O ano de 2025 começou com investidas políticas na indústria do funk. Em fevereiro, foram aprovados projetos de lei para restringir o público e o alcance das músicas conhecidas como “proibidões”. Com o trapper Oruam no centro do debate devido a músicas que, aos olhos dos legisladores, possuem teor sexual e fazem, muitas vezes, apologia ao crime organizado. Como essa discussão surgiu e por que Oruam está no olho do furacão?
Apesar de focar no músico carioca, a conversa nasceu em São Paulo, quando a vereadora da capital paulista Amanda Vettorazzo (União Brasil) protocolou um projeto para proibir a prefeitura da cidade de contratar cantores que fizessem apologia ao crime. Nas redes sociais, Vettorazzo divulgou seu projeto dizendo “quero proibir o Oruam de fazer shows na cidade de São Paulo”. Ela segue dizendo que “chega de cantores de funk e rap fazendo apologia explícita ao crime organizado”.
No vídeo, que acumula mais de 3 milhões de visualizações, ela afirma que o cantor ficou famoso devido a esses discursos e que a prefeitura de São Paulo não pode utilizar recursos públicos para contratar artistas que promovam tais ideias. O foco da vereadora paulistana em Oruam, porém, tem relação ao parentesco do funkeiro, preso na semana passada após dar um “cavalo-de-pau” na frente de um carro da PM carioca. Ele pagou fiança de R$ 60 mil e foi liberado. Oruam foi preso novamente nesta quarta-feira (26) por, segundo a polícia, abrigar um fugitivo em sua casa, no Rio.
Quem é Oruam?
Oruam, ou Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, é filho de Márcio dos Santos Nepomuceno, mais conhecido como Marcinho VP, apontado como o líder da facção criminosa Comando Vermelho. Por mais de uma vez, como no sucesso “Filho do Dono”, o rapper cantou músicas sobre o pai, além de já ter vestido camisetas com o rosto de Marcinho em shows e ter pedido publicamente a liberdade dele.
A repercussão do projeto da vereadora paulistana rapidamente atingiu outras capitais, como Goiânia, Campo Grande e Rio de Janeiro, cidade natal de Oruam. Na capital fluminense, por exemplo, o texto da lei pede que fique “proibida à Administração Pública Municipal, direta ou indiretamente, a contratar shows, artistas e eventos abertos ao público infanto-juvenil, que envolvam, no decorrer da apresentação, expressão de apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas”.
Não fica claro no texto o limite entre descrição do contexto social vivido pelo artista e a exaltação às práticas criminosas. Em Salvador, uma lei bem parecida vigora desde 2019. Há cerca de seis anos, é proibido ao poder público a contratação e/ou patrocínio direto, ou indireto, de artistas que façam apologia ao crime organizado ou à violência contra a mulher.
Em resposta às polêmicas, Oruam lançou, no dia 21 de fevereiro, uma música e um videoclipe chamado “Lei Anti Oruam”, onde cobra assistência do poder público nas favelas e responde sobre as músicas sobre o pai, Marcinho: “explica pra uma criança porque seu herói vive dentro das grades” [sic].
O que já diz a lei?
Entretanto, o esforço dos vários vereadores em emplacar seus projetos no calor do momento ignorou um fato importante: o Código Penal Brasileiro já trata dos temas abordados pelas “leis anti-Oruam”. No caso de incitação ao crime, o artigo 268 prevê detenção, de três a seis meses, ou multa para “quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”.
Já o artigo seguinte, o 287, diz que fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime tem como pena detenção, de três a seis meses, ou multa. Nos casos de preocupações envolvendo menores, seja nos de indução ao crime ou a corrupção destes, tanto o código penal quanto o ECA (Estado da Criança e do Adolescente) também possuem definições do que se considera crime e as penas para estes.
Para o advogado Anderson do Patrocínio, a proposta de lei “é um oportunismo performático de um setor conservador que pretende interferir na contratação de certos artistas pelos entes públicos, sob a justificativa de que estes artistas -- entre os quais Oruam -- fazem apologia ao crime”. Ele explica que a questão não é simples e precisa ser avaliada sob diversas perspectivas. “Qualquer debate sério sobre este tema deve considerar que a redução da criminalidade se dá com emprego, educação, lazer, saúde e acesso ao consumo de cultura”, afirma.
Nos aspectos jurídicos, o advogado explica que os textos são genéricos e que deixam a interpretação dos fatos muito aberta, e explica que os problemas que o projeto promete resolver já foram superados após um movimento parecido contra o grupo Planet Hemp, de Marcelo D2. “Embora o objeto da discussão não tenha sido necessariamente o financiamento de shows com verba pública, os argumentos eram majoritariamente equiparáveis, ou seja, foi uma investida moralista e que trouxe, no reboque de ideias atrasadas, o formalismo das instituições para justificar um aporte ideológico reacionário”.
Por ora, os projetos estão apenas protocolados e precisam passar por votação, sanção e o olhar crítico dos respectivos órgãos do judiciário, mas nada descarta a aprovação. Para o advogado, “se houver a aprovação desse tipo de lei, a censura será aplicada exclusivamente a gêneros periféricos ou aos seus representantes”. Ele explica seu raciocínio citando gêneros consumidos pela classe média, “como Legião Urbana e Gabriel O Pensador, não seriam afetados porque possuem um verniz de aprovação concedido pela branquitude”.
Por enquanto, não há novas atualizações sobre os projetos que circulam pelo Brasil, mas o barulho causado por elas pode forçar uma aprovação apressada. Como toda lei, a “anti-Oruam”, ou melhor, “anti-Funk”, precisa não apenas ouvir os cidadãos, mas também entender os benefícios concretos que ela traria para a sociedade.