Música

Entrevista

Megadeth | Kiko Loureiro fala sobre os desafios de estar na banda e o significado de ter um Grammy

Guitarrista brasileiro conquistou um Grammy com os norte-americanos e se apresenta no país na próxima semana

27.10.2017, às 15H44.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H42

Kiko Loureiro é, atualmente, um dos principais nomes do heavy metal brasileiro e mundial. Com quase 30 anos de carreira, o músico acumula feitos como ser um dos principais guitarristas de sua geração e um dos primeiros membros do Angra, com uma história sempre dedicada à guitarra, à música e também ao music business. Atualmente, Loureiro está em um dos momentos de maior visibilidade de sua carreira, já que desde 2015 é um dos integrantes do Megadeth, banda que dispensa apresentações como parte da cena heavy metal e que se apresenta no Brasil nos dias 31 de outubro e 1 de novembro.

Loureiro, que já ganhou o título de melhor guitarrista do mundo, em 2007, e no início de 2017 recebeu com o Megadeth o Grammy na categoria de Melhor Performance de Metal, também é um empreendedor musical que divide um pouco de suas experiências em uma série de vídeos publicada em seu blog e no Youtube.

Falando um pouco sobre cada um desses momentos, o guitarrista de 45 anos conversou com o Omelete e contou alguns detalhes da carreira, sua mudança para os Estados Unidos, Megadeth e claro, sobre ser músico e entender de música.

Para começar, Loureiro está morando nos Estados Unidos desde 2012, algo que - entre outros detalhes - o ajudou a chegar ao Megadeth. “[...] se eu não estivesse morando nos Estados Unidos, o Megadeth não teria rolado”, e segue, “Conheci vários ídolos, fiz som com alguns deles… Sem contar que algumas dessas pessoas acabam sendo seus vizinhos e amigos, algo que abre caminho para outras possibilidades”. O guitarrista está morando em Los Angeles e ressalta que estar em um grande centro do entretenimento possibilita contato com pessoas que estão fazendo atividades diferentes: “Você conhece pessoas que estão fazendo coisas fantásticas”.

Além dos contatos que a mudança de país possibilitou ao guitarrista, será que musicalmente ele já sente diferenças? O destaque principal neste quesito fica por conta da excelência, comenta Loureiro. “A equipe toda já trabalhou com o top de artistas e de bandas de rock. Então, o padrão e o profissionalismo é o que eu tenho aprendido mais”. Mas faz questão de dizer que os desafios exigem ainda mais dedicação para serem deixados para trás, já que precisa lidar com um combo de coisas novas: Nova banda, nova língua [no dia a dia], novo ambiente, nova cultura. “Tá tudo funcionando muito bem e eu acho que o meu maior crescimento é nisso, nem é no quesito prático do instrumento, mas no quesito de relacionamento e profissionalismo, graças a possibilidade de viver e conviver com essa alta-roda do music business”. Mas ele afirma que com todo o processo que passou durante sua chegada no Megadeth, ainda não conseguiu tempo para sentar e criar música, já que entrou na banda e foi direto para o estúdio. “Eu fiquei muito tempo em turnê, desde que a gente gravou o disco em 2015. Mas, com certeza, o próximo trabalho que eu vier a fazer, seja solo ou no Megadeth, vai dar pra sentir melhor se rolou uma mudança na música”.

Os desafios de estar no Megadeth

O músico comenta ainda que entre os desafios de começar algo novo em um organismo  que já está em pleno funcionamento é entender a forma de trabalho já que a cultura da equipe é diferente. “Primeiro tem o desafio de estar em um outro país, com uma equipe totalmente americana, que já tá acostumada a trabalhar com grandes artistas e que já está trabalhando com o Megadeth há um bom tempo. Tem alguns caras que trabalham com a banda há 20 anos, ou mais. Você entra em um negócio que já tá acontecendo. Mas eu não acho que foi algo tão desafiador, por um lado. É desafiador, mas a coisa fluiu. É um nível de excelência altíssimo e você tem que estar sempre atento, se está correspondendo, porque é tudo super exigente. Mas assim, com o Angra, eu passei várias vezes por situações e festivais e shows grandes…”. Para exemplificar como essa adaptação é diferente, o músico usa sua experiência com o Angra, banda na qual tocou de 1991 a 2015, como parâmetro: “[Com o Angra] tem um pouco mais de altos e baixos. Por que você faz um mega show no Japão ou, até mesmo em São Paulo, e depois você vai tocar em uma cidadezinha no meio do Brasil que você não consegue levar a estrutura, não consegue que as pessoas façam do jeito que você gostaria. Então, ou você deixa quieto e nivela por baixo ou acaba virando o chato da vez, tentando fazer melhor. No Megadeth é o contrário. A coisa já tá acontecendo de uma forma que todo dia você tá aprendendo algo. ‘Olha como os caras fazem isso. Como é que eu nunca tinha pensado nisso’. Rola toda hora. Simples detalhes… Fica fácil se adaptar quando a coisa tá fácil. O difícil mesmo é entender o estilo da banda, saber que você tá fazendo com que tudo caminhe pra frente, que as coisas estão crescendo e fazendo sua parte benfeita. Esse é o maior desafio”.

Todas essas mudanças e novidades na cultura profissional e também na base de fãs, com pessoas que acompanham o Megadeth a mais de duas décadas, fazem com que Loureiro perceba novas nuances tanto no contato com as pessoas quanto na sua forma de entregar sua música no palco. “O Megadeth sempre te influencia. A performance do palco, o contato com os fãs, estar mais nos Estados Unidos e também conviver com outro tipo de público que eu não tinha convivido muito. Estar com fãs que acompanham a banda a décadas e também participar de um grupo que tem um público com pai e filho, por exemplo, isso é bem interessante”.

Do Angra ao Megadeth

Quando Loureiro anunciou sua ida para o Megadeth, o músico estava afastado há algum tempo de suas atividades no Angra, mas sua saída da banda não havia sido confirmada. Isso, quase sempre, pode gerar uma repercussão negativa por parte dos fãs, mas o guitarrista comenta que as mensagens que recebeu -  em um primeiro momento - foram positivas: “Foi uma coisa de muito orgulho, no primeiro momento”. No entanto, mais de dois anos após se juntar aos norte-americanos, ele diz que surgem comentários de quem não acreditava que ele duraria tanto com a banda, mas faz questão de ressaltar que está muito bem adaptado à banda. “É engraçado que as pessoas comentam sobre a diferença do som. Parece que eu saí do heavy-metal pra tocar, sei lá… cavaquinho, sabe? As coisas que a gente toca são tão próximas. [...] E claro, tem toda uma estética que não tem nada a ver, mas na parte musical não muda muito”.

Mas mesmo com essa proximidade musical, Loureiro confessa que a sonoridade do Megadeth com uma pegada mais punk-rock e hardcore é algo que o faz estudar um pouco mais. “Eu ouvi um pouco quando eu era moleque, sei do que se trata, conheço as principais bandas, mas não é algo que eu tenha tocado muito. E aí tem umas coisas que o Dave (Mustaine) faz, que vem da escola dele do punk e do hardcore, algo que ele misturou e que às vezes é um pouco mais difícil pra mim, que é novidade… É isso”.

Um Grammy na carreira

Loureiro recebeu um Grammy junto com o Megadeth, no início de 2017, e agora faz parte de um seleto grupo de músicos brasileiros condecorados com o prêmio. No entanto, o guitarrista comenta que ainda não sabe como o prêmio vai impactar sua carreira. “Fica na biografia como uma das coisas principais. Fica como um selo de aprovado pela indústria musical da mídia tradicional”, e brinca, “Fica assim: Nasci, comecei a tocar guitarra e ganhei Grammy”. Porém, mesmo com essa incógnita sobre o uso prático, ele ressalta que o prêmio muda a forma como a mídia olha para o artista, “dá mais notoriedade e respeito entre os artistas fora do nicho do metal”. “Tomara que seja mais do que eu imagino. Que mude completamente minha carreira, que comecem a me ligar para convites mil, que o cachê passe a valer dez vezes mais. Mas só o tempo dirá, né?”.

O mercado da música

Com uma longa carreira no rock, Loureiro - há algum tempo -, também tem aproveitado para falar sobre empreendedorismo musical, um tema que sempre gostou e que faz parte do seu dia a dia. “Eu sempre fui um cara que colocou a mão na massa nessa organização, projetos da banda, na parte financeira, contas, contratos, falar com os caras das gravadoras. E com o passar do tempo eu comecei a ver que isso era fundamental, pois outros artistas que tinham uma carreira promissora eram pessoas que também estavam ligadas nisso. Não dá pra deixar na mão de outra pessoa e achar que as coisas vão acontecer. Você tem que estar ligado”, enfatiza.

Isso fez com que guitarrista seguisse um processo natural, dando dicas para amigos, e questionando sobre o porquê do tema não ser abordado nas escolas de música no Brasil. “Quando eu ia estudar fora, comprava livros, e percebia que ninguém fala sobre esse assunto por aqui, algo que é superimportante. Afinal de contas, o cara estuda música e no dia que acontecer o convite para assinar o contrato: ‘Tá bom, vamos fazer o disco’, o cara não vai saber o que fazer, não sabe nem os termos”.

Depois de um tempo conversando com as pessoas do segmento, Loureiro também percebeu que nem mesmo os empresários conheciam os termos de um contrato. “Então, se o cara mexe com show, o cara não sabe como funciona o contato e os contratos com a gravadora e o músico precisa saber um pouco de tudo, porque ele vai negociar o show, ele vai negociar com a gravadora, lançar material pelo seu próprio selo”.

Essas inquietações, mais a percepção da necessidade de discutir o assunto, o levou a concepção de um curso on-line falando sobre Music Business. “São coisas que eu resolvo todos os dias. Por isso montei um curso online de Music Business, mas que também tem dicas de outros segmentos, como Social Media”. Loureiro segue explicando que saber desses detalhes vai fazer a diferença entre se profissionalizar ou não. “É uma profissão e se você não entende como funciona sua profissão, como você vai se profissionalizar?”.

Por que falar sobre music business?

O início da ideia de falar sobre o mercado da música ganhou mais força na primeira década dos anos 2000 quando Loureiro percebeu o início das mudanças no mercado fonográfico. “Nos anos 90 ainda existia um modelo claro de como a música iria dar lucro. Hoje em dia você precisa ter uma base sólida de fãs, com uma carreira bem desenvolvida”. O músico também comenta que o fato dos músicos, muitas vezes, não querer encarar a música como um negócio, prejudica a criação de estratégias que possam colocá-los no mercado e tornar algo que ele ama em profissão. “Se ele quer viver de tocar, quer lançar um produto, ele precisa entender os caminhos, como é que faz, como é que registra, em qual porta bater, como fazer melhor seu trabalho. É uma questão de criatividade e conceito artístico. É desenvolvimento de carreira, é pensar como um serviço, como um produto que você vai mostrar para as pessoas. Dentro disso tem a parte mais empresarial, você tem que fazer um planejamento financeiro para fazer e entregar um projeto”. Loureiro ainda destaca que o fato de ter aprendido enquanto fazia, o que o levou  a cometer diversos erros, o ajuda no momento de conversar com os músicos para que eles não repitam esses processos.

“Eu fui aprendendo depois que eu já estava no negócio e fiz várias coisas erradas. Os novos músicos não precisam passar por isso”, complementa

Discos importantes em sua carreira

Essa mudança de ares e uma carreira ainda mais global do que em seus tempos de Angra, entender um pouco mais da história de Kiko Loureiro passa por seus discos favoritos. Em um primeiro momento, responder quais os dois discos mais impactantes de sua trajetória não é tão simples quanto parece. “Essa é uma pergunta muito difícil”, mas ele segue, “Eu falaria tipo do Angra… O Holy Land. Sem dúvida um disco muito marcante pra banda e se as pessoas perguntam o que é esse Angra, o que eles fizeram? [esse disco funciona bem pra mostar] Mas é preciso colocar ele no espaço tempo, né? É um disco gravado em 95, mas tem muita coisa brasileira. É um heavy metal com brasilidade e orquestração, foi muito bem recebido em todos os lugares e ainda hoje é bem celebrado pelos fãs”.

Já, como parte de sua carreira solo, suas influências e as sonoridades que ele tenta imprimir em sua música, Universo Inverso, seu segundo disco lançado em 2006, parece ser o mais surpreendente. “Pra quem já me vê como o maior guitarrista de rock e metal, eu convido para ouvir o disco Universo Inverso, porque é o meu universo, inverso do que eu faço no metal. É um álbum de música brasileira com influência de Cuba. Com guitarra e tal. É bem diferente do que as pessoas imaginam quando veem uma foto minha, ou quando veem uma cena do Megadeth”, e aproveita para fazer o link com seu disco solo mais recente, Sounds of Innocence, lançado em 2012. “É o disco mais recente que eu fiz, que já tem uns anos, e tem muito dessa mistura: Um guitarrista que quer ser virtuoso, quer ser brasileiro, quer ser pesado, quer entregar uma coisa mais lúdica, também”. Ouça Universo Inverso.

Kiko Loureiro e o Megadeth vêm ao Brasil para dois shows divulgando o trabalho mais recente do grupo, Dystopia. A primeira apresentação acontece em São Paulo no próximo dia 31, e no dia seguinte o grupo toca no Rio de Janeiro. Ingressos e informações podem ser encontrados aqui.

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