Em determinado ponto da segunda temporada de Sky Rojo, um dos personagens perde um dos olhos ao ter um gancho de açougueiro lançado contra o próprio rosto. A sequência é gráfica, como se de repente a série tentasse fazer alguma espécie de citação ao gênero do horror. Contudo, logo em seguida, a vítima do ataque surge usando um tapa-olho. O texto da série – latino até a raiz dos cabelos – enfeita o momento com seu exagero essencial. Subitamente, somos levados até os primórdios das produções mexicanas, com suas vilãs unidimensionais, que também usavam o mesmo acessório. Sky Rojo vive desse jeito: referenciando.
Em outro momento, Wendy (Lali Espósito) passa por uma grande ruptura pessoal. Para ilustrar isso, o criador Álex Pina (La Casa de Papel) mantém a ambiguidade do discurso da série - desequilibrada entre fetiche e empoderamento – usando a personagem para sua “lavagem cerebral”. Wendy surge em cena parecidíssima com a Arlequina de Margot Robbie, só trocando o taco de baseball por uma espingarda. É mais uma das “homenagens” implícitas da série, que se desenvolve quase como se tentasse esconder mensagens subliminares em suas sequências: reunir tudo que agrada dentro do gênero da ação e torcer para dar certo.
Esse não é exatamente um defeito. De fato, apesar de esconder entre suas perseguições e explosões uma evidente fuga para a superficialidade, Sky Rojo é extremamente competente no que faz. Seu modelo de temporada (8 episódios muito curtos, de no máximo 28 minutos) também ajuda a deixar a audiência atenta, sem nenhuma sensação de cansaço. Há algumas considerações a serem feitas, mas tal qual várias produções de língua espanhola vem fazendo, Sky Rojo se comunica com um tipo de público e é fiel a ele, se dando somente ao trabalho de dentro de seu estilo, cumprir com o papel de parecer cara e acessível.
Outro fator positivo para a equipe de criação foi saber que as duas primeiras temporadas seriam filmadas em sequência. Assim, os arcos foram planejados para 16 episódios, divididos em duas partes de 8, com o cuidado de inserir alguma grande mudança no episódio que passava de uma temporada para a outra. Com isso, os acontecimentos parecem fluídos e o ritmo é mantido no nível mais alto. Não há perigo de perda de elenco, não há fragilidade narrativa e nem nenhuma interferência externa. Fica muito claro que os autores sabem onde querem chegar e apesar de salvarem seus personagens da maioria dos riscos de morte, há algumas boas surpresas e ousadias. O tapa-olho, inclusive.
Sky Red
Quando a segunda temporada começa, os personagens estão no meio do turbilhão deixado pelos acontecimentos do ano anterior. Embora a narração em off tenha diminuído, é ela que acaba sendo usada como ponte e como preparação nos episódios mais emblemáticos. Ela funciona melhor quando é mesmo em off. Nas ocasiões em que Coral (Verónica Sanchéz) fala diretamente com o público, ela não consegue proteger o texto, que soa um tantinho mais cafona. Mas, nesse começo ela precisa estar em evidência, já que sua captura por Romeo (Asier Etxeandia) é o que domina os primeiros episódios.
Coral, inclusive, continua sendo um problema para a série. Apesar de ter sido construída para ser complexa, com seu vício e a doentia paixão por Moises (Miguel Ángel Silvestre), Coral não consegue convencer o espectador a torcer por ela. Àlex Pina tem uma profunda atração pela toxicidade das relações, mas perde o ponto com Coral e Moises. O que deveria ser uma torcida aberta do público para que eles fiquem juntos se transforma numa torcida para que eles acabem logo um com o outro. E é mais ou menos o que também acontece com Moisés e Christian (Enric Auquer). São tantas cenas entre eles na mesma dinâmica de “fico no crime ou saio do crime”, que perdemos o interesse em vê-los fazer qualquer uma das duas coisas. Christian, aliás (e assim como Coral), é um personagem odiável em 99% do tempo.
Wendy e Gina (Yany Prado) seguem intactas. Wendy, inclusive, tem um arco na temporada que envolve um antigo cliente e esse arco acaba servindo muito bem como comparativo para o que os criadores não conseguem fazer com o casal principal. Em poucas cenas, Wendy e o antigo cliente criam uma conexão imediata. A maneira como o roteiro o coloca dentro da ação ajuda muito, mas tanto ela quanto Gina são despretensiosas, reais. Coral, Moisés, Christian e também Romeo, forçam uma complexidade, exigem o drama, babam, suam, gritam... E entre eles pelo menos Romeo se salva, já que sua filosofia de bordel continua esperta e interessante.
O fetiche do mercado de produções em língua espanhola é pela autodestruição e pelo sexo. Esse é um problema que assola quase todos os títulos que recheiam a Netflix. Em Sky Rojo, a receita vem com esteróides. É tudo tão regado a sexo, drogas e sangue, que falta espaço para construir relações de afeto. Nada parece verdadeiro entre os personagens. Nada pode durar. Mas, a série tem uma proposta de ter uma ação vertiginosa. Ela propõe e ela cumpre esse papel. É a isso que ela se dedica, o que resulta num bom trabalho técnico, mas também em desertos sensoriais. As emoções são vazias, mas com tanta pressa de atirar e explodir coisas, quem está interessado em “sentir”?
Assim, a segunda temporada termina com boas decisões, alguns sacrifícios necessários e resoluções promissoras para o futuro. Se um ano 3 não vier (o que é muito improvável), tudo terá sido satisfatório. A história que Sky Rojo quis contar pode não ser a mais substancial do mundo, pode não ser povoada de camadas. Mas, a série definitivamente soube como contá-la.
Criado por: Álex Pina
Duração: 1 temporada