Eu Nunca... traz esperança na leva de cancelamentos recentes da Netflix

Créditos da imagem: Netflix/Divulgação

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Crítica

Eu Nunca... traz esperança na leva de cancelamentos recentes da Netflix

Em sua segunda temporada, série de Mindy Kaling expande muito bem o universo de contradições indianas

Omelete
4 min de leitura
16.07.2021, às 14H10.
Atualizada em 16.07.2021, ÀS 14H21

Durante muito tempo na televisão americana, os indianos ficaram relegados ao estereótipo, retratados como comerciantes, místicos ou como o amigo estrangeiro engraçado. Hoje, Eu Nunca... é um ótimo exemplo do quanto a abertura de fronteiras e a preocupação com representatividade podem inverter essa tendência. Mindy Kaling, sua criadora, nasceu nos EUA no mesmo ano em que seus pais migraram da Índia. Então, assim como acontece com a protagonista da série, ela cresceu em meio aos códigos ocidentais, mas sempre em contato com costumes e hábitos de seus antepassados.

O mais interessante em torno de Eu Nunca... é que a abordagem de Kaling não fica presa ao choque cultural. A série tem uma escalação de elenco e uma construção narrativa que privilegiam a diversidade sem ser condescendente. Devi (Maitreyi Ramakrishnan), a protagonista, não é a heroina cercada de personagens que estão ali para potencializar suas qualidades. Por mais que a comédia esteja sempre flertando com a inverossimilhança, Kaling não perde de vista que para ser “real”, Devi precisa ser calculadamente complexa. E a complexidade pode conduzir ao erro, do qual todos estamos passíveis.

Sendo assim, Devi é uma adolescente clássica das séries de TV (mimada, chata, egoísta, inconsequente), mas também é uma adolescente ficcional que vai para fora da curva. Não é só uma questão de sagacidade ou inteligência, mas de fugir das obviedades. A força de Eu Nunca... está, por exemplo, na maneira como ela trata um triângulo amoroso. Em qualquer outra série teen a protagonista sofreria as angústias de estar dividida entre dois garotos. Devi, contudo, resolve manipular a situação para não precisar escolher ninguém e vai esmagando tudo no processo. Sabemos que a “lição” vai vir, é inevitável. Mas, estar diante de uma protagonista imprevisível pode ser estimulante.

Eu Nunca... Deixei de Desconstruir

A segunda temporada começa com duas missões: resolver se Devi vai ficar com Ben (Jaren Lewison) ou Paxton (Darren Barnet), e continuar reajustando a família da menina, que precisa superar a presença tão marcante do patriarca perdido. Surpreendentemente, Mindy Kaling brinca com o triângulo amoroso, mas não deixa Devi cair numa ladainha romântica. Com a chegada de uma nova aluna indiana e super descolada, toda a insegurança de Devi se transforma numa máquina de decisões questionáveis, de rompantes impensados, de inveja. O equilíbrio entre desaprovar e acolher tudo que envolve a menina é o objetivo da narrativa, que não pode perdoá-la o tempo todo, mas muito menos deve exagerar nas condenações.

Os núcleos coadjuvantes continuam sendo um dos charmes da produção. A suavização da mãe de Devi foi muito bem-vinda, assim como a chegada no elenco fixo da avó. Kamala (Richa Morjanni), que já representava a independência da mulher indiana sem que isso significasse a renúncia às tradições, apareceu na temporada ainda mais disposta a ser uma cientista reconhecida e uma mulher considerada. Kamala é muito carismática e representa, também, uma mudança bem-vinda: quem disse que indianos gênios nas séries só podem ser homens? A estratégia de Mindy Kaling é evidente e eficaz. Ela consegue retratar a mulher indiana com força, mas sem rebeldia. Algo que Special, que acabou recentemente, também conseguiu fazer com Kim (Punam Patel).

O colégio de Devi também continua divertindo. A relação de Fabiola (Lee Rodriguez) e Lee (Christina Kartchner) é superficial, existe apenas para trabalhar a ideia de que a orientação sexual não precisa ditar todos os outros comportamentos da vida. Essa superficialidade é comum dentro do gênero da comédia e não prejudica a série porque não afeta o ritmo. Pelo contrário, são pequenas interferências que ajudam a balancear o exagero comportamental de Devi. O mesmo podemos dizer de Eleonor (Ramona Young), que continua afiada nas referências pop, mas que agora também tem um pequeno desenvolvimento solo. É muito interessante notar como os roteiros passaram a lutar contra o distanciamento dos rapazes. Depois de um grande investimento em Ben na temporada anterior, chegou o momento de “estudar” o clássico bonitão do high school.

No ótimo episódio 3 da temporada (mantido no mais absoluto sigilo), a modelo Gigi Hadid vira a narradora das mazelas existenciais de Paxton. É outro dos movimentos espertos do roteiro, já que Paxton tem o estereótipo do menino que engana duas meninas e não que é enganado. Ao entrar na cabeça dele para desconstruir essa percepção, a série não só amplia a compreensão sobre o personagem, mas também desafia o espectador a continuar reconsiderando tudo que uma série teen antecipa numa simples sinopse. Não é que a cabeça de Paxton revele um sábio incompreendido. A série acerta justamente em nos fazer aceitar e acolher parte daquele imenso vazio.

Depois de um ano em que a Netflix abriu mão de tantos títulos sensíveis e inteligentes que tinham bases no campo da diversidade, dá um pouco de medo do que pode acontecer com a série. Sabemos que a plataforma nunca poderia dizer “eu nunca cancelei uma série ótima para manter no ar sucessos de qualidade questionável”, mas Eu Nunca... é um pedaço de esperança nesse limbo de cancelamentos. O mundo de Devi é fascinante demais para não continuar se expandindo nesse maravilhoso universo de contradições. 

Nota do Crítico
Excelente!
Eu Nunca...
Encerrada (2020-2023)
Eu Nunca...
Encerrada (2020-2023)

Criado por: Lang Fisher, Mindy Kaling

Duração: 4 temporadas

Onde assistir:
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