O Mundo do Amor faz jogo de revelações sensível e lindamente atuado
Drama teen sul-coreano mira além do público que normalmente consome o gênero
Créditos da imagem: Cena de O Mundo do Amor (Reprodução)
Os fundamentos de O Mundo do Amor vêm de uma presunção brilhantemente verdadeira: para o observador externo – e o espectador de um filme é, por definição, sempre um observador externo –, tudo e todos são um mistério. Daí que a diretora e roteirista Yoon Ga-eun escolhe nos atirar de paraquedas na vida da adolescente Ju-in (Seo Soo-bin), e dedicar as quase 2h seguintes a levantar as cortinas que a escondem do mundo. Em ritmo muito deliberado de revelações e explicações, ela aos poucos vai desvendando os mistérios de Ju-in, construindo para o seu filme um arco narrativo um pouco diferente daquele que você vai encontrar nos manuais de roteiro por aí.
Vale contextualizar: Yoon, de 43 anos, tem feito carreira no cinema sul-coreano com draminhas independentes focados na juventude do seu país, e nos desafios que ela enfrenta, frequentemente maquiados nas produções mais mainstream que são exportadas para o mundo. Nesse sentido, O Mundo do Amor é herdeiro direto de O Nosso Mundo (2016) e Wurijip (2019), resvalando nos temas que eles já abordaram (bullying, abandono parental, disfunção familiar, vício), mas escolhendo uma rota diferente para mergulhar a fundo.
Dizer muito mais do que isso seria, talvez, manchar as surpresas do filme. Basta apontar que O Mundo do Amor examina as idas e vindas do trauma em uma jovem psique, os sistemas de apoio que ela encontra ou deixa de encontrar no ecossistema contemporâneo, e as maneiras como esse trauma é enxergado e processado por aqueles que estão à sua volta. E que Yoon, é claro, mostra mais uma vez olhar afiado para as vicissitudes de um sistema desorganizado, mas incapaz de reconhecer sua própria desorganização.
Também não falta a O Mundo do Amor, ainda bem, afeto pelos seus personagens. O texto de Yoon não se dá a suavizar os espinhos de cada uma de suas criações, muito menos de sua protagonista, mas consegue encontrar sempre um módico de compaixão por eles. Acima de tudo, porque nos apresenta a cada um deles como um enigma a ser desvendado (não há quase ninguém aqui que não guarde algum segredo, ou que não tenha uma face que ainda não conhecemos), O Mundo do Amor abre espaço para que os atores estabeleçam esses humanos em tela de maneira muito direta, face pública vindo antes de face vulnerável.
Assim, a mãe da protagonista ganha o rosto de Jang Hye-jin, que – como já fez em Parasita – se mostra brilhante em camuflar o humano (mas sombrio) por baixo do humano (mas solar). E a própria Ju-in tem uma defensora poderosamente sensível na estreante Seo Su-bin, que afasta o chavão da sobrevivente de trauma instável e imprevisível para construir uma jovem com vontades ordinárias, capaz de ofuscações e honestidades como quaisquer outras, mas que aos poucos vai encontrando sua voz e lugar no mundo. Uma jornada de revelação dentro da outra, de certa forma, que texto e atriz tecem com desenvoltura.
O resultado de todo esse movimento é um drama de granularidade rara para a cinematografia sul-coreana, e uma história adolescente que estica os braços para além do público que normalmente as consome. Não que O Mundo do Amor se curve à necessidade adulta de prestígio, mas Yoon entende a necessidade de criar histórias que se traduzam com integridade para outras audiências, e encontra a ferramenta perfeita para tal na ideia genial de revelar aos poucos uma humanidade que jamais conseguiríamos ver de relance.
*O Mundo do Amor foi exibido na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ainda não há previsão de estreia no circuito comercial brasileiro.
O Mundo do Amor
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