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<i>Matrix</i>: Novo paradigma em efeitos especiais

<i>Matrix</i>: Novo paradigma em efeitos especiais

20.05.2003, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H42

Cena 1: Atocaiada por policiais numa sala fechada, Trinity pula, pára no ar como um Daniel-san high-tech e derruba dois homens com um único chute.

Cena 2: No momento em que alcança a cobertura do prédio onde Morpheus está preso, Neo se vê frente a frente com o agente Jones. No primeiro sinal dos seus poderes singulares, o Predestinado desvia como um contorcionista dos projéteis e sai apenas arranhado.

Cena 3: Depois de salvar Morpheus e Trinity da queda do helicóptero, Neo assiste ao choque da aeronave contra o prédio em questão, um impacto que desestrutura a edificação como uma gelatina gigante e termina numa explosão de estilhaços.

O deleite visual ainda continua. Pessoas efetuam pulos sobre-humanos em câmera lenta, cenários são construídos com grande senso estético e lutas são coreografadas com harmonia rara. Mas aquelas três seqüência descritas acima são as grandes responsáveis pela fama de Wachowskis e Cia. no quesito dos efeitos especiais. Como foi possível? O que é o bullet-time? Quem se aproveitou, para o Bem e para o Mal, do legado de Matrix?

Tempo de bala

Provenientes dos quadrinhos, admiradores dos animês, os Wachowski idealizavam as lutas, os movimentos - e precisavam apenas da tecnologia capaz de colocar isso na tela. Com uma boa fatia dos US$ 65 milhões de orçamento do primeiro filme, o especialista John Gaeta e a sua equipe da companhia Manex criaram os 400 efeitos computadorizados presentes em Matrix com uma técnica peculiar.

Primeiramente, por meio de filmagem tradicional e aperfeiçoamento no computador, a cena é reproduzida numa velocidade ultradevagar. Esse processo permite, por exemplo, aquela cena de Trinity. Ao mesmo tempo, dezenas de câmeras digitais dispostas como uma espiral ao redor do objeto filmado tiram, cada uma delas, uma still (fotografia de cena). Com o conjunto de stills reproduzido a uma velocidade de 12.000 quadros por segundo (uma película roda normalmente a 24 quadros por segundo), os projéteis não são apenas vistos em câmera lenta, mas também em 360 graus. Esse é o bullet-time, ou o tempo da bala. Ou seja, uma técnica de animação transferido para o universo dos atores de carne-e-osso.

Entre 1996 e 1997, época dos primeiros testes, o efeito pôde ser percebido em outros produtos não ligados à marca Matrix - uma vez que a concepção de uma tecnologia não tem dono. Por exemplo, no clipe da canção Little Bitty, do cantor country Alan Jackson, a técnica das câmeras digitais em espiral pôde ser timidamente observada: um movimento que hoje soa tosco, de cerca de noventa graus. As ficções científicas Perdidos no Espaço (Lost in Space, de Stephen Hopkins, 1998) e Wing Commander (de Chris Roberts, 1999), assim como alguns comerciais da marca de roupas GAP, também flertaram com a técnica. Mas nada que se compare à revolução de Gaeta.

Perto de tudo isso, aquela cena do helicóptero, feita com a tradicional explosão de miniatura e em seguida trabalhada digitalmente, parece coisa fácil de se realizar. Os esforços deram à equipe um Oscar de Efeitos Visuais. Hoje, porém, a Manex não existe mais. A empresa fechou e foi substituída pela ESC, financiada pelos Wachowski, pela Warner Brothers e capitaneada pelo mesmo Gaeta.

A mudança ocorreu devido às novas exigências. Em Reloaded e em Revolutions, a aceleração é triplicada, cresce enormemente o número de eventos reais trabalhados no computador. O número de cenas com efeitos, por exemplo, sobe para mil apenas em Reloaded. 95% das cenas tem algum elemento digital. O custo de tudo isso chega, por baixo, a US$ 100 milhões - um terço do custo total para fazer os dois capítulos finais da saga.

Por que tanto trabalho para criar uma segunda revolução técnica? Simplesmente porque os avanços de 1999 se tornaram, nos anos seguintes, uma coqueluche ordinária.

Vacas, ogros e gigolôs


Fiona ataca de Trinity

"Tempo de vaca" em Kung Pow

Tempo de bala 8 bits: Golden Shower

O escolhido

Hollywood vive da reciclagem. E os avanços de Matrix foram tão exaustivamente copiados que hoje servem apenas a comédias e a fitas B de Kung-Fu (paradoxo irônico: os Wachowski se inspiraram nos ninjas e agora servem de modelo). Logicamente, a técnica de filmagem fica para a posteridade e passa constantemente por atualizações, mas sobram películas que reprisam o bullet-time como forma de sátira, tal foi o seu impacto visual.

Fica difícil enumerar todos os filmes, comerciais e programas de televisão que se serviram da descoberta alheia. No próprio ano de 1999, o trailer de Gigolô por Acidente (Deuce Bigalow: Male Gigolo, de Mike Mitchell) dava indícios de que o tom geral seria o do besteirol. Na seqüência em questão, o personagem vivido por Rob Schneider se desvia em câmera lenta de objetos atirados pela amante. Já em 2000, a cena da esquiva, assim como o chute aéreo de Trinity, foram imitados em As Panteras (Charlies Angels, de McG), O Tigre e o dragão (Wo hu cang long, de Ang Lee) e escrachados em Todo Mundo em Pânico (Scary Movie, de Keenen Ivory Wayans) e na divertida película espanhola A Comunidade (La Comunidad, de Álex de la Iglesia).

A melhor versão do ano de 2000, porém, não surgiu no cinema. Em agosto, poucos dias antes de se encerrar o prazo para as inscrições do Video Music Brasil, da MTV local, a dupla de música eletrônica Golden Shower e a produtora de vídeo Lobo correram para finalizar o clipe da música Video Computer System, feita a partir de sons dos jogos do clássico Atari. No ápice do clipe, o personagem de Pitfall, com o seu peculiar contorno disforme e cubicular, desvia de projéteis como um legítimo Neo. O velho e o novo numa mescla genial. E o projeto levou o prêmio do VMB na sua categoria.

Como não poderia deixar de ser, os filmes de super-heróis também recorreram ao bullet-time. Wolverine não se limita a exibir o efeito na Estátua da Liberdade em X-Men - O filme (X-Men, de Bryan Singer, 2000), e também apanha de Lady Letal sob ângulos variados em X-Men 2 (X2, idem, 2003). Homem-Aranha e Demolidor esbanjam maleabilidade em suas aventuras. E até a princesa Fiona, de Shrek (de Andrew Adamson e Vicky Jenson, 2001), encarna a ninja contra o bando de Robin Hood.

Já sem a mesma repercussão, o efeito aparece de novo em O Confronto (The One, de James Wong, 2001), Como Cães e Gatos (Cats & Dogs, de Lawrence Guterman, 2001) e em séries de televisão, como Witchblade e Fastlane. Mas o troféu avacalhação da vez fica com o besteirol Kung Pow - O Mestre da Kung-Fu-São (Kung-Pow: Enter the Fist, de Steve Oedekerk, 2002), lançado por aqui apenas em DVD e VHS. Na cena em questão, o herói trava um duelo árduo com uma vaca implacável, e se desvia agilmente dos jorros de leite da mimosa.

Para finalizar. Curiosamente, de todos os filmes de ação, aquele que melhor se utiliza do efeito é A Senha: Swordfish (Swordfish, de Dominic Sena, 2001), com a bela cena da explosão do banco, logo no início da película. Detalhe: a produção é assinada pelo mesmo Joel Silver da trilogia dos Wachowski.

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