Em experiências interativas, a ambientação e a ação do usuário tentam se equilibrar para formar um produto coeso. Dentro dos games, essa balança pesa para um dos lados dependendo da proposta: em Hellblade 2, por exemplo, a ambientação predomina em um ambiente que não é tão interativo assim; em jogos como Dark Souls, a ação do usuário é o mais importante. South of Midnight faz o jogador refletir sobre esse equilíbrio, propondo um universo fantástico, em todos os sentidos, sem se comprometer muito com a jogabilidade.
O game da Compulsion te leva para o sul dos Estados Unidos, região criminosamente pouco explorada nos jogos. Poucos títulos tiveram a ousadia de se aprofundar nessa cultura tão única e simultaneamente rica, com Hunt: Showdown sendo um dos poucos exemplos a serem citados. Claro, há nomes maiores, como Call of Duty: Black Ops 4 e Resident Evil 7, ambos com a Louisiana como cenário, mas as particularidades de lá ficam apenas na superficialidade.
Desde o primeiro segundo, não há dúvidas de que a aventura será mais artística do que o comum. A cena de introdução do game é um belíssimo stop-motion, que chegou a ser divulgado antes do lançamento, já carregado pelo estilo musical que predomina ao longo das pouco mais de 10 horas de campanha, assim como pela identidade visual, com personagens que parecem esculpidos na argila.
O jogo logo nos apresenta à protagonista Hazel, e sua mãe Lacey. A dupla, que mora na vila fictícia de Prospero, está enfrentando mais uma temível tempestade, e se prepara para ficar alguns dias em um abrigo. A filha passeia pela vizinhança em busca de alguém que precisa de ajuda, e pode apenas assistir enquanto sua casa é levada pela chuva.
Hazel corre desesperadamente para tentar resgatar sua mãe, mas perde a casa de vista e precisa recorrer a sua avó, Bunny, que não é exatamente a pessoa mais simpática de todas e mal sentiu a tempestade em sua mansão.
Entre as antiguidades da casa, a protagonista enfim encontra os equipamentos que irão acompanhá-la em sua jornada, todos ligados à costura. Depois de ser trancada em seu quarto pela própria avó, ela percebe que há algo de errado e decide buscar sua mãe sozinha, dando início à jornada.
Hazel é uma Tecelã, uma pessoa que consegue enxergar os fios que conectam nosso mundo, e manipulá-los à sua vontade. Seguindo a sombra de uma outra Tecelã, ela aprende que pode pular mais alto, planar e, claro, atacar horrendas Assombrações usando suas novas habilidades.
A aventura de 14 capítulos se alterna entre momentos de exploração, combate e desafios de plataforma. Nas lutas, o jogador precisa derrotar um número determinado de inimigos e desembaraçar um nódulo maligno, liberando a área à frente; há sempre um orbe de cura, que pode ser usado uma vez por sequência de batalha, e uma variedade modesta de inimigos.
A protagonista logo aprende técnicas simples, como puxar ou empurrar inimigos, e prendê-los com uma rede de fios. Conforme o jogo progride, uma árvore de habilidades traz uma ou outra nova carta para sua manga, como um ataque especial em área e até uma marionete que possui os inimigos temporariamente.
Essa árvore, por sua vez, é alimentada pela exploração. Ainda que bastante linear, chegando a ter um botão dedicado para mostrar o caminho ao jogador, South of Midnight tem bastantes desvios em seus caminhos; em quase todos, Hazel encontrará Felpos, pequenos acúmulos de energia que podem ser trocados por um novo poder.
A sequência de combates e explorações leva Hazel a cenários folclóricos, que é onde o jogo realmente brilha.
Toda a jornada é permeada por referências à cultura da Louisiana, Alabama, Georgia e outros estados do sudeste estadunidense. Talvez a primeira dessas menções seja a Árvore de Garrafas, citada em lendas como uma forma de atrair espíritos. Em South of Midnight, essas árvores servem para guardar mágoas reprimidas, e para avançar, Hazel precisa ajudar alguns personagens a se conciliarem com seus traumas.
Esses pequenos contos são narrados por meio de memórias, mostradas após desembaraçar alguns dos nódulos que surgem ao enfrentar inimigos. Ao coletar todos os capítulos de uma nova fábula, Hazel é quase sempre confrontada por Roux, personagem que a persegue com uma espécie de sombra monstruosa e gigante — finalmente introduzindo as sequências de plataforma.
A protagonista pode usar pulos duplos, esquivas, correr pelas paredes e até planar. Tudo isso é necessário para caçar Felpos e avançar pelos cenários, mas o jogador terá de combinar esses diferentes comandos para escapar das garras de Roux.
Após escapar, o jogador finalmente está livre para resolver os traumas sobre os quais acabou de aprender, o que pode levar tanto para batalhas de chefão quanto para mais sequências de plataforma, em momentos que costumam encerrar os capítulos da história. A dinâmica pode até parecer cansativa, mas ganha vida na trilha sonora.
As músicas de South of Midnight são, de forma genial, construídas ao longo dos capítulos. Suas letras, afinal, quase ditam os acontecimentos que Hazel acabou de testemunhar; no início dos capítulos, elas são discretas e as palavras são emboladas; aos poucos, elas ganham mais e mais potência, até tomarem o protagonismo nos momentos finais de cada fábula.
As histórias de Huggin Molly, Two-Toed Tom, Rougarou e várias outras são declamadas nos ritmos do jazz e do blues. Esses nomes podem não fazer muito sentido à primeira vista, mas logo fica claro que são lendas urbanas do sul dos Estados Unidos, todas reinterpretadas para se encaixarem na jornada de Hazel.
O lado artístico de South of Midnight é impecável. Trilha sonora e estilo gráfico criam algo único, mas o equilíbrio entre ação do usuário e ambientação precisa ser respeitado: ainda que lindo, o jogo fica em cima da nota de corte quando estamos falando de gameplay.
A variedade de inimigos não atinge uma dezena, e ainda que o combate evolua ao longo da campanha com novas habilidades, ele passa longe de ser memorável. Lutas contra chefões, ainda que tenham uma trilha sonora excelente, perdem o brilho com comandos repetitivos e, eventualmente, frustrantes.
South of Midnight é, afinal, um jogo de médio porte e que não almeja escopos de Triple-A. Ainda que projetos como esse criem pérolas como Split Fiction e Astro Bot, eles são arriscados em uma indústria que, cada vez mais, valoriza títulos gigantescos e indies carismáticos — sem muito espaço para meios-termos.
Mesmo a Capcom, que emenda sucessos há mais de cinco anos, teve um pequeno asterisco em seu gráfico de vendas com Kunitsu-Gami, que propunha experimentação e uma escala mediana. É frustrante que haja pouco espaço para jogos como esse, mas é a realidade das desenvolvedoras atualmente.
Ao menos, por estar no guarda-chuva da Microsoft, a Compulsion terá a vantagem do Game Pass já no lançamento. Sem isso, é difícil enxergar um mundo onde South of Midnight sobreviveria.
A perspectiva é triste, mas não apaga a excelência do game. Ousando explorar uma região quase desconhecida para os games, trazendo as lendas do Bayou para um meio completamente novo e preenchendo essa história com estilo gráfico e trilha sonora dignos de aplausos, South of Midnight tropeça num gameplay que não é nada além de competente, mas consegue levantar e alçar um voo que mostra fantásticas paisagens.
South of Midnight
South of Midnight
Lançamento: 08.04.2025
Desenvolvedora: Compulsion Games
Publicadora: Xbox Game Studios
Gênero: Ação e Aventura
Classificação: 16 anos
Plataformas: Xbox Series X , PC
Testado em: Xbox Series X
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