Claro que é rock em São Paulo - caos controlado
Claro que é rock em São Paulo - caos controlado
![]() Good Charlotte |
Fantomas |
Flaming Lips |
Flaming Lips |
Flaming Lips |
Iggy Pop e os Stooges |
![]() Iggy Pop e os Stooges |
Sonic Youth |
![]() Sonic Youth |
![]() Nine Inch Nails |
![]() Nine Inch Nails |
Um megafestival a céu aberto, marcado em uma semana de chuvas repentinas, em uma gigantesca chácara longe do centro da cidade, com brechas na segurança que facilitavam a entrada de não-pagantes. Piorando a situação, o lineup elitista privilegiava bandas que, apesar de excelentes, dificilmente são abrigadas pela MTV atual e fazem parte da escalação dos sonhos de um público ainda seleto.
A primeira edição do Claro que é Rock, em São Paulo, tinha fatores de sobra para ser um desastre. E caminhou na corda bamba até o fim, se segurando em um meio termo.
Se por um lado a estrutura era boa, com dois palcos para intercalar os shows, o atendimento de chão ao público era falho - com filas quilométricas nos banheiros químicos e os habituais preços abusivos nas lanchonetes. Enquanto a organização conseguiu manter os horários prometidos, levando o festival com atrasos mínimos, investiu também naquele costume incoerente de só aumentar o som na hora da atração de encerramento.
Fatores assim abaixaram a crista pública do Claro que é Rock, que deveria ser estrela do calendário, preenchendo a lacuna de um bom evento de rock ao ar livre em São Paulo.
Matinê de abertura
A abertura do festival, a cargo das bandas indie que participavam do concurso promovido pela operadora, foi mediana. Só provou que o júri das eliminatórias nacionais resolveu primar mais pela variedade de estilos do que pela qualidade dos escolhidos.
Esse pensamento levou ao palco ótimas bandas (como Os Imperdíveis, de São Paulo, e Star61, da Paraíba), mas também apresentações sofríveis (como a catarinense Spiegel que, mérito único, emula muito bem O Rappa).
E fina ironia (ou não), a grande vencedora do concurso foi a gaúcha Cartolas, que causou polêmica na etapa gaúcha do festival por acusações de nepotismo.
As atrações principais dessa primeira fase, que ocupou toda a tarde de sábado, focaram principalmente a molecada mtvesca, com o bom show da Cachorro Grande (que, afinal, é a banda indie que deu certo) e a apresentação corretinha mas anódina da internacional Good Charlotte (responsável pelo discurso padrão de we love Brazil com bandeira na mão e muita garotinha descabelando os hormônios em choro descontrolado na platéia).
A salvação da lavoura na matinê foi a Nação Zumbi, intensa como de costume, apresentando repertório dos dois últimos discos (o homônimo de 2002 e o recém-lançado Futura), e encerrando com hits da época de Chico Science.
De volta a lugar nenhum
Quando se escala para um festival um show do Fantômas, projeto do maluco Mike Patton, pode se esperar qualquer coisa. E no palco paulistano do Claro que é Rock, foi exatamente isso o que eles fizeram: tocaram qualquer coisa, abrindo a agenda dos shows internacionais que realmente importavam.
A apresentação da banda pareceu ser totalmente sem pé nem cabeça, um grande pout-pourri de músicas estranhas, com os músicos alterando o ritmo, andamento e estilo do que tocavam sem o menor aviso prévio. Patton pulava de um microfone a outro, comandando sua afinada orquestra non-sense aos berros.
As músicas iam da microfonia ao easy listening, do heavy metal à batucada tribal, com a maior naturalidade. De repente, um trecho do hino estadunidense ou um discurso incompreensível aos microfones. E, do mesmo jeito que começou, terminou, com um irônico Patton apresentando sua banda, a Suicidal Tendencies, fazendo piada com o grupo que cancelou a viagem de última hora.
Um show chato pra quem esperava alguma coisa normal, mas divertidíssimo para aqueles que sabiam que não podiam esperar nada. No fim (e no meio), boa parte da platéia reclamava enquanto se afastava do palco. Sinal de que o Fantômas cumpriu sua função.
De volta a um mundo paralelo
Elefante, tamanduá, gato, cachorro, jacaré, Papais-Noéis, um ET e dois sóis com caras de bobo. A entourage do Flaming Lips, com mais de vinte figurantes fantasiados das formas mais bizarras, era apenas um divertido prólogo.
Wayne Coyne entrou no palco tagarelando e prometendo um show inesquecível, já emendando daí para a esperada performance da bolha espacial, com o vocalista dando uma caminhada desengonçada e rápida (rápida demais, até) sobre a cabeça da platéia e voltando a tempo de cantar Race for the prize, única do disco The soft bulletin que fez parte do set.
Logo em seguida, a banda tocou a queeniana Bohemian Rhapsdoy, desencavando um coro de um público que costuma fazer bico para o grupo inglês. Durante a cover e pelo resto do show, Coyne e sua banda abusaram de todo o espírito fanfarrão de que têm fama. Confetes, serpentinas e balões de gás jogados sobre o público fizeram o roteiro, junto de projeções bizarras no telão e uma jam session improvável com um daqueles brinquedos de bebê que reproduzem sons de animais.
Mas os melhores momentos pertenceram mesmo às canções retiradas do último disco do grupo, Yoshimi battles the pink robots, com Fight test, a estratosférica Do you realize? e a faixa que dá nome ao álbum, quando Wayne contou com a ajuda de uma surreal marionete de freira nos coros finais.
Por último, o momento político da apresentação, com críticas a George Bush e a providencial cover de War Pigs, do Black Sabath. Encerramento absurdo para um show idem.
A passagem do Flaming Lips serviu de contraponto às apresentações do Arcade Fire por aqui, no mês passado. Se aqueles eram animadinhos e teatrais, estes foram o ápice da festa psicodélica. No começo, o telão prometia que o mundo ia começar de novo. E a banda conseguiu, com louvor.
De volta aos anos 70
Depois do circo dos Lips, era a vez daquele que prometera esmigalhar qualquer iluminação especial durante seu show. Fuckin Iggy Pop (como ele mesmo se classificou) entrou no palco gritando, sem camisa, vestindo uma calça jeans feminina que teimava em exibir sua bunda.
O velho Iggy, ao lado dos velhos Stooges, fez aquilo que mais sabe fazer: confusão. Com quase 60 anos nas costas e uma energia descomunal, deu canseira nos seguranças e no pobre roadie que corria a toda hora para desenroscar o fio do microfone.
No repertório, quase todos aqueles velhos clássicos do punk - I wanna be your dog, 1969, Dirt, TV eye, Fun house - e algumas músicas mais recentes, como Skull ring, carro chefe do último disco, que incorporou até um inesperado solo de saxofone.
A bagunça se instalou mesmo quando o cantor, alucinado durante Real cool, chamou a platéia para o palco. Uma pirâmide humana se formou sobre Iggy, entre fãs, roadies e seguranças. Ele, ao contrário da organização, nem se abalou e, enquanto emendava com No fun, distribuiu tabefes entre os seguranças que tratavam os penetras de forma mais enérgica. O resultado foi uma anarquia sobre o tablado, com dezenas de fãs dançando, cantando, tirando fotos e fazendo air guitar ao lado de Ron Asheton.
Depois que os invasores voltaram aos seus lugares, a normalidade não durou muito: no fim das músicas, Iggy ainda se atirou sobre o público e brigou com a equipe que filmava o show, uma hora exigindo que desligassem a luz e no bis mandando ligar tudo, para que ele pudesse ver a platéia, que pulou e cantou o show todo, em êxtase.
De volta aos anos 80 (ou 90?)
E a banda que fez fama deitada sobre suas dissonâncias ganhou... o som mais baixo do festival.
Os membros do Sonic Youth entraram no palco como quem não quer nada e começaram calmos, com I love you golden blue (do último álbum, Sonic nurse) e The empty page. Mas a experimentação noisy veio logo no final da terceira música, Pattern recognition, só pra mostrar a que a banda veio.
Daí se seguiram momentos pop (dá-lhe Schizoprenia) e malabarismos nas cordas e na microfonia, com o ápice na masturbação sonora no final de Teenage riot, já no bis, que se estendeu por vários minutos. Se o volume estivesse em uma altura decente, a massa sonora teria sido atordoante.
Mas, apesar dos esforços da banda, o efeito foi como o de um filme mudo. Só faltaram as legendas no telão, do tipo barulho agudo insuportável ou som de Lee Ranaldo socando no chão o braço da sua guitarra distorcida. A voz de Kim Gordon estava praticamente inaudível. O volume melhorou um pouquinho no decorrer do setlist, mais pela vontade da banda de fazer barulho do que pela disposição dos técnicos da mesa de som. Mas a essa hora, o fio já estava perdido, e pérolas como Mote e Drunken butterfly se apagaram no ar.
Foi um show histórico - um dos últimos com Jim ORourke ainda como integrante do Sonic Youth -, vértice dos melhores da noite (ao lado de Flaming Lips e Iggy Pop). É pena que só a banda, com seus monitores de retorno, ouviu.
De volta aos anos 90, agora sim
No final da noite, e depois de tudo o que já tinha se passado nos palcos, um show do Nine Inch Nails não poderia soar mais perdido. Quase um brinde aos incautos que sobreviveram.
Mas com a banda já no palco, deu pra entender o motivo de ela ter sido escalada para encerrar o festival. Blecaute na platéia, a apresentação de Trent Reznor foi um teatro de silhuetas, graças ao mega-espetáculo visual que se montou ali. A luz era cegante e cheia de malabarismos, e o volume do som doía os ouvidos (o que acabou provando que as outras bandas foram mesmo sabotadas).
A apresentação, beneficiada pela boa vontade técnica, acabou sendo a mais estrondosa da noite. De Wish, March of the pigs e With teeth a Head like a hole, Closer e Hurt, o setlist despejou quase todos os hits. O rock industrial, marca registrada do NIN, funciona perfeitamente no palco e, junto com a performance de Reznor, atinge até quem é indiferente à banda.
Depois de tanto coito interrompido, foi o que serviu para manter o zumbido nas orelhas de quem enfrentou o lamaçal para chegar aos estacionamentos.




