Iron Maiden: A matter of life and death
Iron Maiden: A matter of life and death
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Não tem jeito.
Os críticos podem torcer o nariz, fazer biquinho, espernear no chão e sair gritando por suas mães, dizendo "não, não é verdade porque eu não quero que seja e pronto!", mas o fato é que o Iron Maiden mais uma vez mostra ser não só a maior banda de heavy metal da história como também uma das maiores bandas de rock de todos os tempos. Prova disso é o "estrago" que seu mais novo álbum, A matter of life and death tem feito ao redor do mundo. Logo no seu lançamento o álbum conquistou o primeiro lugar de vendas em nada menos do que nove países, incluindo o Brasil - foi o CD mais vendido no país na semana entre os dias 20 e 26 de setembro. Além disso, apareceu bem colocado em países que tem ainda menos tradição no heavy metal do que o Brasil, tais quais Canadá (2º), Índia (4º), Arábia Saudita (5°) e Estados Unidos (9º). Tudo isso sem ter músicas tocando no rádio, clipes na MTV ou qualquer tipo de apoio fora da mídia especializada.
Muita gente pode atribuir isso tudo ao fato do Iron Maiden ter alguns dos fãs mais fiéis e empolgados do mundo. No entanto, isso é apenas parcialmente verdade. Afinal, apesar de muitos fãs de heavy metal serem realmente xiitas, a grande maioria possui um certo senso crítico, haja vista as reações negativas aos álbuns The x-factor e Virtual eleven, ambos gravados logo após a saída de Bruce Dickinson da banda. Ou a debandada de fãs do Metallica após a banda abandonar o thrash metal que o consagrou em prol de músicas mais facilmente digeríveis.
Divagações à parte, o fato é que A matter of life and death mostra que o Iron Maiden voltou à forma. Não é a mesma banda dos anos 80, mas é fato que o novo trabalho é o melhor da Donzela de Ferro desde que a dupla Bruce Dickinson e Adrian Smith voltou a tocar junta. Arrisco-me a dizer mais, este disco é o melhor do Iron Maiden em estúdio em 15 anos, desde Fear of the dark. Além de todo o peso característico do Maiden, com alguns de seus clichês e características indeléveis de seu som, A matter... traz, ainda, um salto de qualidade ao som da banda, cada vez mais influenciado pelo rock progressivo dos anos 70. Calma, todo o peso e energia estão lá, mas temperados com orquestrações e passagens progressivas que só fazem enriquecê-los.
Pra começar, temos "Different world", que talvez seja a faixa mais facilmente assimilável do álbum, além de ser a única com menos de cinco minutos. Com uma forte influência do que o Thin Lizzy fazia na década de 1970, a música traz um trabalho vocal excepcional, um refrão poderoso e um ótimo dueto de guitarras. Traz poucas inovações, mas, em compensação, dá ao ouvinte a idéia de que não só os bons tempos voltaram como que o Iron Maiden ainda tem muitos amplificadores pra queimar.
A seguir vem "These colours dont run" que começa com aquela introdução lenta que se tornou uma das marcas registradas da banda desde The x-factor. A lentidão inicial logo dá lugar a um heavy metal vigoroso, recheado de influências do hard rock, com Bruce Dickinson mostrando mais uma vez que soube envelhecer. Sua voz pode não ser tão potente quanto há duas décadas, mas o baixinho ainda supera muito moleque por aí. Ao longo da música, ele passeia por linhas vocais diferentes de maneira bastante fluída. O instrumental é longo e bastante progressivo, lembrando muito algumas músicas do álbum Seventh son of a seventh son. Ah, e, como não poderia deixar de ser, destaque para o refrão cativante e grudento. Vai abalar estádios ao redor do mundo, com certeza.
As letras de "These colours dont run" também preparam o ouvinte para o que vem a seguir já que, daí pra frente, todas as músicas terão como o tema a guerra, seja ela religiosa ou política. Não que este seja um álbum conceitual ou político, mas todas as suas músicas - com exceção de "Different world" - viajam por esse tema.
Continuando, outra introdução lenta marca "Brigther than a thousand suns", um dos destaques individuais de um álbum que, no geral, mantém a qualidade de suas faixas lá em cima. Com todo potencial para se tornar um dos clássicos da banda, a letra se baseia na criação da bomba atômica e se foca na intolerância humana. Musicalmente, é uma das mais elaboradas músicas do disco, na medida em que alterna passagens bastante calmas com outras recheadas de peso, numa perfeita mescla entre o som pesado com o progressivo. Deixando um pouco de lado o vocal de Bruce - brilhante durante todo o álbum - aqui o destaque vai principalmente pro instrumental. As três guitarras funcionam perfeitamente, o baixo de Steve Harris "cavalga" como nos bons tempos e mesmo Nicko McBrain, sempre o membro mais discreto da banda, mostra um grande trabalho em seu instrumento. Os solos de guitarra estão bem distribuídos e bem feitos e o refrão é um dos melhores do disco. Começa calmo, lento e vai num crescendo até explodir.
A seguir vem "The pilgrim", outra música que começa lenta antes de engrenar. A faixa tem um riff que remete diretamente ao que o Iron Maiden fazia nos anos 80, aquele heavy metal mais direto, com refrões poderosos e duetos de guitarra inspirados, além do onipresente baixo de Steve Harris.
Uma levada de baixo acústico lidera as guitarras, em um ritmo lento, nos primeiros acordes de "The longest day", música cuja letra se foca no famoso Dia D, data na qual as tropas aliadas deram aquele que seria o golpe derradeiro nas tropas nazistas de Hitler, na Normandia, França. A canção começa sem pressa, antes de descambar em um heavy metal vigoroso, daqueles que o Iron Maiden faz como poucos. Aqui, Bruce praticamente declama a letra, até alcançar tons vocais bem altos, especialmente no refrão que, apesar de repetitivo, é mais um daqueles de levantar estádios. Aliás, "refrões de levantar estádios" é outra das especialidades do Iron Maiden e poucos o fazem tão bem quanto eles. Apesar disso, em "The longest day" o grande destaque vai para o trio de guitarristas. Adrian Smith, Dave Murray e Janick Gers mostram um tremendo entrosamento na música e isso se reflete nas harmonias, riffs e solos criados pelo trio.
"Out of the shadows" é a faixa seguinte e é uma balada, em que a banda usa violões e abusa da repetição do refrão, que, pra variar, se encaixa na categoria de "levantador de estádios". Muitas resenhas comparam esta faixa com "Tears of the dragon", maior hit da carreira solo de Bruce Dickinson. No entanto, mesmo sendo uma balada, ela tem todo aquele peso característico dos trabalhos do grupo. Apesar disso, esta é outra canção que poderia ser facilmente trabalhada e transformada em videoclipe.
A seguir vem "The reincarnation of Benjamin Breeg", primeiro single do álbum. O interessante a respeito da música é que, assim que saiu, criou-se uma polêmica entre os fãs a respeito de quem seria esse Benjamin Breeg. Um site, criado por um tal de A. Breeg, supostamente descendente de Benjamim, procurou contar sua suposta história, como um sujeito um tanto quanto complexo. Pra mim tudo não passa de um golpe de marketing pra atrair atenção e esse Benjamin é simplesmente um personagem fictício. O fato é que "The reincarnation..." é um dos destaques do disco. Novamente, começa lenta, dessa vez com as guitarras dando o tom. Nessa mesma lentidão, Steve e Bruce entram em cena, até que um riff de guitarra simples, porém eficiente, entra em cena e dá o tom do resto da música. A parte instrumental, apesar de mais simples, é longa e é calcada em cima do trio de guitarristas e, obviamente, em Bruce. Não é à toa que há anos ele vem sendo considerado um dos melhores - senão o melhor - vocalista do metal.
"For the greater good of God" é o Iron Maiden falando de guerras religiosas. Novamente, começa em marcha lenta, com Steve Harris dando o tom. Quando Bruce entra, mantém o mesmo ritmo, mas modulando sua voz, de forma que o tom vai crescendo aos poucos até alcançar a altura com a qual vai cantar o resto da música. Tom esse que explode em um refrão avassalador, em minha modesta opinião o melhor presente em A matter... Do ponto de vista instrumental, a música traz um belo trabalho do trio de guitarras, diversas mudanças de andamento, solos interessantes e bem encaixados e uma orquestração que aparece ali pela sua metade e reforça o seu clima épico. "For the greater " é a música mais longa do CD, mas nem parece.
Introduções lentas parecem ser uma das marcas registradas do Iron Maiden desde o meio da década de 1990. "Lord of light" não foge a essa regra, mesmo que, aqui, a introdução seja um pouco mais longa do que o habitual. Quando a música realmente começa, é impossível não destacar o trabalho vocal de Bruce Dickinson, cantando em tons altos e conduzindo a música como um maestro regendo uma orquestra. O trio de guitarristas se mostra bastante inspirado, haja visto os riffs contagiantes criados para a canção. As mudanças de andamento, o trabalho certeiro da bateria de Nicko e as "cavalgadas" sempre empolgantes do baixo de Steve colocam "Lord of light" acima da média do que se vê por aí e em destaque no disco.
Finalmente, "The legacy" fecha o álbum de uma maneira bastante surpreendente já que é, sem sombras de dúvidas, a música mais progressiva já gravada pela Donzela. Começa com um belo trabalho de violões e um vocal limpo e calmo, parecendo aquelas canções celtas que fazem a alegria dos fãs do Blind Guardian. Quando os violões são substituídos pelas guitarras, a música ganha um andamento ora mais progressivo, ora mais pesado, com diversas mudanças de andamento - inclusive na voz de Bruce, que varia do mais limpo para o mais abafado. "The legacy" talvez seja a música mais original de A matter... e é difícil - senão impossível - encontrar alguma outra faixa semelhante a ela em toda a discografia do Iron Maiden. Peso e competência instrumental se misturam e se completam aqui. A letra também encerra de maneira interessante a temática do álbum, já que pergunta ao ouvinte qual o legado ele e sua geração deixarão para o futuro: paz ou de guerra e violência?
No frigir dos ovos, A matter of life and death é o melhor álbum do Iron Maiden em mais de uma década e, até o momento, o melhor lançamento do ano - na minha humilde opinião. Individualmente, há pouco o que ser dito, já que os membros da banda parecem saber bem como envelhecer e usar a experiência adquirida para continuar agradando e mesmo surpreendendo os fãs. O que Bruce Dickinson continua cantando é brincadeira; Steve Harris pode não ser um baixista virtuoso, mas a energia que passa com seu instrumento, relegado ao segundo plano na maioria das demais bandas, é no mínimo contagiante; Nicko McBrain continua fazendo um trabalho competente dentro de seus limites e o trio Murray-Gers-Smith parece ter alcançado o melhor entrosamento desde que tocaram juntos pela primeira vez.
Com A matter of life and death, o Iron Maiden prova mais uma vez que, mesmo depois de 30 anos, ainda tem muita, mas muita lenha para queimar. Por mais que os críticos esperneiem...
