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Quadrinhofilia - Revendo <i>X-Men</i> de Cabeça Fresca!

Quadrinhofilia - Revendo <i>X-Men</i> de Cabeça Fresca!

05.05.2003, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H14

Antes de começar, deixo bem claro que você não precisa concordar comigo a respeito do que escrevo aqui. X-Men foi um filme que vi sem grandes expectativas, mais pelo carinho que sempre tive pelo gibi, do que pelo frisson dos fãs na época. E confesso que saí surpreso e satisfeito da sessão. Passada a euforia, e algumas reprises depois, a película continua divertida para mim. Agora, com a estréia do novo longa da série, é hora de tirar a poeira do VHS ou mesmo do DVD e dar uma olhada mais isenta no que foi a obra cinematográfica responsável pela ressurreição dos super-heróis no cinema.

A primeira aventura mutante na tela grande é, na verdade, um interessante paradoxo. Afinal, trata-se de uma adaptação que consegue ser fiel sem seguir o original. Pelo menos, no que diz respeito à cronologia mutante. Enfim, o mérito da película é ter agradado, ao mesmo tempo, os espectadores do desenho animado, verdadeiro propulsor da popularidade do grupo nos anos 90, os leitores veteranos de HQ e quem entrou no cinema por acaso.

Mas como isso foi possível?

Analisando friamente, vemos que o roteiro foi feito pensando em quem via o desenho e ficou sem um episódio de origem. Na série, o grupo já está formado e a ação corre solta no primeiro episódio, com todos as personagens atuando como veteranos. No filme, a coisa realmente esquenta com a chegada de Wolverine, o mais popular dos heróis. Quem leu os gibis sabe que, quando o canadense entrou para o grupo, ele era somente mais um numa nova equipe convocada às pressas para resgatar os mutantes originais. Enfim, neste aspecto, o resultado nas telonas não tem nada a ver com os quadrinhos. E é justamente aí que começa o paradoxo. Afinal, a maior virtude da película vem do fato de não ser fidelíssima aos gibis. Preocupando-se em captar o melhor das personagens, o roteiro acertou ao se desprender da obrigação de seguir a rocambolesca trama das HQs.

Veja só, filmes de quadrinhos pecam por excesso de zelo com a fonte ou pelo total descaso com ela. X-Men fica exatamente em cima do muro. Na verdade, não é bem um lance de super-heróis. Há lutas mirabolantes, roupas esquisitas e poderes sobre-humanos? Sim. Mas essa não é a tônica. Antes de tudo, X-Men é uma ficção científica. Senão uma ficção cabeça, pelo menos uma daquelas bem divertidas. Os roteiristas acertaram em não se valer da pancadaria total de muitos gibis mutantes dos anos 90 em prol de um resgate de conceitos mais interessantes.

Mesmo nos quadrinhos, a idéia de que os mutantes são um grupo social discriminado era algo secundário. Até porque, num mundo com tantos heróis extravagantes, ser mutante ou não, fazia pouca diferença. Tirando a média, todos eram super-heróis. Até o conceito de que viviam numa escola era patético. Nunca se via alguém lecionando ou estudando. Estavam sempre treinando ou lutando contra alguma ameaça externa. E como gibi tem que vender, cada vez mais, foi valendo a regra de mostrar marmanjos anabolizados se estapeando e beldades em maiôs insinuantes. É triste, mas verdadeiro.

O filme veio em boa hora para pôr ordem na casa. Se a questão de honra era fazer uma adaptação decente das HQs para as telas, então, era bom fazer algo que valesse a pena. E foi o que aconteceu. Antes, porém, que pareça que me rasgarei em elogios, deixo bem clara minha opinião de que X-Men não é o supra-sumo das artes. Como filme de quadrinhos, tem sim um lugar especial no panteão dos heróis filmados.

Como é público e notório, o filme teve um orçamento apertado (para um pretenso blockbuster), filmagens corridas e até a estréia antecipada para complicar a vida de Bryan Singer, o diretor. Mas como o sujeito deve ter nascido virado para a lua, o ator que faria o protagonista se acidentou e teve que ser substituído em cima do laço por Hugh Jackman, o sortudo que agarrou com unhas, dentes e garras de adamantium o papel; o que garantiu 50% do sucesso da aventura. Não é exagero. Wolverine carrega o filme nas costas.

Mutações com altos e baixos

Ele fuma charuto, dirige sem cinto de segurança, bebe cerveja, veste camisa xadrez e tem aquele olhar matador igual ao dos quadrinhos. O que mais os fãs poderiam querer? Que fosse baixinho? Os puristas que aceitem um ator mais alto do que boa parte do elenco, em vez de um tampinha como nos gibis. Aí seria pedir demais! Houve até quem se incomodasse por ele não era uma bola de pêlos como nos gibis, vê se pode... Pelo menos até a metade do enredo, o canadense não decepciona. Até cantando a Jean Grey e invocando com o pobre Ciclope, ele segura a peteca. Mas depois que veste o macacão de motoqueiro, digo, uniforme da equipe, Logan amansa um pouco, passando oficialmente para a turma do bem.

Eu disse pobre Ciclope, porque o herói foi tão esculachado como mauricinho nos últimos anos, conseqüência da era anabolizada dos gibis, que ninguém se toca de que ele é quem tem razão em se sentir enciumado com os galanteios do Wolverine em cima de sua amada. Ou só porque o novato é protagonista, tem o direito de mexer com a mulher dos outros?

O malfadado Ciclope já fora melhor nas HQs, mas isso foi muito antes de se pensar num filme mutante. De qualquer forma, a personagem só serve mesmo de alvo do sarcasmo do canadense, que eclipsa facilmente o caolho ator James Marsden; fraquinho demais para virar a mesa. Dependente ao extremo de suas rajadas óticas é um fiasco no combate corpo a corpo. O mesmo vale para sua namorada, promovida a doutora. Isso fez bem à caracterização de Jean Grey que, sem citar o período nas HQs em que fora a onipotente Fênix, nunca fez muito além de usar uma mini-saia insinuante e o criativo codinome de Garota Marvel. A caracterização madura de Fanke Jansen, no entanto, realmente nos faz pensar algo como o velho Logan: O que foi que ela viu naquele pirralho?

Outra personagem que saiu ganhando foi a Vampira. Nada daquela sensualidade cafona dos desenhos animados ou aquele jeitão de perua dos quadrinhos. Mais condizente com sua condição mutante de não poder tocar em ninguém, ela é contida e sensual sem ser extravagante. Viraram a menina do avesso e vejam só, ficou muito melhor que a original. Claro que sabe Deus de onde ela tirou o apelido de Vampira, com o qual se apresenta a todos, mas esses pequenos furos no roteiro são até passáveis. O mesmo vale para o fato de Ciclope não controlar suas rajadas sem os óculos especiais. Há coisa piores. Veja a sofrível a caracterização de Tempestade. Forte e decidida nas HQs, tornou-se uma menina com cara assustada e meia dúzia de frases tolas como: Sabe o que acontece quando um raio atinge um sapo?. Depois dessa, até o figurino teen e a peruca de franjinha são perdoáveis. Quem diria, vendo X-men, que Halle Barry ganharia um oscar, hein?

Falando em modelito, a malvada Mística é quem se deu bem ao trocar o banho de loja de Tempestade por nada além de escamas azuis. Ganhou a personagem em sensualidade, o público barbado e o filme, com uma vilã de curvas realmente perigosas. Cortesia de Rebecca Romijin-Stamos.

Outro caso de seja-o-menos-fiel-possível-que-fica-melhor foi o Groxo, vivido por Ray Park. Mais sapão do que nunca, deixou de ser um arremedo de Corcunda de Notredame, com certeza, não por motivos estéticos, mas sim econômicos.

Fechando a turma dos capangas, temos o Dentes de Sabre (o dublê de humano, Tyler Mane), com seu singelo rugido leonino. Que dizer de seus meigos olhos negros? Houve quem gostasse. Para mim, porém, faltou o vilão montado numa Harley Davidson para combinar com o visual. Essa ficou por conta do Wolverine ao roubar a motoca do Ciclope. Por sinal, uma das cenas mais pamonhas da aventura...

Irrepreensível, no entanto, só o senador Kelly (Bruce Davidson), que faz politicagem de primeira. Ah, se George Bush visse isso...

A ala sênior, os verdadeiros protagonistas!

Falando sério, o antagonismo do Professor Xavier e Magneto é o verdadeiro pilar do roteiro. Enquanto a gurizada se estapeia, ambos se digladiam com finesse. A dupla Patrick Stewart e Ian McKellen empresta seu talento na construção de duas boas personagens.

Xavier está impecável, enquanto que Magneto rendeu certa polêmica entre a ala de fãs radicais, que preferiam a versão anabolizada dos quadrinhos. Mas convenhamos, um homem que viveu nos campos de concentração da II Guerra Mundial, hoje, com a idade avançada, não seria muito musculoso. Além disso, alguém com os poderes de Magneto certamente não precisaria (nem faria questão) de levantar peso a fim de ficar malhado...

A ligeira afetação que MaKellen confere à personagem garante bons momentos. É o caso de, quando exclama: Vocês Homo sapiens e suas armas.... Seu vaidoso figurino, mesmo contido perto do usado nos quadrinhos, passa um ar de superioridade. Convém notar, no entanto, que, mesmo bacana, o capacete tem a desvantagem de tornar mais proeminente a exuberância nasal do ator. Descontada essa maldade, temos um Magneto que só falha em alguns promenores.

A identificação com o público é a principal falha. Lembra da bela cena de abertura no estilão Lista de Schindler, onde ele, ainda menino é separado dos pais e descobre seus poderes? A intenção era justificar o ponto de vista radical do sujeito diante do mundo. A coisa, no entanto, morre aí. O trauma em si fica subentendido. Perde a personagem, que poderia ser imbuído de maior ambigüidade antes de revelar seu plano ridículo. Convenhamos, a máquina de fazer mutantes não é uma idéia lá muito boa. Recurso de gibi de segunda. No entanto, como na segunda metade, o filme decresce mesmo, é até passável. Até a tal jaula de plástico em que aprisionam o velhinho subestima as habilidades do vilão. Afinal, qual é o raio de alcance de seus poderes magnéticos mesmo? Felizmente, nos três momentos em que ele e Xavier se encontram no filme, o talento dos atores supera qualquer deficiência de conceito. A rivalidade não declarada fica mais que explícita na excelente (e simples) cena final da partida de xadrez; algo que Xavier há muito devia ter feito nas HQs.

Valeu também o visível carinho com que foram tratados os mutantes que fazem discretas pontas no filme; em especial, o Homem de Gelo, que fez por merecer sua participação estendida na continuação.

Claro, nem tudo são flores

Motivo de desconfiança quando anunciada, a mudança do conceito dos uniformes até que se deu bem. Saíram as cores berrantes e sem sentido em troca de um visual levemente influenciado pela sobriedade de Matrix, que, no ano, anterior redefiniu os filmes de ação. A influência foi tanta que X-Men vale-se de duas desnecessárias cenas no estilão câmera lenta, inaugurado em 1999. A pior mesmo é o ilógico giro de Wolverine no ar, cortando uma das pontas da coroa da Estátua da Liberdade. Tosqueira pura. Certamente deviam ter gastado o dinheiro dessa cena no aperfeiçoamento de outros efeitos que ficaram devendo. Repare que, toda vez que alguém era arremessado no ar voava em câmera lenta.

Falando em vôo, Tempestade dá uma desajeitada ensaiada quando sai do poço de um elevador e só. Isso para não falar da dificuldade em manipular os ventos a fim de arremessar Logan contra Magneto no clímax da fita. Falando no vilão, repare também que ele faz o possível para não estourar o orçamento. Após a memorável cena em que rende os policiais na saída da estação do metrô, ele foge num helicóptero que Mística roubara no início do filme. Isso sim é economia. Como se não bastasse, ainda leva seu aparelho maluco para a estátua numa barca também roubada. Anticlímax total para o Mestre do Magnetismo.

E já que estou falando nisso, a batalha final na Estátua da Liberdade é algo questionável; feito para americano ver. Descontada a patriotada, é triste notar que os X-men, à exceção de Wolverine, são completamente dependentes e seus poderes, não demonstrando nenhum treinamento em combate. Ou seja, os vilões só se dão mal por pura incompetência mesmo. Deprimente também é a dificuldade de Tempestade e Jean Grey em direcionar Wolverine no ar. Em contrapartida, é patético Ciclope abater Magneto com uma simples rajada de Ciclope. Se era tão fácil por que enrolaram tanto?

Antes, porém, que você me massacre por não gostar dessa cena em especial, lembre que ela é apenas um hiato num filme quase redondo, que tinha tudo para se tornar mais um abacaxi, mas acabou vingando como uma das melhores adaptações de quadrinhos para as telas. Ou você duvida que fizessem um apoteótico final onde Wolverine (Vin Diesel), de colante amarelo, músculos e mamilos de látex, pairasse no topo da Estátua da Liberdade, contemplando Magneto (Arnold Schwarzenegger) caindo em câmera lenta para a morte, logo após revelar que havia matado o pai do calvo canadense? Hollywood adora aprontar dessas.

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