Dragon Ball Daima deu a Akira Toriyama algo que ele nunca teve a vida inteira: a oportunidade de fazer uma série de Dragon Ball curta.
Livre das amarras de editores e a pressão de uma máquina comercial gigantesca que o assolou durante a duração do mangá original, de 1984 a 1995, Toriyama entregou em sua última obra à frente de Dragon Ball tudo o que faz dessa série tão especial, em uma mistura inconfundível de aventura inocente, humor e grandes cenas de luta.
Em apenas 20 episódios - menos do que foi necessário para Goku derrotar Freeza em Namekusei -, a animação passeia por todos os elementos aclamados em quatro décadas de história, ainda que o seu começo não deixe isso tão claro quando Goku, Vegeta e todos os guerreiros Z se tornam crianças após o desejo maldoso do vilão Gomah, sucessor de Dabura como Rei dos Demônios.
Sendo assim, Daima envia Goku para um novo mundo, acompanhado de novos personagens, em uma escolha providencial para dar, pouquinho a pouquinho, o melhor que cada uma das fases de Dragon Ball tem a oferecer.
O movimento de reconciliação com o polêmico Dragon Ball GT, anime do fim dos anos 1990 que não teve envolvimento de Toriyama, é o mais óbvio, com a recuperação de Goku como criança e a reintrodução do Super Saiyajin 4, mas a série vai além, juntando a exploração de um mundo novo e desconhecido com elementos consagrados e até mesmo espaço para inovar.
A recuperação do senso de aventura em busca das esferas do dragão, oriundo dos Dragon Ball clássicos, se encaixa de maneira natural com a tensão de lutas contra inimigos poderosos da fase Z/Super, mas a série também nos dá uma raríssima oportunidade de ver episódios com enredos fechados em si, como no décimo terceiro capítulo, quando Goku e seus amigos se veem presos em um planeta de gigantes.
Quando as coisas parecem esfriar, a introdução do acaso como um condutor frequente de reviravoltas e avanços na trama, muito concentrados na misteriosa figura de Neva, que se apresenta como um velho gagá e se revela um mago poderoso capaz de mudar a trama ao seu bel-prazer e dar algumas piscadinhas na câmera - sim, Toriyama, a gente percebeu.
Tudo isso provavelmente cria mais furos de roteiro para Dragon Ball Super do que qualquer outra coisa, mas pouco importa. Dragon Ball Daima é uma série que se deixa muito mais guiar pela emoção, seja pela vontade de agradar os fãs com transformações pouco utilizadas (ou o retorno de formas populares, no caso do SSJ4), seja pela própria vontade do autor de se colocar literalmente na história para fazê-la andar.
E na parte técnica, o formato curto é um presente para a equipe de animação e finalização entregar cenas de combate dinâmicas e belíssimas em cada um dos vinte episódios, em um contraste gritante com o que Dragon Ball precisou sempre lidar, até mesmo em momentos mais recentes, como no início de Dragon Ball Super, que amargou com uma baixa qualidade de animação.
É claro que o formato mais curto, e as decisões criativas que ele exige, criam consequências tristes, como ignorar em grande parte o elenco de apoio de Dragon Ball, ou até mesmo fingir que algumas figuras não existem, como Gohan, completamente esquecido no churrasco. Mas são problemas que ficam pequenos frente ao que Daima entrega.
Daima provavelmente não vai entrar para a história de Dragon Ball como uma de suas melhores séries, ou uma das mais queridas, mas ela se torna especial não apenas pelo seu timing póstumo - de maneira simbólica, a série se encerra quase um ano após a morte do mangaká.
Mas, tendo a oportunidade de fazer uma saga com total liberdade criativa e sem a pressão comercial que o arrochou durante décadas, Akira Toriyama optou pela aventura, pelo bom humor e pela sensação de descoberta que sempre foram tão ou mais especiais para Dragon Ball do que suas lutas e suas transformações poderosas. Foi uma carta de despedida perfeita de um mestre - e ganhamos todos nós.
Criado por: Akira Toriyama