Séries e TV

Artigo

Flash x Flash | A história do herói da DC na TV

Um personagem, duas séries e um mundo de distância entre a TV dos anos 1990 e a programação de hoje

18.05.2015, às 16H08.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

O medo é a emoção mais viva em Hollywood, esse nome que representa toda a produção de TV e cinema dos Estados Unidos - mesmo quando as câmeras rodam em Santa Fé ou no Canadá. Medo da estreia, medo de não ter audiência, medo de não ser renovado... Daí o desespero para encontrar "propriedades", títulos que já venham acompanhados de fãs, diminuindo o risco dos assustados executivos da indústria. Afinal, se deu certo uma vez, é só repetir. Para falar a verdade, se deu errado também - para o que é que existem as refilmagens? Foi assim que acabamos com duas adaptações de Flash, uma nos anos 1990, outra em 2014, as duas com estreias bem parecidas, cercadas de muita fanfarra e expectativa.

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Produzida por Danny Bilson e Paul De Meo através de sua produtora Pet Fly, The Flash (1990-1991) em 1990 tinha música tema de Danny Elfman, recém-saído do sucesso de Batman; além do trabalho do designer Robert Short, vencedor do Oscar de melhor maquiagem por Beetlejuice, que criou a roupa do personagem. O resultado foi um piloto de US$ 6,5 milhões de dólares, dos quais US$ 100 mil foram gastos somente com a produção dos quatro trajes do Velocista Escarlate, cada um composto por 30 peças de látex moldadas e cobertas por fibra eletrostática. Era uma armadura tão quente que obrigou o uso de um sistema de resfriamento idêntico ao usado por pilotos de corrida. Cada episódio custava cerca de US$1,6 milhão num ciclo de nove dias de produção, números que teriam um papel decisivo no destino da série.

Desconhecido fora dos Estados Unidos, John Wesley Shipp vinha de duas vitórias consecutivas em programas diferentes como melhor ator dramático no Emmy dedicado à programação diurna, feito inédito numa época em que as novelas exibidas à tarde tinham audiência idêntica à da programação noturna. Selecionado entre setenta candidatos, Shipp venceu o medo de atuar vestindo um collant vermelho graças à dramaticidade que viu no personagem. Unindo características de várias encarnações do Flash nos quadrinhos, o Barry Allen de 1990 é filho de um policial aposentado que vê o caçula que trabalha como cientista forense como um elemento estranho, e que tem como favorito o filho mais velho, policial de rua como ele. Num diálogo emblemático no piloto, ao ouvir a mãe recomendando cuidado a Barry, o pai alfineta que o maior risco que o filho corre é bater o dedão em alguma coisa. Outro elemento que agradou Shipp foi o fato de Barry não assumir o posto de justiceiro e sair salvando o mundo logo após descobrir seus poderes. Somente quando o irmão é morto por uma gangue de motoqueiros que Barry inicia sua carreira como herói.

Com um tom mais otimista, a série de 2014 produzida por Greg Berlanti, Andrew Kreisberg e Geoff Johns aproveitou o sucesso de Arrow para lançar The Flash (2014-) dentro do mesmo universo e escalou Grant Gustin para o papel principal. A escolha do ator de Glee, dez anos mais jovem que Shipp quando assumiu o papel e com um tipo físico menos carregado de massa muscular, confirmou o foco da nova versão de Flash no público jovem. Nenhuma surpresa para uma produção do canal The CW, que quer repetir com a nova série o sucesso que teve com Smallville e Arrow apostando justamente na adaptação de quadrinhos para essa faixa de público.

Mas apesar da pegada mais divertida do que a série de 1990 e da linha angustiada de Arrow, Gotham e Constantine, a nova série possui um elemento narrativo que faltava à sua antecessora, o arco dramático, representado pela morte da mãe de Barry quando ele tinha 11 anos. Praticamente obrigatório nos seriados nos últimos tempos, o arco dá ao personagem uma missão contínua e mais profunda do que vencer o bandido da semana, sustentando a série com a busca pelo assassino e a libertação do pai de Barry. No caso de Flash, o arco também reflete a mudança dos tempos. Sai a família tradicional da primeira série e entra Joe (Jesse L. Martin), o pai que cria a filha sozinho e que assume Barry após a morte da mãe do garoto e prisão do pai - somado ao fato da família adotiva ser afrodescendente. A morte da mãe de Barry é ainda um agrado aos leitores dos quadrinhos, que reconhecem o enredo das revistas dos anos 1980.

A origem do Flash também ganhou alterações na série de 2014, com a combinação de relâmpago e produtos químicos dos quadrinhos usada em 1990 substituída pelo efeito do disparo de um acelerador de partículas. A troca insere no roteiro um elemento de deliberação, com Flash deixando de ser criado pelo acaso dos poderes da natureza e passando a fazer parte de um plano cuidadosamente arquitetado. O herói também ficou mais frágil. Após a descarga eletroquímica de 1990, Barry precisou apenas de uma ligeira passada pelo pronto-socorro. Na nova série, foram nove meses em coma.

Além do visual difícil de traduzir para o live action, os personagens de quadrinhos oferecem outro obstáculo na hora de ir para a tela: os mesmos superpoderes que os tornam tão legais no papel são complexos de colocar em cena. Com Flash, as duas séries contaram com os melhores efeitos visuais disponíveis, o que e 2014 significa ter à disposição um dublê digital de Grant Gustin. Fruto da tecnologia de captura de imagens, o dublê digital entra em ação quando a cena mostra o tempo em velocidade reduzida à volta de Flash ou em momentos de alto risco. Se estivesse disponível nos anos 1990, teria poupado Dane Farwell, dublê de John Wesley Shipp, de aterrissar no concreto depois de voar por uma janela ou do próprio ator estourar o cotovelo numa queda. Sem o recurso, além de acidentes como esses, a série precisava filmar Shipp duas vezes na mesma cena e combinar as imagens para criar o efeito borrado do personagem em supervelocidade, o que significava mais custo e mais tempo.

Mas o que realmente tirou a primeira The Flash do ar foi uma falha estratégica. Confiante de que tinha um estrondoso sucesso nas mãos, a CBS colocou a série para competir com a campeã de audiência do período, The Cosby Show. O problema é que a Fox escalou Os Simpsons para o mesmo horário. Com duas séries disputando o mesmo público, The Flash saiu perdendo. Os custos entraram em cena, Bilson e De Meo não aceitaram baixar o padrão que achavam essencial e a série foi cancelada ao final da primeira temporada apesar das promessas de merchandising e de incluir mais vilões dos quadrinhos no segundo ano.

Lançado num ambiente em que a competição inclui streaming e vídeo por demanda, a nova The Flash venceu a guerra da audiência apostando em sua mitologia interna. Revelando pouco a pouco o que de fato está por trás da morte da mãe de Barry, a série manteve o público ligado de um episódio a outro. A produção também soube aproveitar a existência da série de 1990, escalando Shipp como o pai de Barry e aproveitou sem dó a volta de Mark Hamill a Star Wars para trazer o ator de volta como Trapaceiro, o mesmo vilão que ele interpretou na primeira série. O resultado foi a renovação para a segunda temporada.

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