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London Arena

London Arena

18.08.2004, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H16

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Tudo o que é sólido desmancha no ar

Prólogo

O título principal da coluna já estava escolhido. Nele, lia-se: "O Bizz da Bizz". Mas aí pensei bem e cheguei à seguinte conclusão: se é para a London Arena sair das trevas e dar uma nova espiada nas cores do mundo pop, tem que ser de outra maneira, tem que ser com estilo e não com essa brincadeira boba com o significado do nome de uma revista de música. Ainda por cima defunta.

Foi aí que tudo complicou. Precisava achar algo com impacto. Ou que tivesse, como dizem aqui na Inglaterra, de onde essas linhas estão sendo produzidas, punch.

Fiquei me revirando à noite, entre o colchão e o edredom, à espera da inspiração. Tinha medo de decepcionar logo no começo, nas primeiras linhas de uma nova London Arena. Respirei fundo, olhei ao meu redor e dei de cara com o livro: Tudo o que é sólido desmancha no ar, de Marshall Berman.

Pode parecer que não tem nada a ver, ou que, como disse acima, eu estava apenas à procura de uma frase estilosa.

De qualquer maneira, agora que estou contente com o título, podemos prosseguir.

Enfim, o começo (ou "O começo de um novo fim")

Era uma vez uma revista de música, que surgiu em 1985 para coroar o bom momento que o pop-rock vivia no Brasil. Em pouco mais de 15 anos de vida, a publicação batizada de Bizz (mesmo tendo acrescentado o prefixo Show ao nome original durante parte de sua história) parece ter deixado órfãos por todos os cantos do Brasil.

Digo isso pois a intensa movimentação na comunidade em homenagem à revista no Orkut me deixou pasmo. Centenas de leitores/fãs e alguns jornalistas que passaram pela equipe da revista vêm perdendo horas discutindo os trunfos e as bolas foras da história da publicação em posts enormes, carregados de paixão e cólera.

No pouco que acompanhei, percebi um forte coro pela volta da publicação às bancas, com raras vozes dissonantes. Até um insider, empregado da Abril, editora que deu à luz a revista, disse, em caixa alta, que "a Bizz vai voltar, sim senhor".

Antes dos senhores de calça jeans e camisa pólo sentarem em algum andar alto sobre à margem do Rio Pinheiros, em São Paulo, para discutir que rumo editorial uma Bizz 2004 deveria seguir para conquistar um novo público e reaver o antigo, peço a palavra e chamo a atenção para um fato:

A crise das revistas de música na Inglaterra

Logo após os primeiros passos da London Arena, no final de 2001, o mercado editorial britânico estava fervendo. Com a ajuda do pessoal do Novo Rock, a molecada queria saber mais sobre qualquer banda que começasse com "The" ou que fosse listada entre as favoritas de Julian Casablancas e Jack White em alguma entrevista.

As editoras daqui perceberam o fenômeno e logo começaram a soltar novas publicações nas bancas. Em uma tacada só, nasceram Bang, Word e X-Ray, para fazer companhia às velhas de guerra NME, Q, Kerrang, Uncut e Mojo. Comemorei a chegada dos títulos frescos nesse espaço e em várias edições a London Arena sorteou um exemplar aos leitores.

O tempo passou e o interesse da molecada também. Desde o começo do ano, tanto a Bang quanto a X-Ray deixaram de existir. (Claro que certas decisões editoriais, como dar capa para Hot Hot Heat e Polyphonic Spree, caso da Bang, ou para Super Furry Animals, caso da X-Ray, contribuíram para este fim).

Mas não é só isso. A Q, um dos pilares das publicações especializadas em música no mundo inteiro, também vem enfrentando dificuldades. Em dois anos, sua tiragem caiu 20%. Hoje em dia, pouco mais de 160 mil pessoas levam um exemplar pra casa a cada mês. Comparado com a média de 350 mil vendidos durante boa parte da década de 1990, a crise é evidente.

É por isso que a Emap, editora da Q, acaba de dar uma grande reformulada na revista. Quem pegar a edição de setembro vai se surpreender com as mudanças. Parte do conteúdo continua como antes, bastante interessante para quem gosta de ler no banheiro.

Mas duas chamadas de capa dão a dica para o que andou revolucionando o mundo da música e, como acreditam alguns, inclusive este escriba, causando tanta baixas no mercado jornalístico e musical. Elas são: "As 1010 músicas que você precisa ter!" e "Do Napster até iPOD, tudo o que você precisa saber sobre download".

"As pessoas trocaram seus vinis por CDs e nós acreditamos que essa troca está para acontecer mais uma vez, de CDs para arquivos digitais", justifica Paul Rees, atual editor da revista. "Nós somos a geração iPOD". Por isso a escolha do título principal da capa. 1010 música é a capacidade de um mini iPOD, o player portátil de arquivos digitais da Apple.

Para ajudá-lo a convencer seus leitores quanto à nova linha editorial da Q, Paul vai contar com a ajuda de uma campanha publicitária no valor de aproximadamente 3 milhões de reais, com propaganda na TV e anúncios em sites especializados em música digital.

A volta da Bizz provavelmente não vai contar com um investimento tão grande em publicidade. Tudo bem, isso já era de se esperar. Mas se o novo time editorial fechar os olhos para o caos que a revolução digital está provocando, a volta está seriamente comprometida.

Sim, vai irritar seus leitores antigos e fiéis escudeiros. Mas esses provavelmente serão enterrados com seus velhos vinis e coleções de CDs imaculadas. O alvo principal não são eles, mas sim a nova geração, interessada na evolução contínua das coisas. E para eles, o que menos importa é a maneira em que uma música está embalada, seja na forma de CD ou na de um arquivo eletrônico, pronto para se desmanchar no ar.

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London Xpress :: notas rápidas, não tão curtas, mas metidas

The Rakes

  • Não tô aqui pra ficar ditando o que você precisa escutar em seguida, mas esse quarteto londrino, novíssimo em folha, merece algumas linhas preciosas da coluna. Não só pela bacana música "22 Grand Job", mas também por terem assinado contrato para um novo compacto com a 679, gravadora do esperto Mike Skinner, aka The Streets...

Conheci os caras porque uma amiga brasileira está namorando o baixista do grupo, o simpático Jamie Horn-Smith. O romance surgiu na época em que o The Rakes abria para o pessoal do Wry, aventureiros de Sorocaba (SP) que estão em Londres há exatos três anos na batalha pelo seu lugar no circuito musical britânico.

Os Rakes vêm ganhando destaque na NME (foram eleitos como "single da semana") e recentemente saíram na Dazed And Confused, que definiu o som como uma mistura de The Jam com Franz Ferdinand. Mas tem gente falando que é um "The Office punk", o que deve ser uma coisa boa.

O show é bacana, algumas músicas também. E o melhor: o baixista se espremeu em um bar em Camden (norte de Londres) para torcer para o Brasil na partida contra a Argentina, na final da Copa América. O site oficial é www.therakes.co.uk, mas não tem áudio disponível.

E por falar em The Streets

  • Fazia tempo que eu não escutava algo tão bacana quanto A Grand Dont Come for Free, o conceitual novo álbum de Mike Skinner. Mas a dica não serve para quem não costuma acompanhar as letras em inglês além do refrão. O mais interessante no The Streets é a maneira precisa com que Skinner escolhe as palavras quando compõe. O cara é um dos poucos que saber transmitir de maneira inteligente as mudanças que a Inglaterra está passando sem cair no clichê ou soar bobo.

Quer um exemplo? Em "Blinded by the Lights" ele conta a história de um inglês que vai a um club e toma dois ecstasys. Quando o corpo começa a sentir o efeito da droga, a música muda de ritmo. O protagonista não encontra seus amigos na balada e começa a ficar paranóico, mandando mensagens através do celular. Skinner relata a cena assim:

"Hate coming to the entrance, just to get bars on my phone,
You have no new messages, so why havent they phoned?
Menu, write message, so where are you and Simone?
Send message, Dans number, whereve they gone?"


Deu pra entender?

Kurt Cobain, quem?

  • Eu já tinha me esquecido do Nirvana, mas a MTV UK me fez lembrar deles. Foram bons e longos meses sem escutar sequer um riff do Nevermind. Uma beleza só.

Mas aí fui passar uns dias em uma casa com TV digital (porque aqui na Inglaterra a MTV é só para quem paga a graninha extra todo mês) e tudo mudou.

A programação atual está infestada de anos 1990. Vídeos da época estigmatizada como Grunge passeiam livremente ao lado de clipes modernos como "Michael", do Franz Ferdinand, e "Nowhere Man", do Secret Machines.

O bom lado disso é que outro dia revi "Smells Like Nirvana", um dos melhores clipes de Weird Al Yankovic.

Tanto tempo pra isso?

  • Novo álbum do Prodigy. Eu avisei...

Razzle Dazzle

  • Faz tempo que prometo a uma amiga londrina que serei sua companhia quando ela for assistir ao musical Chicago, que ganhou versão para as telonas em 2002 com a galesa enxuta e de nome bacana Catherine Zeta-Jones. Mas sempre arrumo uma desculpa para me esquivar do compromisso.

Mas agora estou pensando seriamente em torrar logo as 30 libras (cerca de 160 reais) para conferir de perto as longas pernas cantarolarem "Razzle Dazzle".

Fui convencido pela minha amiga? Que nada! É que acaba de se juntar à trupe um dos maiores canastrões de todos os tempos, David Hasselhoff, aquele que na série Supermáquina se virava para o relógio e dizia "KITT, KITT, onde está você?". Não dá para perder essa...

Você começa a desconfiar do mundo quando...

... o McDonald´s usa personagens que parecem que saíram dos sofás do Café Central Perk para estrelar em suas propagandas. E as imagens de alfaces e tomates fresquinhos se sobrepõe à dos atores, que afirmam que com o novo menu, que inclui saladas e um sanduíche vegetariano, eles dão sempre um pulo no McDonald´s. Sei...

... as pessoas começam a pagar nove libras por mês para assinar o Napster e fazer o download de quantas faixas quiser. Só um detalhe: as músicas se auto-destruem em alguns dias.

... um detento britânico, preso por estupro em 1983, ganha 7 milhões de libras jogando na loteria britânica.

... um bando de malucos do País de Gales se veste de rapper, escolhe o absurdo nome de Goldie Lookin Chain para batizar o grupo, abre os shows do Super Furry Animals e lança um single com uma música chamada "Guns Don´t Kill People, Rappers Do". E este colunista adora. O site oficial www.youknowsit.co.uk tem até um joguinho bacana em que você tem que "enrolar um" mais rápido do que um dos rappers e ainda dá para ver o ótimo vídeo da canção supracitada. Demorô.

... o presidente da maior potência mundial declara: "Nosso inimigos são inovadores e bem equipados. Nós também. Eles nunca param de pensar em novas maneiras de destruir nosso país. Nós também".

... a normalmente bem informada Uncut dá quatro estrelas para o novo álbum de Bebel Gilberto ("Tão doce e gostoso quanto uma lânguida tarde de verão em Copacabana", escreveu Nigel Williamson. Justo ele!) e para um dos filmes mais fracos da história recente do cinema brasileiro, Carandiru ("Não tem como não se sensibilizar com as histórias dos detentos", afirmou Michael Bonner).

E por falar em Bebel Gilberto (ou, "momento auto-promoção")

A chanteuse internacional da bossa-nova trocou umas palavras com este colunista em entrevista para a revista que edito na Inglaterra, a JungleDrums. Meio irritada com a pergunta que chamava sua música de chill out, "trilha sonora, como se ela tocasse ao fundo sem influenciar o ambiente", Bebel retrucou: "Se as pessoas querem ouvir minha música no banheiro ou transando, a escolha é delas. Contanto que comprem o disco, pra mim está tudo ótimo".

Para ler a entrevista completa, é só clicar aqui.

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Promoção "Tudo o que é sólido entra na capa da NME"

Pois é, tudo o que é sólido: bandas novas e CDs. Uma edição no começo de agosto, com o Ian Brown falando sobre a possível volta dos Stones Roses (banda que seria melhor se a deixassem como está, desmanchada no ar) vem com um CD excelente compilado pelo pessoal da gravadora Domino - casa de artistas como Franz Ferdinand, Clinic e os novatos do Sons and Daughters.

Só por "Range Life", uma das pérolas do Pavement, e por "The Ballad of Big Nothing", do falecido Elliot Smith, já vale o esforço de seguir as instruções abaixo.

Para participar, é só mandar um e-mail com o assunto "Eu quero Dominó!" e com o seu endereço completo para o e-mail jzappia@omelete.com.br. E boa sorte!

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Nome da coluna

London Arena era um casa de shows na área de Docklands, em Londres. Era também um espaço mensal dentro do Omelete para este escriba festejar os três minutos de alguma obra pop, resmungar da vida, comentar sobre o nada e sortear alguma coisa bacana para alguém no meio do Brasil. Bons tempos...

Juliano Zappia

Ps: Enquanto escrevia, este colunista descobriu que nas excelentes histórias originais do Sherlock Holmes, escritas por Arthur Conan Doyle, o detetive não disse nem uma vez: "Elementar, meu Caro Watson". A famosa expressão saiu direto dos seriados de televisão para o imaginário popular. Quem diria...

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