Cashero traz dilema moral vívido para cenário saturado de super-heróis
Lee Jun-ho estrela k-drama competente, mas muito melhor nas entrelinhas
Créditos da imagem: Cena de Cashero (Reprodução)
“Quero viver uma boa vida”. A proclamação de Kang Sang-woong (Lee Jun-ho), protagonista de Cashero, ecoa por todo o primeiro episódio – e além – do k-drama da Netflix. Mas o que significa “viver uma boa vida”, no contexto do capitalismo tardio? E o que estamos dispostos a arriscar por essa ideia, qualquer que ela seja?
É esse o dilema que faz de Cashero uma lufada de ar fresco para um gênero saturado como a aventura de super-heróis. Seja em blockbusters da Marvel e da DC, ou em “alternativas” propostas por títulos como Invencível e The Boys, o conflito em uma história de seres superpoderosos costuma ser elevado a um patamar que só faz sentido para nós, meros mortais, por extrapolação: se você fosse indestrutível, quem destruiria? Quem você tem o direito de destruir? E o que você vai fazer com essa posição de liderança inescapável, jogada em seu colo pelo destino?
Cashero traz o questionamento para a terra firme. Sang-woong, nosso protagonista, é um funcionário público, vindo de família pobre, que sonha em comprar um apartamento próprio com a namorada, Min-sook (Kim Hye-jun). É quando o pai do rapaz, que ele julgou como um gastador irresponsável por toda a vida, revela um segredo: esse tempo todo, ele escondeu da família todo um leque de superpoderes, que tem usado para ajudar desconhecidos ao seu redor. Agora, ele quer se aposentar, e usar os poderes pela última vez… para transferi-los para Sang-woong.
Acontece que, no mundo de Cashero, superpoderes cobram um preço – literalmente: Sang-woong logo descobre que, sempre que usa sua recém-adquirida superforça, todo o dinheiro que tem no bolso desaparece. E, diante da realidade financeira complicada que ele e Min-sook enfrentam, ela própria (que trabalha como contadora e é apresentada como a “econômica” do casal) conclui que Sang-woong deve evitar ao máximo desfrutar de suas novas habilidades. Mas, quando você pode ajudar os outros, como justificar não fazê-lo?
E assim Sang-woong fica preso numa sinuca de bico genuinamente envolvente, tentando decidir se “viver uma boa vida” significa ter dinheiro para comprar uma casa própria num mercado inflado e inacessível, ou estar em paz com a própria consciência. E Cashero capitaliza (perdoem o trocadilho) a força dessa ideia para criar uma narrativa que, pelo menos nos primeiros episódios, mantém um bom controle sobre a atenção do público.
O roteiro de Lee Jae-in e Jo Chan-ho (O Mito de Sísifo) só não é tão forte, de fato, na comédia. Quando a situação de Sang-woong é empurrada ao limite do exagero para gerar risadas, Cashero tropeça em uma falta de charme até curiosa – mas isso pode ser atribuído tanto a um texto pouco imaginativo quanto a uma direção (assinada por Lee Chang-min, de Bem-Vindos a Waikiki) burocrática. Se a ideia era se aproveitar da latitude fantasiosa da história de super-heróis para fazer graça, falta aqui uma entrega mais frontal aos instintos mais cartunescos do gênero.
A graça de Cashero, enfim, fica nas entrelinhas… e, às vezes, isso é o bastante. Com um questionamento tão vívido a fazer, e tão incomum para o seu filão, o k-drama de super-heróis da Netflix tem tudo para se destacar de um pelotão cada vez mais homogêneo, e cada vez menos excitante.
*Cashero está disponível para streaming na Netflix, com a temporada completa de 8 episódios.