Música

Artigo

Paredes de Coura 2007

Sonic Youth, New York Dolls, Dinosaur Jr. e CSS no maior festival de Portugal

27.08.2007, às 00H50.
Atualizada em 07.11.2016, ÀS 02H03

7 da manhã. Levantar, terminar de arrumar a mala, pegar o metrô até a estação de Sete Rios, embarcar no trem que vai até Corroios, do outro lado do rio Tejo, e lá encontrar a minha carona até Paredes de Coura. Parar para pegar a prima da namorada do motorista, atravessar novamente o rio e chegar novamente à estação de Sete Rios para pegar a amiga do amigo do motorista. Problemas de comunicação. Depois de 7 horas a atravessar o país num carro movido a Daydream Nation, hair metal fuleiro e música brega portuguesa (música pimba), finalmente mergulhamos na paisagem esmeralda do interior.

Chegando um dia antes do início do festival ainda foi possível aproveitar o fim das festas populares de Paredes de Coura. Famílias residentes na vila e arredores se juntam para ver os grupos folclóricos que animam as ruas, juntamente com os primeiros indícios da invasão pacífica que todos os anos adentra a vila à procura de música e tudo que envolve o festival com o nome da cidade.

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Fotos: Rita Martins

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Com tanto tempo em mãos, a oportunidade para descobrir o melhor que a vila tem a oferecer não pode ser desperdiçada. Mistos quentes deliciosos e cerveja a 60 centavos é o que minha experiência pessoal indica.

Dançar Ivete Sangalo acompanhado por fãs de Sonic Youth não acontece todos os dias. Muito menos ver duas fãs de Cramps levantando poeira. No show da festa popular, depois de uma cerveja ou duas - e com muita vontade de aproveitar a noite - , tudo é possível e tudo vale a pena.

1º dia

A banda escolhida para iniciar a enchente de som em Paredes de Coura foi os Portugueses Sizo. O rock sem educação e simplista da banda agradou à massa humana que se misturava com os raios de luz vindos dos quiosques da Heineken, tal qual o poder emanado pelo anel de um Lanterna Verde na escuridão do espaço. Depois de muito tempo tentando tirar as vespas que insistentemente picavam os meus tímpanos, percebi que afinal aquele estalido insuportável vinha do palco. Do começo ao fim do show os problemas de som que perturbaram banda e público estavam, infelizmente, sempre presentes.

Conhecido pela sua participação na trilha sonora do mega sucesso indie Pequena Miss Sunshine, o Devotchka vai muito além do que é mostrado no filme. Não sendo exatamente o "Gogol Bordello que deu certo", Nick Urata e companhia conseguiram alcançar uma versão sofisticada do que o punk cigano é. Com apenas quatro integrantes em palco, os instrumentos utilizados passam pelo contra-baixo, trompete, violino e acordeão e vão até os mais excêntricos, como o Sousafone, o Bouzouki e o Theremin. Com a ajuda destes elementos, a banda conseguiu alcançar um concerto com o ritmo da música cigana e a força do rock mais alternativo, levando o público a ser tomado pela energia gerada e pular ao som de uma versão da "Venus in Furs" tocada sob estas diretrizes, que parecem carregar com elas uma frequência mágica que transforma qualquer música em um sucesso entre o público festivaleiro.

2º dia

O calor ainda se fazia sentir no fim da tarde mas começou a diminuir quando o New Young Pony Club entrou em palco com o seu revivalismo dos anos 80. A lembrar uma Cindy Lauper em speed (ok, com uma dose extra de speed) perdida no tempo, como um junkie que esqueceu o caminho de volta para sua casa, ou para a casa do seu drug dealer… Ou seja, pode parecer engraçado no começo, e até diverte, mas no fim do dia não é nada indispensável.

Formado a partir de tecido removido do cadáver do At the Drive-In, Sparta tem pernas para andar, mas não tem a menor possibilidade de alçar vôos, muito menos para imaginar como seria uma vida em Marte. Cruzando caminhos já muito conhecidos, a banda começou com "Untreatable Disease" e terminou com "Air", mas não foi parar a lado algum.

A banda Mando Diao cancelou o show por motivo de doença do vocalista, sendo uma lamentável perda para o festival.

Os Blasted Mechanism clamam vir de além-marte, dos confins do espaço. Uma tese de mestrado ambulante que defende que a world music, afinal, vem de outros planetas e não do nosso. Os Power Rangers portugueses se integraram mais uma vez a Paredes de Coura num concerto que apesar de não ter superado os abalos sísmicos criados por seus megazords em 2003 ainda teve grandes momentos de histeria tribal, regidos pelos verdadeiros xamãs modernos presentes na banda.

M.I.A. lançou napalm no público. Enquanto alguns queimavam em prazer, a maioria dos presentes parecia não ter fogo o suficiente para deixar de ser uma massa amorfa, indiferente à artilharia pesada da moça, disfarçada como Cleópatra com uma peruca roxa e colãs brilhantes. Entre músicas conhecidas como "Bucky Done Gun" e "Sunshowers" e faixas do novo álbum, Kala, como "bird flu" e "Boyz", Mathangi sustentou somente com a ajuda de um Dj e de outra cantora um concerto pleno de energia do princípio ao fim. Não bastando ter escalado a estrutura metálica das luzes e preenchido o enorme palco com suas coreografias, não bastando ter lançado aquela bomba surpreendentemente refrescante para os inocentes espectadores, a própria Cleópatra ofereceu seu corpo ao veneno do público durante um breve momento de crowdsurfing que destroçou todas as afirmações de que ela teria sido mal escalada para o festival.

Será que ele vai chegar? Será que ele vai tocar? Será que ele vai cair? Será que ele vai dançar mambo? Pois Pete Doherty chegou, tocou, não caiu por pouco e estava com uma carinha de quem dançaria mambo se soubesse como!

Com um paletó e um chapéu preto (mais no estilo "John Lennon" e menos no estilo "pequeno demais para a minha cabeça") o junkie mais querido da última década provocou os fãs de Libertines com músicas como "Time for heroes", "What Katie Did" e "Can't Stand Me Now", que encerrou o show, enquanto dava a conhecer músicas menos reconhecíveis de seu repertório solo e com o Babyshambles, que não contava com a presença do seu guitarrista, que não tinha autorização para sair da Inglaterra.

Tirando o crack, as fofocas, a heroína, a namorada modelo multi-milionária e as pinturas feitas com sangue, tudo que resta é um homem da música talhado como nenhum outro da atualidade, um dos poucos "rock stars" genuínos desta geração. Coloque todo o crack, a heroína, a namorada multi-milionária e as pinturas feitas com sangue outra vez e o resultado é exatamente o mesmo.

3º dia

A manhã do dia 14 prometia chuva e o céu feito em cimento transformava os movimentos mais lentos e massilados, situação que só piorou até a hora dos concertos.

Apesar de um aparente esforço, e apesar de ter sim boas canções, a banda Spoon foi um fracasso na abertura da noite. Perante um dos concertos mais indiferentes do festival, foi difícil entender as altas expectativas que muitas pessoas tinham.

Pela segunda vez em menos de dois meses, os representantes do punk cigano Gogol Bordello voltaram a Portugal, e desta vez conseguiram a terrível tarefa de realizar um concerto excelente logo depois de um concerto completamente sem sal. Apesar de ser uma banda com potencial para realizar música mais elaborada e interessante do que a que faz atualmente, parte do segredo de seu sucesso está exatamente na simplicidade presente nas músicas, que graças ao seu ritmo apelam àquele sentimento de chamado tribal que todos nós temos enterrado na carne.

Eugene Hutz faz tudo. O papel de cigano bêbedo que representa está bem ensaiado e convence. Ele, por exemplo, se recusa a sair do palco e continua a improvisar acordes na guitarra, até quebrar uma corda ou duas e ai sim, depois de ainda tentar falar com seu violão sem obter resposta, pára de tocar e sai de palco, deixando para trás um público perplexo.

A música tem aquele build up da música eletrônica que acaba inevitavelmente num beat. A tensão começa a crescer e se acumula até chegar ao ponto de ruptura. Neste momento, o vocalista do Architecture in Helsinki, debruçado sobre seu sintetizador lembrando Dr. Frankenstein, chega ao limite e profere em plenos pulmões "Que se foda!". BEAT!

O desempenho que se seguiu não decepcionou e manteve o calor criado pelos Gogol Bordello em uma noite cada vez mais fria, graças ao esforço em palco e as músicas descontraídas e otimistas da banda.

Filhos dos Happy Mondays e primos dos The Rapture, a mistura de funk, disco e rock dos Architecture in Helsinki foi uma boa surpresa que deixou os sentidos aguçados para o que vinha a seguir.

Grande pilar da música alternativa portuguesa, Adolfo Luxúria Canibal é o líder do Mão Morta. Nem todas estas palavras fortes como "Luxúria", "Canibal", e até o nome da banda, "Mão Morta", nem todo o ambiente urbano depressivo que envolve a música foi o suficiente para impedir o Sr. Luxúria Canibal de ir para o show com a mesma roupa que deve ter usado para ir à praia no fim de semana passado. Com um calção bege e uma regata laranja, Adolfo comandou um show com alinhamento perfeito e chocou ao dizer que estava pronto para se despedir do rock, despertando rumores que o fim da banda estaria próximo.

Múmias sorridentes, embalsamadas em whisky e polvilhadas com coca. O New York Dolls já começava em desvantagem contra a chuva e o frio, que a esta altura já causavam mais que um simples incômodo. E se logo no começo as condições já eram más, elas só viriam a piorar durante o concerto. Na primeira música, os problemas com o som já eram evidentes, a voz era cortada segundo sim, segundo não, sem contar que o próprio vocalista, apesar de toda a energia, já perdeu muito do poder que tinha em sua voz, problema evidenciado durante uma versão da música "Piece of My Heart", de Janis Joplin.

Muito graças ao frio, ao cansaço que já se abatia sobre os festivaleiros e a péssima qualidade de som, o concerto começou a se arrastar apesar das primeiras fileiras continuarem a mostrar vida. A banda puxava insistentemente, e com a melhor das intenções, um público que ficou com a perna presa em uma armadilha para ursos, mas que depois de muito tempo tentando escapar só conseguiu ficar com uma perna dilacerada e com a vontade de que tudo acabasse o mais rápido o possível.

Os dinossauros chegaram ao meio da madrugada, indiferentes a tudo o que estava contra eles. Perante uma legião de resistentes que esperaram até as duas da manhã no único dia de chuva do festival, Dinosaur Jr. não decepcionou.

Mascis possui uma sensibilidade semelhante à de Daniel Johnston e com uma técnica de colocar inveja a qualquer banda alternativa da atualidade e não só. Cidades foram tecidas com fios de som, e conforme o público era compelido a explorar cada porta Mascis e companhia davam a conhecer a história por trás de cada uma delas. Era impossível não se deixar impressionar pelas teias lançadas por Mascis e pelo ânimo exalado por Lou Barlow, deixando claro que a posição de headliner era mais que merecida. A descarga de energia liberada pela banda foi exatamente o que o público que ainda se encontrava no local precisava para recarregar as baterias e se preparar para o próximo dia, torcendo para não acordar com o som da chuva caindo na barraca.

4º dia

Nascidos e criados no hardcore, os integrantes da banda portuguesa Linda Martini fugiram da casa dos pais e tomaram um rumo que permitiria a eles a criação de uma sonoridade distinta, que segue basicamente o mesmo modus operandi do Mogwai, mas com os laivos de violência característicos de uma infância abusiva. Enquanto as letras são colocadas em carácter secundário e a sólida parede instrumental assume o papel principal, as músicas são extremamente bem conseguidas, mas em sua grande maioria elas representam um equilíbrio quase perfeito entre estes dois fatores, como por exemplo na música "Dá-me a Tua Melhor Faca" e no hit "Amor Combate", que foi entoado em uníssono, como já é costume, pela maior e mais entusiasta concentração de pessoas que se reuniu para ver a primeira banda do dia tocar. Capazes de abrir o palco para Sonic Youth e merecedores de muito mais, a presença da banda portuguesa que mais combina com Paredes de Coura seria muito bem vinda em futuras edições do festival, quiçá com um melhor posicionamento do line-up.

A grande surpresa do festival, a banda inglesa Electrelane, é puro prazer auditivo. Ao contrário da maior parte das bandas que atualmente faz sucesso entre a camada indie, as meninas da banda escapam do pop rock mais fácil e mostram que sabem realmente o que fazer com os seus respectivos instrumentos. O turbilhão sônico gerado pelas músicas instrumentais da banda é arrasador.

No início mal se notava a sua presença, mas conforme o concerto decorria se tornou impossível não reparar naquela guitarrista que fazia sair faíscas de sua SG. Começou de forma inocente, mas em um piscar de olhos as faíscas se transformaram em chamas que não atacavam seu corpo, eram emanadas por ele e consumiam tudo à sua volta com uma voracidade violenta. Electrelane queimou e deixou marcas profundas.

Pouco há para dizer sobre a performance das bandas Sunshine Underground e Peter, Bjorn & John. Entram naquela categoria desagradável em que definitivamente não dá para falar bem, mas que não têm se quer pontos distintos para se falar mal.

Sunshine Underground tenta fazer o que o Architecture in Helsinki faz, mas sem grande sucesso. Não incomoda e até faz bater o pé, mas não passa disso.

Peter, Bjorn & John, uma banda que existe há cerca de 8 anos, só tem uma música conhecida e graças à campanha de uma companhia celular, "a música do assobio". Bem, Peter, Bjorn & John mostraram que a única coisa que eles têm a oferecer ao mundo é mesmo a música do assobio e pouco mais de meia dúzia de canções pop sem grande interesse.

Cansei de Ser Sexy é o maior caso de sucesso internacional alcançado por uma banda brasileira nos últimos tempos. Apesar de não ser difícil perceber o motivo e até sentir algum orgulho, o desgosto ao pensar quanta coisa que poderia ser descoberta pelos gringos e permanece no limbo é inevitável.

Em uma entrevista para a televisão portuguesa, Eugene Hutz (Gogol Bordello) questionou o princípio de existirem bandas que se apoiam simplesmente em sua performance colocando a música em segundo plano, e é exatamente isso que acontece com as meninas (e o menino) do CSS.

Armada com todos os tiques à la Karen O, Lovefoxx fez a festa do revival electroclash low budget. Algo que na teoria já não soa bem ao ser transformado em som fica ainda pior. Não dá para negar que elas se esforçam pelo menos um pouquinho, mas com a parte mais importante de qualquer concerto, a música, sendo fraca, todos os esforços não poderiam surtir grande resultado. E elas se esforçaram! Elogiaram o vinho do porto, elogiaram o bacalhau, cantaram "É uma casa portuguesa com certeza…" e tudo, mas ainda assim não foi o suficiente.

Paredes de Coura 2007 era o festival de Sonic Youth antes mesmo de começar. Com todos em palco já a rondar as 5 décadas de existência, a energia transmitida somente pela execução das músicas, sem grandes firulas, superou qualquer efeito especial.

A única coisa que poderia dar errado em um show do Sonic Youth, que desta vez contava com a presença do baixista da banda Pavement, Mark Ibold, aconteceu. Com tantas músicas em seu repertório (a banda já tem mais de 20 álbuns, seguramente mais de 40 contando singles e compilações) é impossível tocar todas as músicas que um fã gostaria de ouvir. O concerto foi baseado principalmente no novo álbum, Rather Ripped, deixando de fora álbuns excelentes como o Sonic Nurse e o Murray Street.

Kim Gordon uiva para a noite com a confiança de quem já não tem nada a temer, de quem já conhece todos seus perigos e sabe que pode contar com eles como bons amigos. Cantou a maior parte das músicas rodopiando pelo palco em estado de transe, jogando jovialidade na cara das CSS, que assistiam ao concerto ao lado do palco, enquanto protagonizava um dos momentos altos do show com "Bull in the Heather".

Já no segundo bis encerraram o show sem força, deixando para trás muitas músicas que deveriam ser tocadas e abandonando o costume de tocar um álbum do princípio ao fim. O que eles poderiam ter feito de melhor? Tocado durante três horinhas ou quatro, já era o suficiente! O entrelaçar de guitarras e baixo (neste caso, baixos) único que só o Sonic Youth consegue criar, apoiado por um baterista sólido, se desfez rápido demais para um público que ficou sedento por mais, mas extasiado pelo que tiveram a oportunidade de presenciar.

Paredes de Coura 2007 foi um festival que, assim como o concerto do Sonic Youth, passou rápido demais mas deixou momentos memoráveis. Vagalumes que brilham 24 horas por dia, grilos falantes, cães que gostam de beber licor e ver futebol. Uma parte importante da fauna de Paredes de Coura que ajuda a mistificar ainda mais o melhor festival de Portugal.

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