Música

Entrevista

Eli Iwasa | Os segredos e a música da DJ que entrega histórias com seus sets

Um dos nomes mais inspiradores do Techno brasileiro fala sobre carreira, clube, mulheres na música eletrônica, Warung tour e set no Ultra Rio

06.10.2017, às 17H51.
Atualizada em 06.10.2017, ÀS 20H04

Quem já esteve em uma pista com Eli Iwasa tocando sabe que além de toda a curadoria musical que compõe seus sets, ela também consegue criar jornadas sonoras de delicadeza e brutalidade que poucos têm a sabedoria para entregar. É uma mistura bem dosada entre clímax e anticlímax musical, trabalhada de forma tão visceral que os gritos da pista a cada drop são inevitáveis. Assim, a DJ, produtora e sócia de casa noturna faz de cada experiência na pista algo que perdura depois da festa. Com todas essas cartas na manga, Eli também é uma das responsáveis pela organização do Warung Tour Campinas e um dos nomes confirmados para o Ultra Festival, que acontece no Rio de Janeiro entre os dias 12 e 14 de outubro. A artista conversou com exclusividade com o Omelete e contou um pouco sobre essa construção musical, sua trajetória e a infinidade de projetos com os quais tem trabalhado.

De entrada, tentar entender como a mágica de Eli acontece nas pistas é o norte da conversa. Ela credita isso a alguns fatores, mas o primeiro é a inspiração dos artistas que ela admira. “Os DJs que eu mais gosto são conhecidos por tocar muitas horas e por contar uma história através da música”, comenta Eli. Essa “inspiração” costuma vir sempre temperada com a entrega de momentos que conduzem a pista como um organismo responsivo, “[...] quando você toca muito tempo, você precisa criar atmosferas diferentes e tensões diferentes pra prender a atenção das pessoas e manter essa pista compacta e dançando o tempo inteiro”. Entre os nomes que Eli cita como seus nortes estão os DJs Laurent Garneir, Mau Mau, DJ Tennis, “artistas que tocam muitas horas, muitos estilos diferentes e que realmente conseguem contar uma história”.

A soma desses fatores deixa claro seu domínio da pista e reflete principalmente em sua facilidade na mistura entre estilos e até mesmo na confissão de que gosta de abrir a pista, coisas que muitos DJs não fazem, “Eu pego a pista desde o comecinho, vejo ela enchendo as pessoas se soltando e tudo isso por meio da música”. Falando especificamente sobre as quebras e sua forma de conduzir a pista, Eli segue comentando que “As tensões diferentes e as mudanças de clima no set são superimportantes, porque eu gosto dessa coisa do DJ te surpreender. Você está em um ritmo ali e, de repente, você muda tudo. Diminui energia, baixa o BPM, começa tudo de novo. As pessoas gostam de ser surpreendidas”.

E não dá pra negar que essa experiência sonora e o entendimento do público estão diretamente ligados ao seu início de carreira. Eli começou nas pistas, curtindo a música, e também trabalhando nos bastidores da cena eletrônica, cuidando de eventos como a SP Groove, e também - por quase uma década - das noites de sexta do Lov.e Club, em um dos momentos de crescimento e fortalecimento da e-music nacional. Com isso em mente, entender quando ela comenta que sempre se coloca no lugar das pessoas que estão na pista, fica ainda mais fácil. “Eu vim da pista e comecei a tocar por hobby. Eu nunca encarei isso como um projeto de carreira. Eu comecei a tocar porque eu gostava de tocar. A minha experiência vem muito de uma pessoa que  passou a vida inteira dançando”, e segue, “É importante pro DJ não esquecer do lugar onde tudo começou e eu espero que essa [minha] sintonia entre DJ e público permaneça”.

O Club 88 e a música

Eli também é sócia-proprietaria do Club 88, em Campinas, local com uma das melhores agendas de apresentações do país e eleito o Melhor Club Off Circuit de 2017 na Rio Music Conference. Mas como gerenciar um clube ajuda a carreira de um DJ? Eli é categórica ao afirmar que esse trabalho possibilita olhar além da cabine, o que fica claro em sua resposta falando sobre o público e a cena brasileira de e-music: “Hoje tem espaço pra tudo. A coisa se pulverizou de uma maneira que você tem todos os estilos de música, todos os estilos de artistas e todo tipo de festa aqui no Brasil. A cena saiu daquela coisa de estar somente nas grandes capitais”. Ela segue exemplificando ainda que essa efervescência está em todas as regiões e estilos, “Não é só música comercial. É Techno, House, Underground, é música forte. Você vê que tem um momento de amadurecimento da música eletrônica no país”.

Pensando na forma como a cena brasileira se comporta hoje, falar sobre o Club 88 e como as suas atribuições diárias com a casa auxiliam na sua percepção como DJ também é necessário. Eli enfatiza que ser DJ e ter um clube são coisas que se alimentam. “Ter um clube me força a estar atualizada, a prestar atenção no que o público gosta, a ouvir o que o público está pedindo e a perceber novos artistas, o que está rolando, o que está fortalecendo, o que está enfraquecendo. Eu nunca tenho a sensação de que não tem nada novo rolando. Às vezes eu ouço de gente mais das antigas: ‘Não tem nada legal rolando’. E nossa! Tem tanta coisa nova legal, sabe?”.

Eli comenta ainda que, para ela, o 88 funciona como uma realização. “Eu encontrei o modelo de clube que reúne muitas qualidades que eu buscava em um lugar que gostaria de ter”. Isso fica claro na forma como a casa equilibra nomes comerciais com nomes conceituais em conjunto com outros fatores que transformam o espaço em algo diferente e fora de São Paulo. Todos os fatores que ela comenta ficam ainda mais claros com a informação - em primeira mão - de que ela e os sócios, em breve, vão abrir um segundo clube em Campinas. “Ele vai trabalhar a ideia de dar um novo significado para espaços urbanos abandonados. Vamos ressignificar, pegar uma zona industrial, um galpão e ter a possibilidade de trazer artistas maiores que a gente não conseguiu viabilizar anteriormente”. Com isso não dá pra negar que o público de música eletrônica está realmente crescendo em todas as regiões.

Warung Tour, Ultra Rio e grandes nomes da música mundial

Eli, nos próximos dias, além de todas as tarefas que já permeiam sua agenda, também é responsável pela edição Campinas do Warung Tour, evento que conta com nomes como Stephan Bodzin, Kolombo, Marc Houle, os brasileiros Dashdot, Boghosian e Fran Bortolossi, e também com seu set. Sobre o evento que vai reunir alguns dos nomes mais expressivos dentro do segmento, a DJ comenta que “A expectativa das pessoas é muito grande em relação ao que a gente faz, então não queremos entregar menos do que elas esperam. E isso vai ao encontro do que o Warung faz. Eles têm um padrão de qualidade muito alto”. E claro, além do evento como um todo, que acontece em uma fazenda histórica, Eli comenta que após perceber quem gostaria de ter no line-up, partir para a execução e fechar a agenda de um nome como Bodzin, um dos artistas mais importantes do Techno mundial, foi algo trabalhoso mas que valeu a pena. “Uma das coisas mais legais do que eu faço, que mostra o quão apaixonada eu sou por isso, é que, cada hora que dá certo um booking que eu estou tentando, eu fico muito feliz. Eu realmente comemoro. Este foi, provavelmente, um dos line-ups mais fortes que a gente conseguiu fazer nos últimos tempos”, enfatiza.

Eli Iwasa também é um dos nomes confirmados para tocar no Ultra Rio, em um b2b com Leo Janeiro, no próximo dia 14 de outubro. Esta não será a primeira vez que os dois DJs brasileiros tocam juntos, já que eles se apresentaram com um set de 4 horas, recentemente, em Londres. “É muito bom quando você toca com uma pessoa que você nunca tinha tocado antes e sente um entrosamento bacana. Acho que foi até por isso que nós fomos escalados para tocar juntos no Ultra”, destaca. Ela também aproveita para confessar que gosta de tocar no formato back 2 back. “Meus sets são bem versáteis, então eu consigo me adaptar bem quando toco com outras pessoas”.

As mulheres na música eletrônica

E não dá para falar sobre música e carreira sem abordar o papel da mulher neste cenário contemporâneo. Eli, sobre o tópico, é categórica ao afirmar que “existem muitas coisas a serem conquistadas. Não só dentro do cenário musical, mas na sociedade, mesmo”, e segue comentando sobre o ambiente que encontrou desde seu início na música: “Eu tive a sorte de estar cercada por pessoas maravilhosas, então nunca tive problemas muito sérios, sempre tive uma carreira bem sólida nos bastidores antes de me tornar DJ. Mas a maioria das mulheres ainda não ganha tão bem quanto os homens, a gente ainda está em um número expressivamente menor em grandes eventos. Ainda tem muitas coisas pra acontecer”.

Mas a DJ também faz questão de ressaltar que mesmo com a necessidade de mais avanços ela sente que mudanças importantes têm ganhado corpo. “Existem muitas meninas que estão despontando e de alguma maneira chamando a atenção para o assunto e abrindo muitas portas. Acho que tem figuras como a Nina Kraviz, a Black Madonna, Helena Hauff… Eu vejo uma safra de bons nomes. Quando a gente fala da Europa, principalmente, nos festivais e nos clubes tem uma presença feminina cada vez maior, como headliner. Então, você olha o Circo Loco, você vai ter a Tania Vulcano e outras mulheres tocando em uma das principais festas de Ibiza. Você vê que tem um movimento de figuras femininas despontando de uma forma muito forte, encontrando um lugar na cena que a gente nunca teve. Seja como headliners, com cachês quase equivalentes, tendo destaque na capa de uma revista - algo muito raro anteriormente -. No Brasil a gente tem DJs  maravilhosas como a ANNA, a Cashu, a Tati Pimont, Amanda Chang, tanta menina que toca muito! Então, eu acho que cada vez mais a gente vai ver essa força das meninas em uma cena mundial. Ainda tem um longo processo, mas eu sinto que está melhorando”.

E depois de falar sobre todos esses momentos da carreira, quais serão seus próximos passos? A resposta vem depois de uma rápida pausa, mas deixa ainda mais evidente o quanto Eli gosta do que faz: “O que eu vejo pra mim e o que eu desejo pra mim é que eu continue tocando ainda por muitos anos, enquanto eu tiver energia, e tiver apaixonada. Com certeza eu vou continuar trabalhando com música. Promovendo música que eu acredito. Eu sempre falo que eu vou ser aquela velhinha da festa, sabe?. Eu quero ter uma carreira muito longeva e continuar fazendo isso ainda por muitos anos”.

Para conhecer um pouco mais do som de Eli Iwasa em sua conta oficial no Soundcloud

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