Novo Superman acerta ao se afastar da Fórmula Marvel e de Zack Snyder
James Gunn criou, em um mundo saturado de heróis, algo que genuinamente parece novo e pronto para voar
James Gunn admitiu mais de uma vez que as pessoas estão cansadas de super-heróis, mas sempre deu uma justificativa clara para isso: “os produtores ficaram preguiçosos”. Segundo o cineasta, contar somente a mesma história não é o suficiente para atrair o público e isso fez com que o gênero se desgastasse. Ao mesmo tempo, Gunn pegou a missão de reapresentar o maior de todos os heróis, o Superman, com um filme que evita introduções, tutoriais ou explicações de quem é o alienígena de Krypton ou seus amigos. O que faz o longa ser realmente uma disrupção neste cinemão pipoca Marvel-DC é o simples fato dele negar toda e qualquer influência do legado cinematográfico destas duas marcas para criar um sopro de novidade em algo tão saturado.
É claro que todo o estereótipo e padrões de histórias de aventura estão ali, assim como os moldes que fizeram o Superman ser o que ele é nos quadrinhos. A ousadia, por assim dizer, de Gunn está em se dar ao luxo de fazer uma bagunça criativa dentro da jornada do personagem, e povoá-la com um mundo de fantasias e criaturas que tornam tudo muito mais vivo. Talvez, entre 1980 e 1990, isso fosse algo comum (veja as continuações do Superman de Christopher Reeve, por exemplo), mas dentro dos padrões estabelecidos por Zack Snyder e Christopher Nolan na DC e por Kevin Feige da Marvel, pouco se viu neste tipo de iniciativa – o texto do meu parceiro Caio Coletti fala bem sobre isso. A questão é que o cinismo e a ideia de “tudo precisar fazer sentido” criou uma dependência quase matemática dos roteiros em alicerces realistas, o que por si só destrói boa parte da criatividade vinda de filmes com intuito puramente ficcionais.
James Gunn entende quem é e o que faz o Superman ser o que é. Mais importante: ele sabe que não importa a força, a agilidade na batalha ou o fato dele ser um deus para que suas histórias sejam boas. O que importa é a conexão com a audiência, algo que nem sempre precisa ser “realista”. Imperfeições e desejos, desde a Grécia Antiga, são métodos de aproximação entre deuses e mortais, e nem por isso tudo precisa ser resolvido em lutas homéricas. Gunn consegue manter a imagem celestial de Kal-El ao mesmo tempo que o torna admirável sem soar distante. Ele é colorido e infantil sem parecer inocente, forte e focado sem parecer pedante. O fato do herói querer fazer o bem, e nada mais, é piegas na medida ideal para a sociedade atual, completamente perdida entre feeds com xingamentos e deslikes, ansiosa por um reconhecimento que parte do questionamento de tudo e todos, sem importar o propósito.
Snyder, que liderou criativamente o tom da DC por quase uma década entre altos e baixos, tinha na assinatura uma ideia também cristalina sobre os personagens da editora. Deuses distantes e desconfiados dos humanos. Figuras quase inalcançáveis e que faziam um reflexo claro do momento onde a cultura de entretenimento estava: somos mesmo humanos merecedores de algo? Os heróis eram mais vilões, mais focados em punir do que salvar, e mesmo quando salvavam o faziam com considerações. O pesadelo de Batman vs. Superman era, no fim, o futuro que representava o que os humanos fizeram com a Terra, ainda que o agente tenha sido Darkseid. Não era surpreendente, por exemplo, que Coringa de Joaquin Phoenix se tornasse o grande símbolo dos fãs daquela época – revoltados quando algo lhes era negado – e que o de Jared Leto apareça como membro de um grupo de heróis prontos para salvar o dia no Snyder Cut. O papel de heróis e vilões, na mente de Snyder, sempre se confundiu não por desentendimento de narrativa, mas por um princípio de quem sempre enxergou a audiência e estes personagens como uma representação de uma geração, ou de uma comunidade, que enxerga humanidade como sinônimo de fraqueza.
Para a Marvel, a visão criativa sempre esteve mais atrelada ao consumo incessante de referências e conexões dentro de um universo compartilhado – o primeiro feito em larga escala nos cinemas e que se deteriorou quando foi para o streaming. O estúdio viu uma receita se desgastar pelo excesso e os resquícios de criatividade começaram a minguar quando, por decisões executivas, decidiu se tornar totalmente sobre volume e não qualidade. As conexões se perderam, as referências se esvaziaram e qualquer sinal de uma narrativa alinhada, que sempre foi a maior força da Marvel, desapareceu. No fundo, tanto Marvel quanto DC tinham objetivos conceituais semelhantes: eles queriam entregar sempre algo pronto e de fácil digestão. A audiência quer (ou queria) se sentir bem por entender o básico, por explicar easter eggs e, no fim do dia, por “ter uma visão própria”, quando na verdade era só mais um enlatado da indústria com diferentes embalagens.
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James Gunn está longe de ser a revolução dos enlatados, mas se nega a replicar estes métodos. O cinismo dá lugar a um confronto a valores totalitaristas, a camada cinza se transforma em um painel claro de quem é vilão e herói, e mesmo a humanidade se torna a principal virtude de quem está no holofote. Quanto à fórmula, Superman está confortável em simplesmente se inspirar em clássicos como o original de 1978 ao invés de já começar um universo compartilhado cheio de decisões executivas. E se não desperta um (novo) início glorioso para o gênero de heróis nos cinemas, pelo menos o filme comprova que há espaço para visão novas em um meio que viveu de fazer fanservice, algo que pode até ter dado certo em um momento, mas envelheceu pior e muito mais rápido do que o esperado.
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