Como a Netflix aprendeu a falar sobre depressão e ansiedade em suas produções

Créditos da imagem: Netflix/Divulgação

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Como a Netflix aprendeu a falar sobre depressão e ansiedade em suas produções

Após ser criticada por “romantizar” distúrbios psicológicos em 13 Reasons Why, plataforma aborda assunto com delicadeza em Por Lugares Incríveis e I’m Not Okay With This

12.03.2020, às 19H43.

[Este texto aborda conteúdos sensíveis]

Quando estreou em 2017, 13 Reasons Why tinha tudo para ser apenas mais um sucesso da Netflix. Com a temática de suicídio adaptada do livro de mesmo nome de Jay Asher, a série era anunciada como um novo drama adolescente e tinha seu material promocional direcionado a este público. Ao estrear, o seriado causou certa polêmica por causa de cenas sensíveis e por romantizar não só a depressão, como o próprio suicídio.

Ao longo de seus 13 episódios originais, 13 Reasons Why explorou os motivos que levaram a adolescente Hannah (Katherine Langford) a cometer suicídio. Logo após sua estreia, diversos críticos voltaram suas atenções ao fato de a série ter resumido a depressão da protagonista a ações de 13 pessoas diferentes de sua vida, ao invés de se aprofundar em um retrato mais realista de como a doença se manifesta em pacientes. Além disso, a Netflix, inicialmente, permitiu que uma cena de estupro fosse exibida sem avisar sobre a presença do possível gatilho – adicionado semanas após o lançamento da série – e o começo, meio e fim da tentativa bem-sucedida de suicídio de Hannah, que é mostrada de forma explícita e irresponsável.

Ficou claro que os criadores da série, assim como a própria Netflix, subestimaram a capacidade de compreensão do público que, desde 2014, acompanha a animação BoJack Horseman, que aborda vício, depressão, ansiedade e outros problemas psicológicos de maneira muito mais madura. Por serem direcionadas para públicos diferentes, no entanto, os responsáveis por 13 Reasons Why trouxeram o tema à tona de maneira polêmica e simplista, e só reintroduziria a discussão para mesmo público em 2020, dessa vez com um resultado completamente diferente, com a chegada de I’m Not Okay With This.

Inspirada na HQ de mesmo nome de Charles Forsman (The End of The Fxxxing World), a série estrelada por Sophia Lillis e Wyatt Oleff (ambos de It: A Coisa) usa seus elementos sobrenaturais como metáforas para ansiedade e depressão. Assim como os distúrbios, os poderes da protagonista Syd (Lillis) se manifestam em meio ao desequilíbrio hormonal típico da puberdade e saem do controle sempre que algo inesperado ou desagradável acontece à garota.

A raiva, a tristeza e as incertezas de Syd causam danos de diferentes intensidades a tudo e todos à sua volta, refletindo o sentimento de quem sofre com ansiedade de estar destruindo relações pessoais por conta de seus problemas. Não são poucos os momentos em que a personagem, assim como pacientes depressivos do mundo real, explode de repente em um turbilhão de emoções que estavam guardadas ou tenta esconder sua “anormalidade”, como ela mesma define, com um sorriso no rosto.

Diferentemente de Hannah, Syd e sua depressão são bem desenvolvidos na série da Netflix e I’m Not Okay With This não se limita apenas aos seus problemas: Stanley (Oleff) e Dina (Sofia Bryant), melhores amigos da protagonista, também têm seus medos revelados. Os três formam constantemente uma rede de apoio necessária – embora muitas vezes invisível a quem mais precisa – para se protegerem dos sentimentos que assombram suas próprias cabeças. A maneira como os jovens lidam com suas paranoias e ansiedades permitem que qualquer pessoa que já tenha passado por episódios de pânico ou crises depressivas se veja na tela sem se sentir diminuído por conta dos próprios sentimentos.

O mesmo acontece em Por Lugares Incríveis, outra produção adolescente da plataforma lançada em 2020 que tem a depressão como tema central. Por mais que o início do filme aponte Violet (Elle Fanning) como a personagem que convive com o distúrbio, o desenvolvimento mostra que é Finch (Justice Smith), garoto normalmente sorridente e que constantemente tenta afastar a garota de seus pensamentos mais obscuros, que mais precisa de ajuda. Diferentemente de 13 Reasons Why, o longa dirigido por Brett Haley pede o tempo todo que seus protagonistas busquem ajuda para superar os traumas do passado.

Delicadamente, o filme traça as diferenças entre o luto e a depressão. Enquanto Violet consegue, aos poucos, superar a morte da irmã, Finch tem seu comportamento imprevisível levado a extremos, com alterações de humor, sumiços acessos de raiva e choro representando as nuances que vêm com a convivência com o distúrbio mental. Assim como muitos pacientes, o garoto tem vergonha de admitir seus problemas e, por isso, se nega a aceitar ajuda. Mesmo quando sua irmã (Alexandra Shipp) pergunta sobre seu bem-estar, o rapaz sente que é mais fácil mentir do que “perturbá-la” com seus sentimentos.

Assim como evoluiu na forma de retratar os sintomas e as diferentes reações trazidas por esses problemas psicológicos, a Netflix também teve uma incrível sensibilidade ao abordar o suicídio de Finch. Ao invés de focar apenas na saudade e no luto imediatos, Por Lugares Incríveis mostra como os outros personagens conseguem, aos poucos, superar a morte do personagem e seguir com suas vidas apesar do trauma. Entre seu retrato de superação e os pedidos constantes para que quem sofre com problemas psicológicos busque ajuda, o filme ilumina caminhos alternativos às escolhas extremas tomadas por impulso e oferece uma representação mais apropriada da instabilidade sentida por alguns pacientes.

Aprendendo com seus erros e acertos do passado, a Netflix conseguiu corrigir sua problemática representação de distúrbios mentais, especialmente para um público que pode ser influenciado mais facilmente. Se seguir a fórmula apresentada em I’m Not Okay With This e Por Lugares Incríveis, a plataforma tem nas mãos a chance de se tornar um canal importante para a discussão sobre saúde mental.

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