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Duna é aqui - o show de Ingwie Malmsteem

Duna é aqui - o show de Ingwie Malmsteem

OA
17.10.2001, às 01H00.
Atualizada em 17.01.2017, ÀS 21H03
Aconteceu durante o show do guitarrista sueco Yngwie Malmsteem e sua banda de hard rock em Porto Alegre semana passada e foi publicado nos jornais, na última sexta-feira, dia cinco.

Malmsteem, como geralmente faz, tocou uns acordes de Star Spangled Banner, o hino americano, durante um monólogo do vocalista da banda que explicava como os atentados ao World Trade Center afetaram a turnê do grupo. Ao ouvir a melodia, o público vaiou. O músico não se fez de rogado. Insistiu em continuar tocando a linha melódica e, em resposta, ouviu um coro que clamava “Osama, Osama, Osama!”. Apesar de sueco, o popstar tem muitos vínculos com os EUA e não gostou nem um pouquinho da reação. Ao fim da apresentação, solou o hino completo e gritou “God bless America and fuck you!" e o público, além de vaiar, respondeu gritando "Bin Laden! Bin Laden!".

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Vejamos por partes os elementos do incidente:

Filtro

Assim como no show de Britney Spears no Rock in Rio 3, onde uma bandeira americana foi sumariamente vaiada, há aqui uma incongruência entre o real e o imaginário. A classe média do Brasil gosta de seus ídolos internacionais, mas sente-se ofendida ao ver explicitados os reais laços de origem e, conseqüentemente, “hierarquia” das estrelas internacionais.

Lembro-me perfeitamente que, anos atrás, o público assistindo ao filme Superman II, vaiou a cena em que Christopher Reeve reconstrói a Casa Branca e aparece voando com a bandeira americana. Bolas, quem são o Superman, Britney Spears e Yngwie Malmsteem&qt;& São produtos da cultura de massa norte-americana e, como tais, submetidos a seus parâmetros mais básicos! Algo condenável nisso&qt;& Não creio, mas, quando nós, brasileiros, compramos discos ou quadrinhos destas personagens, levamos, para casa, o pacote completo. No entanto, filtramos a ideologia mais óbvia. Fazemos de conta que o produto em questão – astro pop, ator cinematográfico, personagens de games, livros policiais ou HQs – não é regional, mas sim “mundial”.

Quando, então, vemos explicitada a origem norte-americana do produto, o filtro não resiste. Aí, vem a raiva, a indignação, a clareza de estarmos consumindo algo “externo” e, por que não dizer, alienígena.

Fremen

Os meninos entrevistados, ao explicarem porque vaiaram o músico, responderam: “viemos ouvir rock, não hinos". Estão, duplamente, certos e errados: certos porque, teoricamente, o rock, o jazz, o blues, deveriam ser “universais” e são vendidos com esse rótulo; errados porque, convenhamos, para os americanos (e ídolos pop em geral) ser universal é ser norte-americano. Na visão deles, o rock é o hino e vice-versa. Longe vão os dias de contestação dos anos 60, onde Jimmy Hendrix interpretava a Star Spangled Banner para criticar o envolvimento dos EUA no Vietnã.

Graças aos atentados ao WTC e ao Pentágono, o hino em shows de rock está sendo interpretado como um libelo antiterrorista e não como uma crítica ao imperialismo. Bin Laden surge como um típico vilão de James Bond, rico, sem ligações nacionais claras, com seguidores que dariam a vida por ele e sem uma base geograficamente identificável.

Os meios de comunicação nos vendem o “vilão” de uma forma bidimensional e hoje, ao assistir à refilmagem de Duna, baseada no romance de ficção científica de Frank Herbert, percebo como tudo relacionado ao “Fu Manchu” Bin Laden poderia ser dito também do líder revolucionário Fremen, Paul MuadDib.

No entanto, MuadDib, que engendra atos terroristas, lidera uma facção fanática que se esconde num território inóspito e ataca um império sem se importar com a própria segurança é, paradoxalmente, um herói.

E Duna é um produto de consumo norte-americano.

Curiosa essa Banda de Moebius, não&qt;& Cabe então perguntar: com quem os brasileiros se identificam realmente&qt;& Creio que todo mundo que leu Duna ou assistiu ao seriado torceu sem vergonha de ser feliz pelo sucesso das atividades terroristas de MuadDib contra um império decadente e corrupto. No entanto, agora, no chamado “mundo real”, torcemos nosso nariz coletivo para o terror que castrou o WTC... até um guitarrista nos ter feito descer o hino americano pela goela, e então, quase inconscientemente, viramos Fremens juramentados, ortodoxos e de carteirinha.

Fãs

Se, por acaso, o artista em questão apresentasse-se enrolado na bandeira brasileira – como foi o caso de Genesis, em 1977; Van Halen, 1984, e vários outros nestes já incontáveis shows e festivais que aconteceram por aqui desde 1985 –, aí, tudo bem, diriam. O cara é simpático!

Lembro bem de Gene Simmons, do Kiss, gritando “Men-GO! Men-GO!” e a platéia ensandecida, delirando; dos Scorpions fantasiados de índios, sacudindo chocalhos; e do Príncipe Charles dançando com Piná. Poupem-me. Tais atitudes soam muito mais falsas e lembram um pouco a condescendência do antropólogo europeu ao tentar imitar os costumes da tribo que é objeto de seus estudos. E nós aqui sorrimos simpáticos, também condescendentes, exatamente como os africanos diante do Dr. Livingstone, pensando “coitados, não sabem sambar”.

Ao solar o hino americano, Malmsteem não está sendo falso. Ele acredita piamente que os EUA são uma unanimidade, que são o centro do Império e apenas apresenta sua verdade, o que, para ele, é o óbvio. E nós, nesse momento, expatriados do hemisfério norte, sentimo-nos ofendidos, assim como quando eles confundem nossa capital com Buenos Aires e coisas do gênero. Entretanto, em sã consciência, quantos de nós respeitamos os países da América Central&qt;& Quantos de nós realmente conhecemos a cultura ameríndia hispânica ou sabemos diferenciar a Guatemala do Chile&qt;&

Quem somos, afinal&qt;& Parte de Roma ou habitantes da aldeia que teima em resistir ao invasor&qt;&

Longe de defender o terrorismo, fico no meu canto, preocupado com nossa guerra interna, nosso superego que se acredita primeiromundista sendo atacado pelos kamikazes do id, fundamentalistas até a raiz dos cabelos. O planeta Duna, no fim das contas, também é o Brasil.

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