Viúva Rica Solteira Não Fica
Co-produção Brasil-Portugal não se sai mal
Por mais incrível que possa parecer para cinéfilos mais incautos, quando se fala em cinema português hoje em dia geralmente é sobre a boa qualidade dos seus filmes. O cinema lusitano foi tomando lugar de destaque no cenário mundial nas últimas duas décadas, principalmente por conta da confirmação do veterano e quase centenário Manoel de Oliveira como um dos principais e mais profícuos autores em atividade. Nesse ínterim surgiram nomes acima de qualquer suspeita, como o do falecido e anárquico João Cesar Monteiro e seu cinema que desmontava rigorosidades sociais, ou os "complexos" Teresa Villaverde e Pedro Costa - uma, com um cinema radical, na busca do âmago e das razões dos intrincados meandros dos desejos ocultos, que afloram como aberrações extirpadas quase a fórceps (literalmente, inclusive); outro, com um modo muito particular de fazer ficção, contando histórias documentais dos imigrantes caboverdianos exilados nas periferias de Portugal, e representados (ficcionalmente) por elementos não artistas da própria colônia.
De repente surge um filme de nome para lá de estranho, Viúva Rica Solteira Não Fica, com a brasileira Bianca Byington como o elemento de mais familiaridade para os que conhecem o cinema da terrinha, e dirigido por um diretor (José Fonseca e Costa) que não consta dos catálogos desses mesmos cinéfilos; cabendo ressaltar que não se trata de realizador iniciante, já que nasceu em 1933, e tem perto de vinte filmes em seu currículo.
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http://www.omelete.com.br/imagens/cinema/artigos2/
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Já de início uma surpresa: estamos diante de um filme de época. Quando se falava em obras portuguesas de qualquer origem até meandros dos 80, quase sempre imaginava-se trabalhos que remontavam aos tempos do país como grande potência colonizadora. Algo mudou com o surgimento de alguns escritores "modernos" - notadamente, o de José Saramago como um "avatar das letras" -, o despertar para o mundo de alguns artistas plásticos de renome e essa geração de novos cineastas com seus novos cinemas. Há uma corrente que defende que essa "modernização" no modo de se encarar a si mesmos, talvez tenha como pilastra mais notável - e absolutamente concreta - o momento da reconstrução e remodelação de Lisboa (investimento forte da Comunidade Econômica Européia); como se novos horizontes finalmente tivessem se apresentado como paisagem, em substituição à das edificações coloniais.
Voltando à história que se passa em fins do século 19, tudo começa com a volta a Portugal de uma jovem aristocrata que vivera no nordeste no Brasil. Ana Catarina (Bianca Byinghton) acaba de ver sua mão prometida contra a vontade, vítima daquele velho jogo de conveniências. De família muito rica, subitamente vê-se herdeira da fortuna com a morte do pai, paralelamente à do marido. Como numa peça teatral - pelo modo de construção da película, e mais ainda pelo modo como é construída a trama - sucessões de maridos vão passando pela cama e vida dela. Torna-se viúva repetidas vezes de modo inexplicável, a princípio, e caminha na história sempre amparada pela velha ama, Mariana (Cucha Carvalheiro), e por um velho abade (José Raposo). Logicamente, Ana passa por todos esses momentos de casamentos à espera do momento em que poderia dar uma chance ao desejo carnal verdadeiro: de nome Adriano (Ricardo Pereira), evidentemente bem mais jovem que os falecidos.
O veterano e desconhecido diretor até que não se sai mal. Até a falta de familiaridade com seu estilo de filmar acaba contribuindo. Algumas surpresas estéticas surgem na tela; um certo dinamismo também. O filme esbarra, porém, no perigo de sua duração alongada (135 min.), assim como na "cara" de teatro da história e no velho problema do enfoque de época sem muito dinheiro para adornar a produção. Mas tem um humor interessante, uma trama razoavelmente atraente - com um quê a mais que a tira da probabilidade de contar mesmices históricas sisudas -, e a nossa atriz patrícia, que consegue emprestar um certo ar de sensualidade que vai além das expectativas iniciais. Uma obra média, que não fará mal a quem resolver prestigiá-la. Mas também não enriquecerá quem optar por vê-la.
Cid Nader é editor do site cinequanon.art.br
