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Rock´n´roll is here to stay

Rock´n´roll is here to stay

14.03.2003, às 00H00.
Atualizada em 11.08.2017, ÀS 05H22

Ele nasceu inglês. No ano de 1948. Londres ainda mantinha restos dos bombardeios nazistas. Seu pai havia sido soldado da RAF, prestando serviço na própria Albion. A mãe, uma inglesinha típica, só queria saber do que se passava do outro lado do Atlântico. Era uma mulher de uma família de longos anos de trabalho junto à nobreza britânica. Como todo o resto de sua família, falava com nostalgia do esfacelamento do Império Britânico. Uma costumeira assunção do desejo dos nobres por seus serviçais. Uma maneira de se dizer alma gêmea, que impressionava as amigas quando comiam jacked potato ou baked beans nos restaurantes londrinos.

No entanto, o que mais gostava de falar era a respeito de que os ingleses NUNCA deveriam facilitar a independência do grande país americano. A mãe dizia que o grande país era a verdadeira Bretanha.

Esta mãe explicaria o futuro de Tony?

Enfim, em 1948, Tony vinha ao mundo.

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Truvid
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Nada de muito extraordinário aconteceu em sua infância. Uma cachumba ali, uma gripe aqui. Estudos, gosto por football (sua mãe dizia: soccer, my son, SOCCER!!!!) e tranqüilidade. Costumava brincar na rua, passeava com os amigos no Hyde Park, improvisava traves para jogar bola. De vez em quando, parava para escutar um tal de Elvis Presley que sua mãe dizia amar. Achava esquisito que o pai, ao ouvir tal declaração, ria e fazia um gesto significativo de ‘bobagem’. Tony indagava-se a razão do pai não se irritar por esta declaração de amor por outro homem. Um dia, soube que Elvis era o Rei do Rock’n roll e que vivia lá onde sua mãe dizia ser ‘a verdadeira Bretanha’. E foi Tony quem a acompanhou na apresentação que Jerry Lee Lewis fez em Londres. A mãe, orgulhosamente, comentava que ‘o Elvis estava no exército e por isso não veio a Londres’. Explicava assim a sua decepção por assistir ao Lewis e não a Presley.

Tony gostou do que viu. Gostou do ritmo, gostou do corpo das moças balançando, os seios loucos para caírem fora das roupas. Aquele show influenciou sua vida.

E não se passaram muitos anos para que Elvis e Jerry perdessem prestígio e um novo rock surgir. Curioso: rock feito por britânicos em Manchester, Liverpool, Londres, Dublin. Tony estava, então, com uns doze anos. E era um garoto interessante. Lia jornais, comentava sobre o Vietnã, preocupava-se com a política e dizia que seria socialista do Labour Party. Seu pai gostava de ver o filho com esta perspectiva. Sua mãe escandalizava-se: onde já se viu um trabalhista tão perto da nobreza, pensava.

Um dia, ligou o rádio e ouviu uma voz que já conhecia cantar when I’m drivin’ in my car / and that man comes on the radio / and he’s tellin’ me more and more / about some useless information / supposed to fire my imagination. Decidiu que seria guitarrista. Não houve grande obstáculo em sua família, desde que continuasse os estudos. Lembrou-se de que Mick Jagger havia sido um estudante de Economia e topou o acordo.

Tony muito se decepcionou.

Montou uma banda e propôs-se a acompanhar a evolução do rock. O disco dos Beatles, o Sgt Pepper’s, o som espacial’ do Pink Floyd, as experiências com o jazz e a erudição do Nice foram os exemplos da nova música.

Começou a trabalhar, continuou os estudos, transformou-se em um union man e tocava com sua banda. Ria muito da música dos Kinks, Get back in line, que falava de um rapaz que via o union man who decide if I live or die, if I starving or eat. Esta atribuição de poder iluminava a alma do jovem Tony. Mesmo assim, nada vencia o desejo de se tornar um astro do rock, a invenção norte-americana que havia tomado o mundo. No entanto, decepcionou-se. O máximo que sua banda conseguiu foi tocar na sede do sindicato. O pessoal gostou muito. Nem sua proximidade com os líderes locais do Labour Party abriu as portas para a gravação de um único compacto-simples. As respostas que recebia da produção musical, invariavelmente, repetia: ‘siga a carreira política’. Eles não sabiam o mal que estavam aprontando. Será que os ingleses já se esqueciam do pintor sem talento?

E Tony assim o fez. Do sindicato ao Labour Party e em uma eleição distrital foi feliz. Elegeu-se. Não se dava bem com os trotskistas do Labour, mas, pouco a pouco, ganhou a confiança do partido. Era tido como um bom articulador, as mulheres o achavam atraente e, vez ou outra, tocava sua guitarra nas reuniões do partido. Arrancava aplausos e pensamentos secretos: ‘ainda bem que desistiu da música’.

O sucesso veio na carreira partidária.

Alguns anos depois, após longo período de governo conservador, de Plutonium Blonde a Major, Tony e o Labour Party voltaram triunfantes à cena política. Voltaram com uma proposição sedutora. O mundo não mais dividido entre os comunistas e os ocidentais, sem o execrável Berlin Wall. Caminho aberto à globalização da economia capitalista. Movimento econômico que, já parecia, inapto à distribuição de renda. A proposição sedutora de Tony e companhia ficou conhecida como ‘terceira via’. Pregava a humanização da globalização. Schroeder, Jospin, FHC foram alguns dos entusiastas parceiros de Tony, ainda jovem, em prestigiar esta nova perspectiva.

Ninguém esperava e ninguém ficou sabendo.

Os britânicos são um povo místico. Há uma profundamente mística Grã-Bretanha. De Merlin à Wicka aos espíritos dos castelos e os espíritos dos druidas. Entre estes espíritos druídicos, alguns foram de ancestrais colaboracionistas com a invasão normanda.

Ninguém esperava e ninguém ficou sabendo.

A mãe de Tony havia sido cooptada por uma seita que construiu um evangelho que reunia os pergaminhos do Mar Morto, com evangelhos cristãos apócrifos, mais a doutrina de Kardec e a tradição feiticeira inglesa. Convidado a visitar a mãe (Tony também não esperava e de nada sabia), foi posto a dormir por uma poção do Alto-Sacerdote da seita. Sua mãe havia sido seduzida pelo discurso com o tom dos estudantes de Cambridge que professava o que ela, ainda mocinha, acalentava: a reconstrução da grande Albion, o Império onde o Sol nunca se punha. Somente o tom de Cambridge podia convencer aquela mulher da absurda proposição: transformar seu filho, agora primeiro-ministro da Grã-Bretanha, em um norte-americano!!!! Um cowboy disposto a invadir todos os cantos do mundo. Com o poder bélico americano ao lado da Bretanha, a grande Albion renasceria!!!!

Desacordado, Tony foi levado a um castelo medieval na fronteira com o País de Gales. O ritual transcorreu sem nenhuma interrupção. Ao final, morria Tony Blair, o político que defendia causas nobres, o sonhador que defendia melhor distribuição dos rendimentos globalizados, o jovem que gostava de rock e se emocionava com a versão de Come away, Melinda pelo Uriah Heep. Toda vez que a ouvia, lá em 1970, esta música renovava a paz em seu espírito. Este foi o Tony que morreu.

Naquele dia, nasceu o cow-boy Tony BeLair. Parou de escutar o rock’n roll e agora só ouvia country. Entre os prediletos, uma banda clandestina que não identificava os músicos em seus discos e cantava em prol da segregação racial. Lembrava a decepção dos sulistas na Guerra Civil: a banda se chamava Johnny Rebel.

Sua primeira providência ao voltar a Downing Street: Ataquemos o Iraque!!!! Nada mais ameaçará o Império.

(QUALQUER SEMELHANÇA COM PERSONAGENS, REAIS OU FICTÍCIOS, É UMA LAMENTÁVEL COINCIDÊNCIA).

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