Campari Rock 2006: Supergrass na grama molhada
Campari Rock 2006: Supergrass na grama molhada
![]() |
![]() Valverdes |
![]() Ludovic |
![]() Cachorro Grande |
![]() Cachorro Grande |
![]() Nação Zumbi |
![]() Nação Zumbi |
![]() Nação Zumbi |
![]() Ira! |
![]() Ira! |
![]() Mission of Burma |
![]() Mission of Burma |
![]() Supergrass |
![]() Supergrass |
![]() Supergrass |
Fotos: Adelaide
Ivánova |
Ah, a natureza... Muito verde, muita lama, o ar fresco e aquele cheiro duvidoso de cavalo no pé do vento que desce as montanhas. Coelhos peludos e porquinhos da Índia comendo qualquer coisa que lhe atirem. E tudo sob um céu estrelado, com lua brilhante.
Essa é a síntese da versão 2006 do Campari Rock, que resolveu trocar toda a praticidade da organização metropolitana por um bucólico hotel fazenda em Atibaia, a uma hora e meia (com fé) de São Paulo, e nenhum vizinho a quilômetros de distância para reclamar do barulho.
E os indies abraçaram a idéia da mudança com fervor, como um hippie a uma árvore. Afinal, era quase a chance de participar de um festival como os do verão europeu, sem confusões lingüísticas e ainda pagando em Real.
Já na grama, muita poeira depois da placa "show de rock à direita" em uma encruzilhada, o espírito woodstock deu as graças: meninas espichadas sobre lençóis, rapazes que não viam sol há um bom tempo disputando um espaço nas sombras e até um rastafári escovando os dentes com cerveja no meio do povo. Por um sábado, eram todos nu-ripongas. Só faltou o tal amor livre, mas aí seria pedir demais.
Em comparação com sua primeira edição, em 2005, o Campari Rock veio enxuto: menos bandas no lineup, todas contidas em um longuíssimo dia de shows. A experiência de exportar o rock para o meio do mato não deixa de ser interessante, mas o festival perdeu a boa fórmula que apresentou no ano passado, com pré-festas simultâneas acontecendo pela cidade, e os importantes debates com cabeças pensantes do cenário mundial.
Em compensação, a estrutura montada garantiu maior parte do conforto no local e corrigiu o grande defeito do ano passado: os problemas de acústica sumiram e o som do palco era realmente alto - insuportável até, em alguns momentos.
Perde-se aqui, ganha-se ali, e o estilo festival rural pode se aproveitar da força potencial, se a idéia for maturada como deve.
Porção tupiniquim
A agenda foi aberta cedo, às três da tarde, com a seqüência de bandas indie pinçadas pelo país. O espírito começou eletrônico, com a cearense Montage tocando para as moscas, num horário em que quase ninguém ainda tinha conseguido chegar.
Na seqüência, o bom quarteto mineiro Digitaria, que soa como índios soltos em um estúdio, socando sintetizadores na base do instinto, gritando palavras de ordem - e isso não é um demérito. Não é à toa que o projeto chamou atenção repentina lá fora.
A dobradinha rock seguinte aumentou o nível dos shows, com Walverdes, do Rio Grande do Sul, e Ludovic, de São Paulo. Se o estilo guitarreiro das duas bandas tem a raiz parecida, é notável como cada um segue seu bom caminho distinto. Enquanto os gaúchos são quase cool, se agigantando no palco só com os amplificadores, os paulistas se baseiam na figura ensandecida do seu vocalista que grita, xinga, explode e se joga ao chão. A primeira é um tapa elegante, a segunda é uma cusparada na cara - só se equiparam no vigor das guitarras. Provas de que o rock udigrúdi ainda tem muito que mostrar.
O bom, o excelente e o recalcado
Primeiro nome "grande" a entrar no palco, os também gaúchos (mas quase paulistas) do Cachorro Grande espantaram até o mau humor de quem torce o nariz para a banda, com uma de suas apresentações mais redondas. Percebe-se que a porra-louquice gratuita da banda amadureceu, resultado provável da acumulada experiência como banda incensada pelo público MTV.
Mas o troféu de melhor show nacional (e provável melhor do festival) vai para a Nação Zumbi, em noite inspiradíssima. O repertório seguiu a base das ultimas apresentações da banda, destacando músicas dos dois últimos discos (Nação Zumbi e o recém-lançado Futura) entre clássicos eternos da era Chico Science. A diferença ficou por conta da alquimia entre a voz dubeada de Jorge Du Peixe, a guitarra de Lucio Maia e, principalmente, a percussão que marca o ritmo mangue dos recifenses.
A fatia do festival dominada por eles contou até com um daqueles "momentos mágicos" que fazem chorar os fãs mais ardorosos: a chuva que ameaçava cair desde o meio da tarde molhou rapidamente a platéia no mesmo momento em que Du Peixe declamava os versos "já vejo o céu escurecer / agora um temporal inteiro se aproxima", da música "Mormaço". É poder de poucos, uma cena assim.
Depois do arregaço pernambucano sobre o palco, ficou difícil para o Ira! manter o mesmo espírito. E a banda não facilitou, começando com "Pra ficar comigo", sua chata versão de "Train in vain", do Clash, e jogando uma incompreensível carga de amargura sobre os microfones, com discursos raivosos de quem não gostou de alguma crítica que ouviu. "Rock de tiozinho é a putaquepariu", vomitou Edgar Scandurra, pouco depois de balançar o pulso com as pulseiras que controlam a entrada nos bastidores e gritar: "sou vip pra caralho". Bom-humor estranho, o que deveria ser uma provocação para a platéia acabou soando como recalque dos mais constrangedores.
O Ira! ainda é uma boa banda ao vivo e sabe conquistar uma platéia. Mas seu show cresce de verdade é quando eles se liberam das suas concessões pop e partem para os hits da sua época áurea. Rock de tiozinho, talvez?
O show da banda só valeu pelo final, com o quase-sambão instrumental de "Vitrine viva", com Scandurra batucando o cabo do amplificador na palma da mão, a versão de "Foxy lady", de Jimi Hendrix, e o encerramento com "Envelheço na cidade" (que gerou mais um comentário bobo de Nasi sobre "MPB bunda" ou algo assim). Três exemplos de microfonias, distorções e competência rock. Prova que a banda sabe ir além do que mostra na MTV, principalmente quando não está preocupada em rimar "girassol" com "sol".
Sessão dos importados
Quase desconhecido por aqui, apesar do frisson manipulado pela meia dúzia que realmente ouviu sua discografia, o Mission of Burma apareceu no lineup perdido entre Cachorro Grande e Nação Zumbi.
Recém-reformada, a banda ocupa o mesmo espaço que foi do MC5 na primeira edição do Campari Rock. Mas se em 2005 os vovôs do punk causaram empolgação instantânea, o show destes dinossauros indies demorou a engatar. Parte maior do problema foi o volume baixo dos amplificadores, em comparação ao fuzuê sonoro utilizado por cachorros e zumbis - a guitarra de Roger Miller, por exemplo, só marcou ponto mesmo lá pela quarta música. Precaução da banda, talvez, que se aposentou nos anos 80 depois de problemas de surdez por parte dos integrantes. Pena, já que o pós-punk do MoB é daquele tipo que não cabe em uma caixa de som adormecida.
Apesar disso, e da simpatia abilolada dos integrantes (que repetiam palavras como "feijoada" e "bacalhau", tentando agradar aos gajos da platéia), o setlist histórico foi fiel ao que se esperava da banda. Músicas novas, do último e do próximo álbum, marcaram presença, mas a glória veio ao som dos clássicos. "Academy fight song", "Thats when I reach for my revolver" e "This is not a photograph" excitaram aquela meia dúzia que viajou só para vê-los - e que acabou atiçando a curiosidade do resto do público, que não fazia idéia do que estava assistindo.
A outra atração importada da noite, alçada a estrela máxima do festival, o Supergrass entrou no palco em desvantagem, encarando uma platéia desanimada pelo cansaço de um dia de shows, pelo gigantesco atraso depois do show broxante do Ira! e pela chuva que resolveu finalmente cair.
De propósito ou não, os ingleses começaram animados, emendando duas faixas do seu primeiro álbum, I should coco: "Lenny" e o hit "Caught by the fuzz". Anularam rapidamente a apatia do público, mas o frio e a grama encharcada falaram mais alto, principalmente ante as composições mais novas.
Eterno lado B do britpop, o Supergrass construiu sua história com calma e sem superexposição na mídia. Ao mesmo tempo, a evolução ajudou a trabalhar o som da banda, que cresceu dos hits semi-adolescentes do início dos anos 90 aos dois últimos discos adultos, Life on other planets e Road to Rouen.
Essa nova fase, apesar de acima da média, foi o que derrubou o show. O vocalista Gaz Coombes emendou praticamente todas as faixas do último disco, a maior parte delas ao violão ou ao piano. Ótimas músicas do calibre de "St. Petersburg", "Roxy" e "Funniest thing" viraram tormentos para quem não podia se dar ao luxo de sentar o traseiro em algo seco.
A metade final do show veio com uma pegada mais rock, passeando pela discografia da banda e por clássicos como "Strange ones", "Grace" e "Pumping on your stereo", que finalizou o set. No bis, o último balde de gelo nos fãs, a banda tocou rapidamente "Sun hits the sky" e saiu do palco sem seu chiclete máximo, "Alright".
Apesar da ótima apresentação, a participação do Supergrass no Campari Rock soou irregular por um pequeno erro estratégico da organização: bandas demais para um dia só no meio do mato, não há quem agüente. Tanto que quase ninguém ficou para ver a ótima rebordose eletrônica do duo Fixmer/McCarthy.
Sorte que o DJ David Carretta, que encerraria o festival em grande estilo, cancelou sua participação na última hora. Ou ele acabaria tocando, como os indies do começo da noite, para as moscas. E mosquitos, abelhas, besouros, joaninhas...














