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Eu não sei NADA sobre o Homem-Aranha

Eu não sei NADA sobre o Homem-Aranha

EF
08.05.2002, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H40

Peter Parker (Tobey Maguire)

Tio Ben (Cliff Robertson) e tia May (Rosemary Harris)

Ou quase nada. Sei o básico: que sua identidade secreta (ainda se fala em identidade secreta?) é Peter Parker, um estudante que foi picado por uma aranha radioativa e adquiriu as qualidades desse artrópode, e que mora com a tia May.

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Agora andam me dizendo que a velhinha já era, e que Peter Parker já foi e voltou uma meia dúzia de vezes nas renovações e renascimentos da personagem. O problema é que eu sou uma pessoa clássica (velhusca?). Para mim, o Superman ainda é galante escoteiro azul; Batman está eternamente congelado em sua gostosura milionário-musculosa sem envelhecer um dia; e, sem a menor sombra de dúvida, Peter Parker é o Homem-Aranha e mora com a tia May.

Ia dizer também que o Namor continua falando aquelas frases rebuscadas para sua Lady Dorma enquanto trota seminu pela tela, mas alguém muito mais versado no tititi dos super-heróis lembraria que o desenho animado mudou isso ou aquilo. Então, é melhor deixar para lá.

A essa altura, os conoisseurs também já devem estar afiando as garras para acabar com a minha raça Afinal, como eu ouso falar do Aranha sem conhecer profundamente toda a - desculpe o trocadilho - teia de sua vida? Sinto muito, rapazes, e moças, mas, o filme que aí vem foi feito tanto para mim quanto para vocês. Estamos falando de show business - no fundo, muito mais business do que show -, e pode apostar seu cinto de utilidades que tanto roteiristas como produtores saíram da reunião de aprovação do projeto com uma missão: tornar o Homem-Aranha palatável também para os leigos.

Obviamente, fãs de carteirinha são um dos benefícios do super-herói. Valendo-se dessa vantagem, ele carrega consigo um público cativo e antigo. Com certeza, essa moçada vai ao cinema conferir o filme. Há, no entanto, a $aboro$a possibilidade do camaradinha de colante transformar-se numa franquia que pague a água e a luz do estúdio pelos próximos dez anos.

A mais recente investida na área, X-Men, mostrou que quadrinhos podem ser lucrativos na telona. Daí, a enxurrada de projetos, no momento, correndo de mesa em mesa em Hollywood. É o mesmo princípio por trás de todas as ondas de filmes sobre o mesmo tema. Já tivemos o verão dos meteoros, os dois filmes sobre vulcões, a fornada de ficção científica, tudo sempre inspirado pelo som das moedas tilintando no cofre do estúdio vizinho.

Os mais poéticos chamam essa coincidência de sinergia. Vamos direto ao ponto sem firulas: é interesse comercial puro. Não é à toa que Tom Cruise anda chocando O Homem de Ferro ou que Nicholas Cage tenha enfiado na cabeça que vai ser - que Crom não permita - o primeiro Superman com cara de pidão de toda a história.

Por isso, fãs históricos, lamento informa-los, mas os não-conhecedores formam o grosso do público. É em nome deles que uma parte considerável do filme dedica-se a explicar a origem do protagonista. Só assim, o leigo pode-se introduzir neste complexo universo de superpoderes, vinganças, guerras galácticas e filhos sem pai.

Hora da aula

Os recursos para a entrada no universo do super-herói são inúmeros e variam conforme o talento do roteirista e do diretor, mas, acima de tudo, da robustez do orçamento.

Em O Juiz (Judge Dredd) - sim, eu sei que o filme é uma porcaria - foi usada a forma mais simples e mais barata: um texto subindo na tela explicando o cenário e a origem dos juízes. Em O Fantasma -aquele treco protagonizado por Billy Zane -, os não-fãs são publicamente reconhecidos como aqueles que vieram depois numa narração em flashback que estabelece o cenário logo no início. Mais tarde, o próprio herói explica quem é a Diana Palmer.

O flashback, aliás, é instrumento de praxe. Sempre eficaz, economiza um bocado de tempo. Em Superman - O filme, é empregado para mostrar o nascimento e os poderes do Último Filho de Krypton. As informações são complementadas depois, na voz inaudível de Marlon Brando. Foi para lá de desnecessária, mas justificou os números cetáceos de seu salário. Recurso semelhante foi usado em Blade, com o nascimento do garoto no início e as explicações finais dadas por Whistler.

Em Dick Tracy, filme que, em momento algum, tentou iludir o público fazendo-se passar por realidade, Tess Truehart explica, numa só frase quem é o detetive que dá título à película. Também é uma mulher, a bela repórter Vicki Vale, que, em Batman, trata de esclarecer os meandros da vida de Bruce Wayne por meio de uma investigação jornalística.

Em todos estes exemplos, o elemento comum é o outsider, alguém como o público que, pela primeira vez, entra no universo da personagem e descobre o que está acontecendo. Não raro, o papel cabe a uma mulher. Seria por que falta aos homens o simancol que os levaria a questionar as estranhezas ao seu redor? Sabe do que estou falando? Adão passaria a eternidade sem investigar o que a cobra fazia na macieira. No entanto, não se pode ignorar que a maioria dos super-heróis são machões espumando testosterona e a presença de uma namorada melhora muito a imagem de um cara que anda por aí de malha colorida.

Numa variação interessante, em X-Men, o passaporte não faz parte do público comum. Nossos companheiros de viagem são os próprios heróis, Wolverine e Vampira, tão ignorantes quanto o cara que, antes de entrar no cinema, achava que X servia apenas para dar nome a sanduíche com queijo. Suponho que esta seja a opção escolhida para O Homem-Aranha, onde vamos acompanhar Peter na aquisição e descoberta de seus poderes.

Outro elemento primordial na introdução da personagem para o público leigo é seu visual.

Em priscas eras, o Superman obviamente vestia-se de azul, mas, com as mudanças perpetradas pelas editoras e desenhos animados, hoje há mais possibilidade de se enfiar os pés pelas mãos. Nada impede - sei lá! - um Batman com mamilos!!! Por outro lado, o visual clássico - colante, meia-calça colorida e cueca por fora - aceito pelo moleque de dez anos, encontra problemas de credibilidade e respeito no cínico mundo de hoje.

Em Lois & Clark, as novas aventuras do Superman, os produtores levam a questão numa boa, com a mãe do herói garantindo que, com uma roupa daquelas ninguém vai prestar atenção no rosto de Clark. Assim, fica preservada sua identidade. Uma série de TV, no entanto, tem uma hora semanal depois do piloto para refinar sua visão, afinar-se com a audiência e corrigir eventuais furadas dizendo que tudo não passou de um sonho. No cinema, as duas horas entre o início e o fim dos créditos são tudo que o roteirista tem. Algo precisa ser feito para explicar por que o protagonista decidiu sair na rua com um visual apropriado para países ao sul do equador em fevereiro.

No que tange o quesito indumentária, a produção de X-Men fugiu da raia. Optou por um novo visual mais afeito à moda do couro preto lançada por Matrix. E encarou, com humor, as possíveis críticas quando Ciclope pergunta: você preferia Lycra amarela? Venhamos e convenhamos: por mais fiel que seja, a idéia de Hugh Jackman vestido como nos gibis não parece das mais dignas.

Tradicionalmente, no entanto, o cinema tem preservado a imagem mais corriqueira dos super-heróis, principalmente dos mais conhecidos como é o caso do Aranha. O grande público pode não saber se os disparadores de teia são artificiais ou uma alteração genética, mas quem nunca viu seu uniforme vermelho e azul? Dinheiro e tecnologia podem realçar as teias sobre a malha, mas a cor e o padrão são um bem inestimável com um grau de identificação indispensável.

Respeito é bom e eu gosto

O foco do filme, então, centra-se somente nos milhões de leigos espalhados pelo mundo? Não, pois o público pré-existente, que convenceu o estúdio cinematográfico a fazer um filme baseado em gibis, tem enorme influência sobre os não-fãs.

O público médio não reclama de infidelidades no roteiro de O Homem Aranha, mas, assim que os fãs começam a fritar o filme na internet e nos jornais, o não-aficionado foge do multiplex. Foi o que aconteceu quando mostraram o rosto de Dredd em O juiz só porque debaixo da máscara estava Sylvester Stallone.

Muitos estúdios estão aprendendo que, para manter o público nas salas, também é vital agradar os fãs. Isso explica a pequena cena com Kitty Pride atravessando a porta em X-Men. Era o modo dos roteiristas dizerem a gente sabe do que está falando, que há outras personagens que você queria ver, mas só temos duas horas e o contador do estúdio está fungando no nosso pescoço. Simples, eficiente, gerou horas de discussão entre os fãs sem alienar os demais, e ergue a imagem da franquia como uma série que respeita os quadrinhos.

Efeito semelhante tem o comentário de que os pais de Peter Parker morreram num acidente de avião. Para o espectador médio bastaria dizer que morreram. Para os fãs, é sinal de reconhecimento. Resultado de uma estratégia detalhada, esse toque estabelece um delicado equilíbrio capaz de colocar lado a lado aficionados e leigos. Não é o suficiente para garantir sucesso, mas, sem sombra de dúvida, sinal de que quem tem a câmara na mão importa-se com todo seu público.

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