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Além do Guarda-Roupa faz “k-drama br” com dose certa de ironia e reverência

Vendida com gancho da cultura pop coreana, série triunfa graças à sua “Cinderela paulista”

Omelete
4 min de leitura
20.07.2023, às 15H13.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H45
Cena de Além do Guarda-Roupa (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Além do Guarda-Roupa (Reprodução)

Era uma questão de tempo até que a popularidade ascendente dos k-dramas e do k-pop gerasse tentativas “importadas” de replicar o feitiço que o entretenimento sul-coreano lançou sobre o público. Os EUA deram a largada nessa corrida com a estreia de Com Carinho, Kitty, da Netflix - mas, correndo o risco de soar bairrista, a brasileira Além do Guarda-Roupa, que estreou hoje (20) no catálogo da HBO Max, tem tudo para ser um azarão vitorioso.

A razão para o triunfo da série é muito simples: ela nunca escolhe o caminho mais fácil. Apresentados com a escolha entre importar as convenções das novelinhas sul-coreanas para um cenário nacional ou criar uma paródia ácida dessas mesmas convenções, o time de roteiristas liderado por Andréa Midori Simão (3%, Temporada de Verão) e o time de diretores liderado por Marcelo Trotta (Tudo Igual… SQN) decidem… bom, meio que fazer as duas coisas, mas também meio que não fazer nenhuma delas.

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O resultado é uma história que funciona a partir das próprias regras. Além do Guarda-Roupa empresta das séries românticas sul-coreanas, com muito carinho e sem nenhum cinismo, a forma como elas se entregam desavergonhadamente ao female gaze,naquele sentido tradicional da expressão. Pense na troca de olhares filmada em câmera lenta, no filtro de câmera que suaviza a pele dos atores e adiciona aquele véu leitoso e cintilante por cima das ações dos personagens apaixonados - você entendeu o que queremos dizer.

Assim, é claro que a abertura de um portal entre o quarto da adolescente coreano-brasileira Carol (Sharon Cho, um poço de carisma) e o dormitório dos superastros do k-pop ACT acaba desaguando em um triângulo amoroso entre ela e dois integrantes diametralmente opostos do grupo: o bad boy Kyung-min (Kim Woojin) e o gentilíssimo Dae-ho (Jin Kwon). Inteiramente versados na construção dos arquétipos que interpretam, os dois atores (e cantores) sul-coreanos surgem na tela como avatares perfeitos da paixonite adolescente, e servem como fios de esperança necessários para  a história difícil que a série conta ao redor do romance.

Sim, porque Além do Guarda-Roupa é essencialmente Cinderela ambientado no bairro sul-coreano de São Paulo (que a série sempre evita chamar pelo nome, Bom Retiro) - e isso significa colocar a protagonista em uma posição de desvantagem para que seu eventual triunfo, de qualquer forma que ele vier, seja mais doce. Ou seja: dá-lhe mostrar Carol sendo explorada pela tia, Regina (Júlia Rabello), que também é sua chefe no café onde trabalha; sendo objetificada pelos colegas de escola, que se veem obcecados pela cultura sul-coreana; sendo subestimada tanto por sua professora de dança (Ana Botafogo) quanto pelo próprio Kyung-min na busca do seu sonho profissional; e sendo assombrada pelas lembranças do pai, que a abandonou para retornar à Coreia do Sul.

Difícil pensar em narrativa mais querida do público brasileiro do que essa, a do vira-lata que rala muito em busca do sucesso, que vence mesmo sem o apoio institucional e interpessoal que todos nós tomamos por certo. Somos obcecados por esse tipo de história, a um nível que chega a ser doentio - especialmente quando se trata de acessibilidade da educação, e você deve saber do que estou falando. Além do Guarda-Roupa também sabe disso, e se posiciona no limiar entre usar a sua figura de gata borralheira para engendrar simpatia e usar o humor para apontar o absurdo arrepiantemente realista da situação.

É nesse sentido que a série tende sempre a utilizar a comédia. Ao invés de ridicularizar os códigos do k-drama ou do k-pop, por exemplo, a produção prefere ironizar a forma como o consumidor branco da cultura sul-coreana não se atenta à humanidade daqueles envolvidos no entretenimento que consome. Os personagens que instrumentalizam a proximidade com a protagonista para levantar capital social não são poucos, e são uniformemente ridicularizados como fúteis e incapazes de uma conexão cultural verdadeira. Ainda melhor, Além do Guarda-Roupa se mostra criativa nas soluções visuais que apresenta para mesclar humor físico e observacional.

A escolha mais corajosa da série, em suma, é apostar no trabalho difícil e recompensador de construir uma ponte entre duas dramaturgias tão superficialmente distintas, mas tão intrinsecamente conectadas, quanto a brasileira e a sul-coreana. Assim, Além do Guarda-Roupa escapa de ser uma imitação ou importação determinada por algoritmo, e se posiciona como tentativa valorosa de entender de que forma esses dois mundos podem se comunicar para atingir um objetivo dos mais nobres que qualquer um pode ter: o de contar uma boa história.

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