O Sentinela, personagem de Lewis Pullman cuja versão sombria – O Vácuo – serve de grande algoz em Thunderbolts*, foi um dos vários personagens criados pela Marvel na busca por um Superman para chamar de seu. Vários, mesmo – Gladiador, Hyperion, Marvel Azul também estão na lista. Assim como a DC passou anos tentando encontrar seu Homem-Aranha (a resposta mais bem-sucedida talvez tenha sido o Asa Noturna), a Casa de Ideias gastou anos na busca de sua versão do primeiro super-herói, e Thunderbolts*, quer intencionalmente ou não, acaba reconhecendo isso.
Não só isso: Thunderbolts* parece argumentar pela necessidade de um Superman atual – um argumento que fica ainda mais curioso e notável quando estamos a menos de dois meses da estreia do Superman de James Gunn.
A partir do parágrafo após o vídeo, esse texto tem spoilers leves de Thunderbolts*. Nada do final do filme ou de cenas pós-créditos é discutido.
Thunderbolts* apresenta o Sentinela como o objetivo de um programa encabeçado por Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus como uma “Nick Fury do mal”), a diretora da CIA que, na falta dos Vingadores, decide criar um herói tão afinado pelo marketing que até a cor de seu cabelo foi pré-definida. Candidatos para um “estudo médico” passam por experimentos que deixam o Soro do Super Soldado parecendo uma vacina contra a gripe, e Bob (Pullman) é o único sobrevivente.
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Trata-se de uma das várias jogadas de metalinguagem do filme. Assim como o Marvel Studios está na busca por Novos Vingadores - nome agora está sendo usado nos materiais promocionais divulgados após a estreia - lutando para manter o interesse do público em seus personagens depois da saída do Homem de Ferro de Robert Downey Jr. e do Capitão América de Chris Evans, os habitantes do MCU também sentem falta do grupo. Não há mais ninguém para inspirar. Não é à toa que Thunderbolts*, tal qual Deadpool & Wolverine, seja um filme de resposta. Ele está ciente da tal da saturação dos heróis. Se o filme dos mutantes responde com piadas e referências, esse faz escolhas mais interessantes tratando do assunto na história (seus protagonistas são, literalmente, pessoas que não se sentem à altura dos grandes heróis).
O Sentinela se encaixa nisso. Quando descreve o propósito de sua criação, Valentina chega a dizer que ele levará o mundo para uma Era Dourada – nome dado à época dos quadrinhos iniciada pelo surgimento do Superman em 1938 – e é impossível não lembrar do Homem de Aço ao olhar pro “S” que serve de símbolo no uniforme de Bob.
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Thunderbolts* tem méritos pelas ideias em sua narrativa, ainda que não trabalhe todas da melhor maneira, em especial no terceiro ato. Uma das coisas que sofre pelas limitações do texto, inclusive, é a ideia do filme de nos convencer que desse desejo pelo retorno da Era Dourada, seja ela dos heróis ou do estúdio. Na Marvel pós-Ultimato, a aposta é sempre no sarcasmo, na piscadela. Nunca na sinceridade. Thunderbolts* não tenta nos convencer que o Sentinela – ou a Yelena de Florence Pugh, ou o Bucky de Sebastian Stan – pode inspirar como os Vingadores inspiram, mas ele certamente acredita que há valor em figuras genuinamente heróicas. É como se o filme, dentro e fora da tela, aspirasse aos tempos áureos, mas não acreditasse que é possível chegar lá. Não aqui, não agora.
E tudo bem. Faz parte da abordagem de Thunderbolts* e de todo o Marvel Studios. E sejamos honestos, se essa tentativa fosse feita na base de um cara que parece um cosplay mal feito do Capitão América, ninguém ia aceitar. É diferente com o Superman.
Numa coluna sobre os “Supermans da Marvel”, um dos melhores escritores sobre Marvel e DC, Chris Sims, diferencia os universos das editoras da seguinte forma: “O que acontece é que o universo Marvel é construído sobre limitações. Essa é a principal diferença entre a fundação do Universo Marvel e o Universo DC.” Ele continua: “O resultado disso é que você tem um universo construído em torno dessas pequenas tragédias, e parte disso envolve impor limites a esses personagens, mesmo que você os coloque lá apenas para vê-los sendo superados. Veja a lista de personagens da Marvel e todos eles têm esses limites no que podem fazer. O Demolidor é, na verdade, apenas um cara que é muito bom em lutar, mesmo sem enxergar. O Homem de Ferro veste um tanque de guerra, mas tem aquele problema cardíaco. O Capitão América é o melhor ser humano que você pode imaginar, mas ele ainda precisa parar as balas com aquele escudo em vez de ricochetear no peito.”
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Sims depois explica que a ausência de limitações da DC é o que permite os conceitos simples, mas poderosos, de seus personagens. Batman é o maior detetive do mundo. Flash é o homem mais rápido do mundo. Assim vai. Ele descreve o Superman como “a pessoa mais forte do mundo, e que sempre faz a escolha correta.” É essa simplicidade que define o personagem, que o torna atemporal e que permitiu que ele permanecesse nos halls da cultura pop por quase um século. Na verdade, Sims faz um bom argumento de que o Sentinela funciona melhor nos quadrinhos quando ele protagoniza minisséries isoladas, que efetivamente copiam os cenários e ambientações clássicas da Era Dourada, do que quando é inserido nas complexidades e, claro, limitações do universo Marvel.
O que me leva de volta ao filme de Gunn. Se ele funcionará, ou não, é algo que só saberemos em julho, mas o reconhecimento sarcástico de Thunderbolts* de que o público não é mais inspirado por heróis não ajuda a resolver o problema. Ele é apenas isso: um reconhecimento – e Superman pode ir mais longe. Falando ao Omelete, Gunn descreve seu Superman como um filme inspirado por Grandes Astros Superman, por si só um retorno à Era Dourada. “Superman é o maior dos excluídos e o maior dos incluídos, que é muito como eu me sinto. Ele é realmente uma pessoa boa num mundo que não é tão bom, especialmente hoje em dia. Ele é muito firme num mundo que é muito dividido,” disse o diretor.
O que Thunderbolts* mostra, com sua apresentação do Sentinela e com sua constante admissão de que há poucos heróis que inspiram – no cinema e no MCU – atualmente, é que talvez seja hora de voltar à sinceridade do Superman. Com sorte, Superman (2025) será o momento.
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