-tempo - e, talvez, até um pouco mais divertido.