Karim Aïnouz, Petra Costa e mais falam de regulamentação do streaming ao Omelete
Falamos com Camila Pitanga, Murilo Benício e mais sobre o tema quente da indústria
Créditos da imagem: Murilo Benício, Petra Costa e Camila Pitanga (Reprodução)
Assunto que tem crescido de notoriedade dentro da indústria do cinema nacional nos últimos anos, a regulamentação das plataformas de streaming encontrou um ponto de ebulição nesta semana com uma carta aberta, assinada por mais de 1.000 profissionais da área, ao governo.
Segundo Kleber Mendonça Filho, diretor de filmes como Bacurau e O Agente Secreto, que compartilhou a carta no Instagram: "[Ela] explica o porquê de o mercado de streaming no país, operado por grupos estrangeiros, precisar ser regulado como é o normal em países como a Coreia do Sul, França, na Europa".
A ideia é criar salvaguardas e cotas de produção nacional para empresas como Netflix, Prime Video e HBO Max, que investem no mercado brasileiro há anos - mas não são sujeitas à mesma regulação que empresas de mídia semelhantes seriam.
O projeto de lei (PL) 2.331/2022, que trata da regulação do streaming, está atualmente em trâmite pela Câmara dos Deputados, após aprovação do Senado no ano passado. O projeto prevê uma contribuição de até 3% sobre a receita bruta anual dessas empresas, a depender do quanto cada uma delas fatura no ano - esta taxa será consideravelmente reduzida caso as plataformas tenham pelo menos metade de seu catálogo composto por produções nacionais.
O Omelete está de olho nessa discussão há tempos, e sempre toma a oportunidade para conversar com talentos do nosso cinema sobre o tema. Abaixo, reunimos algumas das declarações que reunimos com o passar dos anos, fazendo coro a nomes como Mendonça Filho, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, que já se posicionaram sobre o assunto.
Confira!
Karim Aïnouz (cineasta, A Vida Invisível e Motel Destino)
Falamos com Aïnouz em maio de 2025, na ocasião de um projeto seu no Festival de Cannes. Confira a entrevista completa e, abaixo, o trecho em que ele fala de regulação no streaming.
"Por princípio, acho fundamental [a regulação do streaming no Brasil]. E acho fundamental que a gente consiga fazer isso de maneira clara, objetiva, dentro dos padrões do mercado. Evidentemente, porque ninguém aqui é doido.
Acho isso porque a gente corre um perigo gigante com a questão das plataformas de streaming - a padronização da nossa imaginação audiovisual. Estou querendo dizer aqui que, além da questão financeira, existe uma questão de liberdade artística. Acho que existe um movimento, que veio dos grandes estúdios e de outros lugares, que exige que os filmes passem por uma espécie de túnel de formatação. É comida ultraprocessada, sabe? Hoje, quando você vai para uma casa de finalização para finalizar seu filme, eles te trazem padrões de luz que você fica pensando: ‘Acho que já vi isso naquele streaming’.
Então, para mim, existe na regulação uma coisa de proteger a diversidade, não só visual mas também na maneira de contar histórias. O que foi muito triste durante o processo que a gente viveu no Brasil, com o governo da extrema direita, é que viramos prestador de serviço para essas plataformas. E que bom que elas estão aqui trazendo essas oportunidades e financiando projetos, mas também acho importante que continuemos tendo as histórias que falam português, sabe? O nosso jeito de contar, o nosso jeito de fotografar.
Eu não quero falar só de mim, mas só para citar um exemplo: quando eu fiz o Motel Destino, lembro que surgiu um debate sobre as cores serem muito fortes no filme. E eu sempre defendi, disse que esse era o jeito que eu via o mundo. Eu nunca vejo nada em cinza, sempre tem cor. A gente tem que garantir que os artistas possam expressar isso - e um jeito de conseguir essa garantia é ter uma espécie de participação no negócio gigante que são os streamings, obrigá-los a fortalecer as indústrias locais. Eles trazem inovação, o que é fundamental, mas acho maluquice que não exista regulação ainda."
Camila Pitanga (atriz, Saneamento Básico e Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios)
Falamos com Pitanga em agosto de 2025, na ocasião do relançamento de Saneamento Básico, o Filme nos cinemas. Confira a entrevista completa, e o que ela disse sobre regulação logo abaixo.
"Nós [ela puxa o diretor Jorge Furtado] fazemos parte de um time que defende a regulamentação, pois ao regulamentar, você cuida de todos. Você protege os streamings e as produções internacionais que vêm ao Brasil, mas, acima de tudo, você fomenta a nossa cultura, nossos filmes, e garante espaço para atores excepcionais e uma equipe técnica reconhecida mundialmente por sua qualidade.
Essa regulamentação não visa explorar ninguém, mas sim mediar e negociar para atender todo o ecossistema audiovisual. Sem regras, o mercado fica à mercê de desejos e incertezas, o que prejudica a estabilidade e a viabilidade dos projetos. É uma via de mão dupla: precisamos ter os grandes sucessos internacionais na prateleira, mas também reconhecemos que nossa língua, nossa cultura e nossas histórias interessam lá fora.
Essa mediação é essencial para cuidar de um ecossistema que ficou instável com a chegada do mundo digital. Com a instabilidade, os pequenos produtores são os mais prejudicados, pois dependem de um mercado mais forte e de um poder público mais atuante."
*Entrevista por Pedro Henrique Ribeiro.
Lúcia Murat (cineasta, Praça Paris e O Mensageiro)
Falamos com Murat em agosto de 2024, na ocasião do lançamento de O Mensageiro nos cinemas. Leia a entrevista completa, e confira o trecho em que ela fala de regulação do streaming abaixo.
“A questão fundamental hoje em dia [é o streaming], e isso não está sendo tratado como merece. A gente tem que brigar por mais regulamentação, porque não é possível a selvageria que está acontecendo agora! Eles entram e fazem o que querem, então não há como o cinema brasileiro sobreviver com a indústria abrindo suas pernas [para interesses estrangeiros] como está acontecendo. Acho que falta política pública para defender o cinema brasileiro disso”.
Petra Costa (cineasta, Democracia em Vertigem e Apocalipse nos Trópicos)
Falamos com Costa em agosto de 2025, na ocasião do lançamento de Apocalipse nos Trópicos pela Netflix. Confira a entrevista completa, e abaixo o trecho sobre a regulação do streaming.
"Bom, eu acho que o cinema nacional precisa de mecanismos para se proteger e para se fortificar. Os streamings no mundo inteiro sofrem regulações que no Brasil ainda não sofrem - na França isso já existe, por exemplo. Eu acho que o movimento do capitalismo é esse, né? Quando ele é desregulado, acaba servindo à acumulação ilimitada do capital em detrimento daqueles que criam - dos operários, sejam das diversas áreas. Nós, enquanto operários do cinema, se não exigirmos regulamentação das diferentes forças de produção, vamos continuar tendo menos direitos. Então, a gente já conseguiu coisas tão incríveis no Brasil, como a cota de telas, por exemplo. A regulação do streaming cai no mesmo lugar."
Sandra Kogut (cineasta, Três Verões e No Céu da Pátria Nesse Instante)
Falamos com Kogut em agosto de 2025, em ocasião do lançamento de No Céu da Pátria Nesse Instante nos cinemas. Confira a entrevista completa, e o trecho sobre regulação do streaming logo abaixo.
"Nossa, [a regulação é] importantíssima, né? E a gente está falando tanto em soberania agora. O cinema nacional é um patrimônio do Brasil, e é em grande medida fruto de políticas públicas, que permitiram a muitos filmes de existir. Logo, que as plataformas paguem imposto, sejam regulamentadas, seria até uma coisa evidente! Infelizmente, tem que se lutar muito para que isso seja feito, mas é claro que é urgente, é muito importante, é muito necessário para a sobrevivência do audiovisual brasileiro. Os outros países fazem isso, nós temos muitos exemplos muito felizes.
Eu estava falando da Coreia do Sul agora a pouco, e a política coreana de apoio ao cinema, às artes,rendeu muitos frutos. Você vai lá e fica impressionado em como aquilo é muito importante, muito central para o país. É a identidade deles."
Murilo Benício (ator, O Homem do Ano e O Animal Cordial)
Conversamos com Benício em maio de 2025, na ocasião das filmagens de NICO, que segue inédito nos cinemas. Confira a entrevista completa, e abaixo o trecho sobre regulação do streaming.
"Eu acho que tem que ter [regulação]. É um assunto tão abrangente, o que tem que ser regularizado é tanta coisa que nunca existiu. Então, agora não são só os streamings, mas também esse fantasma de inteligência artificial pra todo mundo. É tanta coisa que a gente tem que entender. O streaming é absolutamente um mercado novo - pode estar aí há 10 anos, sei lá quanto, mas é novo. A gente tem que regularizar, tudo tem que ser regularizado, tudo tem que ser de acordo e justo para todas as partes. Enquanto não for, não está certo".