Boca a Boca - 1ª temporada

Netflix

Crítica

Boca a Boca - 1ª temporada

Boas ideias e a atual distopia do agronegócio compensam as afetações da série brasileira

14.08.2020, às 16H42.
Atualizada em 14.08.2020, ÀS 16H53

A julgar pela produção brasileira da Netflix, os nossos conflitos de classe já estão entrando numa nova chave distópica sem muita esperança de trânsito, de consciência ou de mudança. Primeiro 3% e agora Boca a Boca adaptam à geração Z as narrativas de survival horror, meio Battle Royale, para dar conta do nosso mal-estar com as promessas frustradas do Brasil do futuro.

A variedade de sotaques em Boca a Boca não permite nem pretende cravar um ponto no mapa, mas a cidade fictícia de Progresso provavelmente fica no coração do agronegócio, no Centro-Oeste do país, onde estudantes do colegial local aos poucos adoecem depois de uma pegação geral numa rave clandestina. A promiscuidade só serve de pretexto para a trama andar, e o que interessa à primeira temporada é traçar o panorama social que, claustrofobicamente, faz perpetuar a estagnação de classes e aumentar o fosso entre o mundo dos adultos e o universo dos mais novos.  

O diretor Esmir Filho e a roteirista e diretora Juliana Rojas são os dois nomes que chamam atenção por trás de Boca a Boca, e eles entregam o que deles se espera. Conhecido pelos dramas jovens estilizados, Esmir Filho dá a identidade visual da série, cuja languidez rural logo remete ao seu primeiro longa, Os Famosos e os Duendes da Morte. Os episódios com Rojas injetam mais energia de cinema de gênero em Boca a Boca, particularmente o horror que é a especialidade da diretora de As Boas Maneiras.

São estilos opostos, de certa forma, mas a apatia embelezada de Esmir e as fricções de pesadelo e paranoia de Rojas encontram um meio termo para a série na medida em que Boca a Boca toma um terceiro nome como guia: seja nas cenas de nudez e sexo, seja na distopia à brasileira, é Gabriel Mascaro o referencial aqui. As dinâmicas de classe e o discurso político lembram seus documentários de pretensão sociológica, como Doméstica; a plasticidade dos corpos apolíneos e a própria relação crítica com o universo rural remetem a Boi Neon.

Boca a Boca se posiciona, portanto, numa contemporaneidade do audiovisual brasileiro (a própria trama sobre epidemias e o caráter totêmico do agronegócio são obviamente bem atuais), e nesse sentido parece menos formulaica do que 3%. Ainda assim, a série segue uma receita muito clara da produção “de prestígio” indie, à qual Esmir Filho se filia desde o início da sua carreira. Essa receita enche os olhos (os neons na luz negra, as simetrias de cenografia, os close-ups desfocados) e com frequência a série se acomoda nela.

No geral, porém, a temporada se marca pelas ideias contundentes de construção de universo distópico e paranoico. A narrativa não é um primor, muitas escolhas reforçam preconceitos de classe (como o núcleo negro de Fran e Dalva ser tratado como protagonista no começo e depois se relegar a espectador da própria jornada), e na reta final a série pesa a mão nas causalidades para amarrar as pontas da trama. Ainda assim é um começo que gera interesse: o gancho para o ano dois parece esticar uma corda narrativa que já está tensionada no limite, e no melhor estilo Batalha Real vai ser curioso acompanhar como Boca a Boca se salvará dessa.

 

Nota do Crítico
Bom

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