Ronaldo Fenômeno celebra documentário e não descarta cinebiografia
História de superação do craque da Copa do Mundo de 2002 emociona em Ronaldo, o Fenômeno
Créditos da imagem: Divulgação
Nos instantes finais da Copa do Mundo FIFA de 2002, os olhos de milhões de fãs de futebol se concentravam no que acontecia no campo do International Stadium, em Yokohama, no Japão. Com dois gols de vantagem, a seleção brasileira vencia a esquadra alemã e ficava a um apito de conquistar um inédito pentacampeonato mundial.
Na lateral do gramado, entretanto, um desses espectadores assistia a outra coisa, ainda que também encarasse o gramado. Ronaldo Luís Nazário de Lima, artilheiro do time e autor dos dois tentos que deram aquele título ao Brasil, via em sua mente um turbilhão de memórias dolorosas que o levaram àquela glória. Das dificuldades de uma infância sacrificada em nome do esporte, passando pela decepção da derrota na Copa de 1998 e chegando à grave lesão de joelho que quase o fez encerrar a carreira, Ronaldo revivia ali uma jornada ímpar de superação física e mental — que é recontada para o streaming na forma do documentário Ronaldo, o Fenômeno.
Lançado nesta sexta (21) no Globoplay, o filme ganhou uma exibição de gala em São Paulo na noite do dia anterior, reunindo o próprio Ronaldo a grandes nomes da cultura brasileira, como o narrador Galvão Bueno, o apresentador Fausto Silva e diversos fãs, além de familiares do craque. Falando ao Omelete durante a coletiva de imprensa do evento, o ex-jogador e agora empresário celebrou a produção e admitiu que esse deve ser só o início de um mergulho mais profundo em sua história de vida, admitindo a possibilidade de chancelar uma cinebiografia em um futuro próximo.
"Eu acho que ainda tenho muita história para contar, a gente vai contar muita coisa. Há 10 anos, mais ou menos, eu parei de jogar, disposto a escrever uma outra história. Estou escrevendo outra história agora, em uma outra posição, na mesma indústria, que é o futebol, e tem muita coisa ainda pela frente que eu quero contar", afirmou Ronaldo. Sobre a possibilidade de uma adaptação ficcionalizada de sua vida, o eterno craque mostrou-se empolgado. "Com certeza, a minha história com atores seria bacana. A gente vai pensar mais para frente, em outros projetos também".
Entre dores e glórias
O grande desafio narrativo que Ronaldo, o Fenômeno coloca para si mesmo não é apenas o de dimensionar a superação de seu personagem-título, mas também resgatar a memória do tamanho que sua estrela assumiu no Brasil e no mundo, entre os anos 1990 e 2000. Legiões de pessoas aglomeradas em torno de um carro de passeio, para recebê-lo em um aeroporto; jornalistas, paparazzi e ainda mais admiradores enfileirados em frente a uma das residências do craque; capas de revista, propagandas televisivas, pôsteres e outdoors estampados com a imagem do "R9"; documentos e mais documentos da época integram a narrativa e servem para estabelecer a dualidade de uma figura alçada a proporções mitológicas, mas que em realidade permanece confinada pelos limites físicos de um ser humano.
Resgatar esse material empreendeu grande esforço da equipe do filme, com apoio do acervo da Rede Globo e de emissoras rivais como a TV Bandeirantes, além do próprio Ronaldo. Envolvido na seleção de momentos de sua própria vida, o ex-jogador admitiu a dificuldade de encarar episódios traumáticos de sua vida profissional, como a cena em que seu joelho parece explodir durante uma partida de futebol pela Internazionale de Milão. "A gente encontrou muito material que a gente não lembrava, mas as memórias também estão na minha cabeça", explicou o ex-jogador. "Então, foi uma espécie de sincronia [entre encontrar] na minha memória e encontrar o material".
Embora cubra em sua totalidade momentos históricos de ampla cobertura midiática, Ronaldo, o Fenômeno consegue encontrar ares de novidade ao propor novo tratamento a velhas polêmicas, como faz ao abordar o ataque epilético que o atacante teve na véspera da final da Copa do Mundo de 1998. Segundo relatos de profissionais da seleção e do colega de time Roberto Carlos, o Fenômeno convulsionou por minutos ao deitar-se para descansar, perdendo qualquer memória do ocorrido após o fato. A indefinição gerada pelo episódio em sua presença no time que disputaria a decisão do mundial, bem como sua performance abaixo da média quando foi permitido a ele jogar, suscitaram um sem número de teorias da conspiração — teorias essas que o próprio Fenômeno lista, entre risos, no filme.
"Não tenho tabu em falar sobre o episódio de 1998", explicou o eterno craque, que no filme aparece comentando o episódio em diálogo com Roberto Carlos para melhor relembrar o ocorrido. "Aquela conversa com o Roberto, para mim era mais porque ele estava no quarto comigo, como ele sempre ficou no quarto comigo a minha carreira inteira. Então, no momento da convulsão, ele foi o primeiro a assistir e o primeiro a chamar o médico. Eu não queria que fosse eu contando, porque em um dado momento eu não me lembro de mais nada".
Orgulho do passado e cuidado com o futuro
Outro ponto alto do documentário está na participação de mais craques de bola dos anos 1990 e 2000, que rasgam elogios a Ronaldo. Entre eles, brilham os depoimentos do ex-jogador francês Zinedine Zidane e do craque aposentado da seleção italiana Paolo Maldini. "Eu já declarei várias vezes que o Maldini é o cara que eu tive mais dificuldade de enfrentar, não que ele tivesse conseguido me parar", brincou o Fenômeno. "Mas para mim ele foi o cara mais sinistro que eu enfrentei, porque ele cortava caminhos, ele era inteligente, ele antecipava quando podia, ele recuperava, ele cercava, então eu ouvir que ele encontrou muita dificuldade comigo também foi bacana".
Mais de uma década depois de sua aposentadoria do futebol, Ronaldo também é lembrado pelas gerações que atualmente encantam nos campos mundiais. Sobre o discurso do atual melhor do mundo, o atacante francês Karim Benzema — que o elogiou ao conquistar a mesma Bola de Ouro que por três vezes foi do Fenômeno — o ex jogador afirmou: "É motivo de muito orgulho para mim ser motivo de inspiração para as gerações mais jovens, justamente esse sentimento que eu tive quando o Benzema fez aquela declaração, recebendo o troféu... É um motivo de muita honra para mim ter sido uma referência".
E as ambições de Ronaldo com sua influência não terminam aí. Como deixa clara uma discussão bastante didática do ex-jogador com Roberto Carlos, em Ronaldo, o Fenômeno, muitas das dificuldades enfrentadas por ele na carreira tiveram ligação com os precários cuidados voltados à saúde mental de atletas no início do século XXI. Expor essa realidade mostra o intuito de manter uma mudança, nesse sentido, para o futuro do esporte. "Na época, quando eu tive a convulsão, naquela geração, não se falava sobre a saúde mental dos atletas. Era uma geração diferente, uma geração criada de uma certa forma em um militarismo", analisou. "Que a geração de hoje já tenha uma preocupação maior com a saúde mental dos atletas é algo muito importante".