Tom Ellis como Lucifer

Créditos da imagem: Netflix/Divulgação

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Artigo

Lucifer | Novo ano abusa dos ganchos e reviravoltas e segue datada

Quinta temporada chega à Netflix nesta sexta (21)

19.08.2020, às 09H23.
Atualizada em 20.08.2020, ÀS 17H15

Assistir Lucifer é como ter 15 anos de novo, sobretudo se você tinha 15 anos no meio dos anos 1990, período em que as séries procedurais estavam vivendo seu auge. Os “enlatadinhos americanos” chegavam prontos para consumo na TV fechada e aberta, para fãs interessados ou não em acompanhar os episódios pela ordem correta de suas temporadas. Com casos fechados por dia, as produções eram de facílimo acesso para todos. Havia um prenúncio de futuro em títulos como Arquivo X, que tinha uma mitologia abordada em começos, meios e finais de temporada. Mesmo assim, foi a própria série que lançou a expressão “monstros da semana”, quando a história era completamente avulsa da trama central e não exigia fidelidade de ninguém.

Não há problema nenhum em ser procedural. Grandes sucessos médicos e investigativos povoam nossas televisões até hoje. Contudo, quanto mais o tempo passa, mais esse modelo estrutural seguro e pouco ousado vai perdendo espaço e relevância, o que explica, por exemplo, sua completa ausência nas mais respeitadas premiações. Lucifer, inclusive, experimentou um pouco desse amargo quando foi cancelada na sua terceira temporada, depois de finalmente dar um passo decisivo em sua dramaturgia. O público da TV fechada e aberta, nos dias de hoje, só fica esperando pelo próximo episódio quando tem a sensação de que pode perder algo muito importante. Do contrário, ele prefere esperar pela chegada no streaming, o que explica a boa recepção da série no Netflix.

Esperava-se, enfim, que a ida da série para a plataforma pudesse dar a ela a oportunidade de sair um pouco da casinha. Uma olhada em retrospectiva revela que Lucifer é uma série conservadora, cheia de demônios que estão em busca de amor e de alma. O protagonista, de fato, é um dos herois mais “certinhos” da TV, incapaz de mentir, apaixonado, entregue ao hedonismo momentâneo só para conseguir lidar com um coração partido. Se não fosse pelo carisma de Tom Ellis, o personagem seria terrivelmente chato e desinteressante. Sobretudo, porque, exatamente por estar tão apoiada na estrutura das séries clássicas dos anos 1990, os personagens principais ficam andando em círculos, com ameaças de mudanças que, de fato, acabam nunca acontecendo.

Na quinta temporada todos já esperavam pela chegada de Michael (o Arcanjo Miguel), irmão gêmeo de Lucifer, que chegaria como uma forma de atrasar novamente, pela enésima vez, o desenvolvimento da relação entre ele e Chloe (Lauren German). A maneira como os roteiristas evitam explorar essa relação chega a ser impressionante. Eles lançam mão de tudo que podem, do motivo mais sólido ao drama mais desnecessário. O que vale é adiar, adiar, adiar indefinidamente. Cada passo para frente logo é corrigido com três para trás. Dessa vez essa é a função de Michael, como antes tinha sido a função daquela questionável versão de Eva (Inbar Lavi). Porém, ao menos temos a chance de ver Tom Ellis brincando de “gêmeo mau”.

 

Capetinha

Os responsáveis por contar essas histórias são espertos. O material original (da obra de Neil Gaiman e Sam Keith) serve como base para apresentar conceitos e personagens, enquanto os roteiristas vão organizando esses elementos de uma maneira que possa ser possível ocupar começos e finais de episódio, garantindo que ainda que o “miolo” seja irrelevante, todos sejam fisgados para o episódio seguinte. E precisamos admitir, funciona. A quinta temporada de Lucifer não vai decepcionar aqueles que buscam essa dinâmica. Durante o episódio, pouco importa quem matou quem, desde que nos 10 minutos finais haja o grande impacto. O aumento do tempo dos episódios de 43 minutos (quando eram exibidos pela Fox) para 50/60 minutos só ajuda a validar essa sensação de que o meio dos acontecimentos é só uma distração.

É claro que nem só de Lucifer vive a série, mas os outros personagens não estão numa posição tão confortável assim. Lá atrás, os produtores resolveram “suavizar” Maze (Lesley-Ann Brandt) e criaram uma cilada para a personagem. Todo ano ela precisa se decepcionar com alguém para que volte a ser “durona”. Amenadiel (D. B. Woodside) e Linda (Rachael Harris) viraram pais em tempo integral e Dan (Kevin Alejandro) já é uma peça jogada ao vento há muitas temporadas. Ficamos com nosso amor por Ella (Aimee Garcia), que ainda que nunca tenha destaque individual, continua sendo adorável.

Enfim, ainda que as regras da mitologia mudem ao bel prazer dos roteiros e todas as tensões se baseiem em parentes ou conhecidos que surgem do nada, Lucifer sabe fazer seu encantamento. Com exceção de um episódio descaradamente filler que mesmo filmado em preto e branco soa como uma desculpa para não seguir em frente, a quinta temporada é agitada, tem ganchos que te convencem a esperar o próximo episódio e uma sequência final que vai te fazer se arrepiar na poltrona. Esse final, que inclusive sofreu alterações quando a equipe descobriu que haveria um sexta temporada, é, sem dúvida, o mais incrível que eles já realizaram e tem um valor de produção que renova nosso respeito pelo trabalho dos envolvidos.

Agora que a sexta temporada será a última mesmo, é o momento de apostar em algumas doses de ousadia. Lucifer é celestial, está cercado de humanos que vão envelhecer e morrer. Algo de intenso e corajoso tem que sair disso, porque apelar para “o resto vocês imaginam” seria fechar essa obra com tudo aquilo que não representa os mitos em torno dessa tão controversa figura. Lucifer poderia ser tudo, menos apático e hesitante.

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