A Amiga Genial da Coreia? Eu, Você e Toda Uma Vida tem espaço para crescer
K-drama da Netflix começa com ecos da obra de Elena Ferrante - e há piores referências para se ter
Créditos da imagem: Kim Go-eun em Eu, Você e Toda Uma Vida (Reprodução)
Uma escritora bem-sucedida reconta, através de flashbacks, o histórico da amizade turbulenta com outra mulher, atravessando décadas e diferentes eras da vida de cada uma num contato vacilante, mas inegavelmente transformador para ambas. Se a premissa soa familiar, é provavelmente porque você leu a Tetralogia Napolitana, obra-prima da escritora italiana Elena Ferrante, ou assistiu à excepcional adaptação dos livros para a HBO. É também possível que você tenha dado o play em Eu, Você e Toda Uma Vida, novo k-drama da Netflix, que revelou todos os seus 15 episódios nesta sexta-feira (12).
Aqui, Eun-jung (Kim Go-eun, de Goblin: O Solitário e Grande Deus) é uma roteirista de TV que se surpreende quando a produtora de cinema Sang-yeon (Park Ji-hyun, de Você Gosta de Brahms?) lhe agradece nominalmente durante um discurso de premiação. As duas estudaram juntas na infância, e com o passar dos anos forjaram uma relação conturbada, em que companheirismo e rivalidade andavam lado a lado. Há anos, no entanto, elas não se falam - e o incidente do discurso engatilha um longo flashback para nos explicar esse afastamento, enquanto as personagens se reencontram no presente.
Assim como acontece em Ferrante, há algo de retrato de classes no roteiro de Song Hye-jin (Cem Milhões de Estrelas Caindo do Céu). No flashback do primeiro episódio, descobrirmos que Eun-jong vem de uma família pobre, carregada pela mãe solteira que entrega leite nos apartamentos chiques da região, incluindo o da mãe de Sang-yeon. Na imaturidade emocional típica da infância, a jovem estabelece uma relação de admiração e inveja à posição social privilegiada da colega de escola, um sentimento que é reforçado pelas estruturas sociais da sala de aula e do mercado de trabalho.
Esse enfoque na desigualdade é mais gentil que o da Tetralogia Napolitana, uma obra que mergulhava em ideações políticas e caminhos (muitos deles, sem saída) para reverter a ordem social vigente. Eu, Você e Toda Uma Vida mantém um foco mais intimista, mas sua consciência da separação de classes na sociedade sul-coreana - de fato, em qualquer sociedade capitalista - ainda é aguda, e parte integral da narrativa que ela quer construir. Tanto que é através dele que a minissérie vai pintando os subtons conflituosos entre as duas amigas, mesmo que na superfície esses conflitos sejam sobre outras coisas.
Quando Eun-jung e Sang-yeon brigam por pancadas na aula de educação física, ou pela atenção do garoto mais desejado da escola, elas na verdade estão brigando para entender como se comparam uma à outra. São hierarquias de poder que se estabelecem ali, desequilíbrios que elas reconhecem e anseiam por corrigir, até para escapar de destinos que suas famílias e situações monetárias parecem ditar como inescapáveis.
Ter a perspectiva da vida adulta olhando para a infância também faz a diferença, é claro, mas Eu, Você e Toda Uma Vida não chega a dizer que as rusgas adolescentes de suas protagonistas deixaram de importar diante de um amadurecimento óbvio das duas. E nada melhor do que a excelente performance de Kim Go-eun para expressar a nuance dos ressentimentos e hesitações que se acumulam quando Eun-jung recebe o chamado para se reconectar com a velha “amiga”.
É um começo de série promissor no sentido de deixar sua história respirar, e contá-la sem muita pressa. A impressão que fica é que há espaço para Eu, Você e Toda Uma Vida crescer, e talvez até sair da sombra de sua óbvia inspiração italiana.
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