A aparição de Halo no topo do ranking de séries mais assistidas do catálogo brasileiro da Netflix - e, acima de tudo, sua persistência nesse posto já há alguns dias - é um atestado do poder ainda inigualável que a plataforma de streaming tem para oferecer visibilidade às produções que escolhe abrigar. Adaptando os populares jogos de Xbox, Halo chegou à Netflix, afinal, quase três anos depois de sua estreia original no Paramount+, que veio carregada de expectativas, até por conta do investimento massivo do estúdio na adaptação de uma das franquias de jogos mais vendidas de todos os tempos.
Com um orçamento estimado entre US$ 90 e 200 milhões só na primeira temporada, a série representava a chance do Paramount+ de criar uma franquia de apelo nerd, que expandisse a base de assinantes da plataforma para além dos aficionados por Yellowstone e pelas outras séries de Taylor Sheridan. O investimento na produção foi dobrado na campanha promocional da série, que incluiu - para ambas as temporadas - turnês de imprensa internacionais, participações em convenções ao redor do mundo (incluindo a CCXP!), pôsteres e trailers espalhados pelos espaços urbanos, enfim - Master Chief (Pablo Schreiber) estava por todo canto nos últimos anos. E, ainda assim…
Em um atestado de que até a máquina bem azeitada da publicidade hollywoodiana pode falhar, Halo atraiu pouca atenção fora do público que já estava familiarizado com os games - o que se provou um problemão quando ficou claro que a série, como guiada por um grupo diverso de showrunners (foram tantas trocas que é fácil argumentar, no fim das contas, que a voz criativa mais forte por trás da trama tenha sido a da produtora Kiki Wolfkill), não estava nem um pouco interessada em seguir o cânone da saga virtual, ou dar aos fãs o que eles mais esperavam ver em live-action. A ideia aqui, como fica óbvio assim que Chief tira o seu capacete no primeiro episódio da primeira temporada (algo que ele nunca fez nos jogos), era voar solo.
Como o Omelete tem insistido desde a estreia dos primeiros episódios de Halo, lá em 2022, essa é uma ótima ideia do ponto de vista criativo. A série do Paramount+ saiu muito melhor do que a encomenda, como narrativa, pela decisão de se divorciar das regras sufocantes que fizeram Halo funcionar em outra mídia. Master Chief tirar o capacete é importante para que o espectador se veja investido emocionalmente na história dele, que é uma de recuperação da humanidade e realização das moralidades complexas que definem a guerra. Para Halo se tornar mais do que uma jornada violenta de missão em missão, era necessário “terceirizar” esse herói, transformá-lo de “eu” em “ele”.
A audácia de fazer essa escolha - e tantas outras que a seguiram - é o que definiu a série do Paramount+ durante sua trajetória inicial, mas é também o que soletrou o seu fracasso, ao menos comercialmente. Incapaz de alcançar quem não gastou horas jogando Halo e, eventualmente, perdendo até os fãs mais ardorosos dos games, que insistiam teimosamente por fidelidade e pela “reprodução” de certas sensações dos jogos, a plataforma de streaming cancelou a série após duas temporadas. Uma pena, até porque o segundo ano (ainda inédito na Netflix) foi onde Halo ganhou mais força como narrativa, sob o comando firme de David Wiener.
Mas essa é a diferença entre as duas plataformas, no fim das contas. No streaming vermelho, cuja base de assinantes vai além de qualquer nicho, Halo foi capaz de se encontrar com um público que está pouco se lixando para a blasfêmia de um capacete retirado, de uma cena de sexo moralmente dúbia, de um ou outro personagem original que mexe com a mitologia pregressa dos jogos. Eles querem um sci-fi que lhes prenda, que lhes apresente um futuro cativante e convincente, que lhes conte algo novo e empolgante. E Halo sempre quis fazer justamente isso, mas esbarrou em uma base de fãs que preferiria rever o que já tinha visto antes.
É agridoce, para dizer o mínimo, que a série tenha encontrado a plateia certa para suas ambições só agora, quando o seu destino já parece irreversível.