Quarteto Fantástico convence que a Marvel ainda tem histórias para contar
Maior acerto de Primeiros Passos é tirar o MCU do beco sem saída em que se meteu
Créditos da imagem: Quarteto Fantástico: Primeiros Passos (Reprodução)
Quando foi a última vez que você sentiu que o MCU estava indo para algum lugar? Para uma franquia que fez de “dar um gostinho do futuro” (seja em cenas pós-créditos ou painéis em eventos) uma de suas marcas registradas, em algum momento a saga do Marvel Studios deixou de parecer uma história propulsiva, apontada para frente. E essa sensação de estagnação impregnou o ar ao redor de Kevin Feige até antes de ficar clara nos filmes e séries produzidos por ele. Lá na San Diego Comic-Con 2024, já ficava evidente que a continuação da narrativa central do MCU não empolgava mais - e que, diante disso, os executivos ao redor de Feige só conseguiram pensar em uma solução: olhar para trás.
2025 só fez confirmar essa impressão. Capitão América: Admirável Mundo Novo e Thunderbolts*, os dois longas-metragens apoiados na continuidade do MCU lançados pelo estúdio este ano, foram indiscutíveis decepções na bilheteria. De fato, nem a boa recepção crítica de Thunderbolts*, e a boa vontade do público com Yelena Belova (Florence Pugh), talvez a única personagem destaque da Marvel pós-Ultimato, fez o filme voar para além de “míseros” US$ 400 milhões de bilheteria global, o quinto pior resultado da história da franquia. Para efeitos de comparação, é um número similar ao arrecadado por Viúva Negra (US$ 379 milhões) e Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (US$ 432 milhões), lançados ainda no período mais grave da pandemia de covid-19.
Esse resultado comercial, no entanto, é só reflexo de um problema narrativo. A Marvel, no fundo, engordou demais para as próprias calças - confiante no sucesso de absolutamente qualquer coisa que pudessem inventar, os manda-chuvas da franquia foram tecendo linhas narrativas fundadas na promessa de continuidade e interconexão, sem ter a mínima ideia do que fazer quando o retorno dos fãs não vinha num nível que justificasse, comercialmente, essa continuidade. Você conhece os exemplos: Harry Styles em Eternos, Brett Goldstein em Thor: Amor e Trovão, Sharon Carter em Madripoor, tudo o que rolou em Invasão Secreta. Conforme mais ideias iam caindo pelas beiradas, menos o público sentia que estava acompanhando um universo se desenvolver.
Quarteto Fantástico: Primeiros Passos quebra esse ciclo vicioso, e nem precisa se esforçar tanto para isso. É fácil apontar o quanto o filme, escrito a oito mãos por um time de roteiristas que inclui até Eric Pearson (cria do MCU desde a época dos One-Shots, promovido ao primeiro time da franquia em Thor: Ragnarok), subscreve à “fórmula Marvel” de todas as maneiras que poderia, inclusive as ruins - o humor raso e verborrágico incluído nos momentos mais inapropriados, a casualidade ao despachar um vilão que poderia render mais, a tendência a suavizar partes mais caricatas dos quadrinhos, etc. Também é fácil apontar como a visão retrofuturista de Matt Shakman (WandaVision) é parcialmente engolida por uma montagem ansiosa, talvez consciente demais das reclamações recorrentes sobre a metragem dos filmes de super-herói, que suga a gordura do filme a um ponto em que ele arrisca ficar anêmico, especialmente no primeiro ato.
E não é que todas essas coisas não importem, mas Primeiros Passos, por todos os seus defeitos, é uma nova história - e isso já é melhor, automaticamente, do que uma continuação daquela história antiga, com a qual todos nós já nos importamos muito pouco. Localizados em todo um planeta separado da Terra-616 que o MCU está há quase 20 anos povoando de personagens que arrisca esquecer logo quando os créditos sobem, os heróis e vilões do Quarteto apontam para um futuro interessante simplesmente porque não os conhecemos ainda. Há uma faísca no coração do nerd, do aficcionado por narrativas, que se transforma em incêndio diante de uma história que ainda não foi contada. O mundo do Quarteto Fantástico representa possibilidades, ideias, temas que ainda precisam ser explorados. Escolhas a se fazer.
Faz muito tempo que o Marvel Studios não brinca com nada disso. Ou, ao menos, muito tempo que o Marvel Studios não se lembra que o seu império foi construído em cima disso. Mudar de planeta, portanto, pode ter sido a melhor ideia que Feige e cia. tiveram em anos. Se esse impulso vai durar para além do evento apocalíptico prometido pelos próximos dois filmes de Vingadores, se a ideia é resetar a história para começar tudo de novo ou Primeiros Passos foi um respiro na maratona modorrenta de um MCU esbaforido, ainda precisaremos descobrir. Mas é bacana poder ter esperança de novo, mesmo que seja por pouco tempo.