Ventos da Liberdade
Grande vencedor de Cannes 2006 entra em circuito no Brasil
Ventos da liberdade (The wind that shakes the Barley, 2006) foi o grande vencedor do Festival de Cannes de 2006. Já estava na hora do veterano e talentoso cineasta Ken Loach ser premiado. Ele já tinha participado sete vezes da corrida à Palma de Ouro e embora este não seja o seu melhor filme, é uma inspiração para novos cineastas.
Na Irlanda, em 1920, trabalhadores do interior do país se organizam para enfrentar os esquadrões britânicos que chegam para sufocar o movimento pela independência. Cansado de testemunhar tanta brutalidade, Damien, um jovem estudante de medicina, abandona tudo para juntar-se ao irmão Teddy, que há tempos já aderiu à luta armada. Quando as táticas não-convencionais dos irlandeses começam a abalar a supremacia dos soldados britânicos, o governo se vê forçado a negociar e os dois lados discutem um acordo de paz. Nesse momento, na Irlanda, aqueles que estavam unidos pela independência se dividem entre os que são a favor e os que são contra o acordo, deixando os irmãos em lados opostos de uma nova guerra, agora interna.
http://www.omelete.com.br/imagens/cinema/artigos2/
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Ken Loach é um cineasta socialista e suas produções são carregadas de mensagens políticas. Quem conhece seu trabalho sabe que seus filmes sempre envolvem situações do estilo Davi contra Golias, isto é, entre o comum e o poderoso. Mais preocupado com a composição poética do que com o formato, sua narrativa é predominante convencional. Mas engana-se quem acha que isso seja um demérito. Pelo contrário. Seus filmes costumam acertar no coração do público. Seu tema preferido é apresentar as relações humanas em meio a um forte cenário político.
Ultimamente, Loach parecia estar mais preocupado com os relacionamentos do que com a política. Apenas um beijo (2004) e Tickets (2005), seus dois últimos longas-metragens, foram produções irregulares que apostaram nessa premissa. The wind that shakes the Barley é um retorno ao seu melhor cinema. Mesmo estando um degrau abaixo dos ótimos Agenda Secreta (1990) e Terra e liberdade (1995), o filme é um tributo à diversidade da discussão política, não só entre a Inglaterra e a Irlanda, mas também entre os próprios irlandeses. E o debate acaba sendo convertido em um melodrama, em que dois irmãos acabam ficando de lados opostos. Também é uma oportunidade para o público entender com o IRA foi concebido.
Loach consegue aproveitar bem a odisséia política dos irmãos durante o conflito entre ingleses e irlandeses. Damien vai perdendo seu pragmatismo e vai se tornando cada vez mais idealista. Por sua vez, Teddy começa a duvidar de suas convicções iniciais. Tentando ser justo com os dois lados da balança, Loach apresenta argumentos e contra-argumentos, mas gradualmente o drama vai se perdendo dentro de um amplo labirinto de forças políticas.
O lado humanitário está sempre em evidência, mas Loach só consegue mostrar simpatia pelos pobres irlandeses e ao mesmo tempo pintar os ingleses como brutos desalmados. Esse pequeno equívoco vem do roteiro de Paul Laverty, um usual colaborador, e da direção apaixonada de Loach. Percebe-se também que a história começa a ter problemas quando a trégua entre as duas nações é assinada. A partir daí, Loach se concentra em discursos e debates políticos que perdem um pouco a sua força para um público que não seja inglês ou irlandês.
Encabeçando o elenco temos Cillian Murphy (Batman Begins, O Extermínio), que está soberbo no papel de Damien. Não é de hoje que suas interpretações vêm sendo pontuadas com talento e raça. Outros destaques são Padraic Delaney no papel de Teddy e Liam Cunningham como Dan, um maquinista que se torna revolucionário. O resto dos atores cumpre bem a proposta, deixando como único ponto negativo a personagem chamada Sinead, interpretada por Orla Fitzgerald. Não por culpa dela. Sua atuação é boa, mas a personagem foi criada para ser um simples interesse romântico para Damien. Talvez tenha sido a maneira encontrada por Loach para tentar disfarçar uma predominância de personagens masculinos na trama.
O filme impressiona também por seu apuro técnico. Méritos para o diretor de fotografia Barry Ackroyd, o cinegrafista Fergus Clegg e o compositor George Fenton. Mas o destaque fica mesmo para Ken Loach, que junta tudo isso e presenteia o público com cenas impressionantes. E mesmo que você não simpatize com os republicanos irlandeses, não tem como não se encantar com a sensibilidade com que ele retrata o assunto. Loach ainda aproveita para construir um paralelo com a situação atual política no Iraque. Fica a triste mensagem de que ainda não aprendemos a lição.