Com Rich Man, aespa aprende que o pop nunca decepciona
Cansado de quebrar os moldes, grupo se preocupa em preenchê-los
Créditos da imagem: aespa em foto promocional de Rich Man (Reprodução)
Desde o início dos anos 2000, dificilmente um artista passa pela indústria do k-pop sem passar também pelas mãos da compositora e produtora Kenzie. De BoA a TVXQ, de Super Junior (“Devil”) a Girls’ Generation (“Into the New World”), de SHINee a f(x), de EXO (“Wolf”, “Monster”) a Red Velvet (“Psycho”), de NCT a TWICE - há um argumento forte a se fazer por Kenzie como a sensibilidade sonora que moldou o k-pop de forma mais definitiva nas últimas décadas. E ainda assim, curiosamente, o aespa pouco cruzou caminhos com a compositora: Kenzie escreveu “só” cinco canções para o quarteto, e teve seu nome num single do aespa pela primeira vez apenas em 2024, com o hino clubber “Supernova”.
De certa forma, no entanto, dá para entender a pouca intersecção entre essas duas trajetórias, especialmente quando se pensa nos termos de como o aespa foi apresentado para o cenário do k-pop, lá em 2020. Com canções de timbre experimental, como “Black Mamba” e “Savage”, as meninas chegaram com a missão de abraçar destemidamente um mundo pop definido por fragmentação e trepidação, ansioso com a chegada do digital e do artificial, repensando as linearidades em que confiava cegamente até então.
Kenzie era o passado e o presente do k-pop, e o aespa foi criado para ser o próximo passo, o próximo nível. E, por um tempo, elas foram - mas ninguém consegue ser vanguarda para sempre.
Talvez por isso seja um prazer gregário ouvir “Angel #48”, faixa de Rich Man que conta com a assinatura de Kenzie. Introduzida por sintetizadores escrupulosamente comprimidos, que desaguam na bateria eletrônica e nos tecladinhos house providos pelo time de produção LDN Noise, a canção voa mesmo pela estrutura melódica impecável. Construída com gancho em cima de gancho - todo verso, basicamente, traz um mote pop que vai se repetir mais adiante -, “Angel #48” não tem nenhuma vontade de quebrar o molde, mas sabe fazer um trabalho de mestre dentro dele.
E essa é a filosofia que parece mover o Rich Man como um todo. A citação a Cher (“Mãe, eu sou um cara rico”) é o trampolim para a faixa título mergulhar sua mensagem de empoderamento em guitarras distorcidas e sintetizadores industriais, mas a estrutura do single é muito mais convencional do que o usual para o aespa. Vide, inclusive, a repetição ad nauseum do refrão, empilhado em cima de contra-melodias e corais diversos no decorrer dos 3:17 de canção, que é mais estratégia (bem sucedida) de fixação melódica do que provocação.
Logo depois disso, “Drift” e “Bubble” mergulham num hip hop teatral que pouco apareceu na discografia do aespa até hoje, mas o fazem sem esvaziar o som do grupo, nem abrir mão de subversões pop - assobios, freios de carro, percussões em contratempo, trechos melódicos emprestados de cantigas infantis, por aí vai. Há uma agilidade nessas faixas que está aqui para mostrar que Karina, Giselle, Ningning e Winter têm músculos e flexibilidade como artistas pop. Elas são também as canções mais curtas do disco, é claro, mas o tempo não é um problema para Rich Man.
“Count on Me”, do alto de seus 3:33, faz excelente uso de filtros vocais e troca percussão por um sintetizador arranhado que acompanha as vocalistas em um R&B sincopado à perfeição, que não faria feio na discografia de Ariana Grande (se ela tivesse produtores melhores). E “To The Girls”, com 3:34, fecha a tracklist numa power ballad valseada que resgata as guitarras do início do disco para remeter ao pop rock adolescente ultraprocessado dos anos 2000 - no melhor dos sentidos.
Rich Man, no fundo,traz algo de rígido que sempre fez parte do apelo do aespa. Um dia elas já foram desbravadoras musicais, é claro, mas nunca foram imprudentes - suas experimentações nasciam de uma observação de cenário escrupulosa, e uma robustez sonora que poucas vezes decepcionou o público. O que o novo disco faz mesmo é aplicar esse critério a um grupo de canções que demonstram muito mais carinho pelas tradições centenárias de como uma canção pop se enfia em nosso ouvido e nunca mais sai.
Escolha sábia: se o tempo de inovar passou para o aespa, o tempo do pop nunca vai passar.
Rich Man
aespa
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