Ao longo de 40 anos de uma carreira marcada por cults do horror à moda oriental, tipo Crimes Obscuros (2006), Pulse (2001) e Cure (1997), o cineasta japonês Kiyoshi Kurosawa já retratou fantasmas das mais variadas (e mortíferas) estirpes, mas poucas vezes seu olhar sobre o Além teve tanta doçura quanto em Para o Outro Lado (Kishibe no tabi), em cartaz no Brasil a partir desta quinta-feira. Drama de tintas metafísicas sobre a eternidade do amor, a produção rendeu ao cineasta de 60 anos o prêmio de melhor direção na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes, em maio. Parte da crítica estrangeira apontou o longa-metragem como sendo o melhor filme asiático do ano. Em sua trama, um encontro de vivos e mortes testa a habilidade deste mestre do terror para falar de paixões e redenções.
“A questão que me impulsiona aqui é saber o que sentem as pessoas que velam seus entes queridos moribundos, que estão com as horas finais já marcadas. A sensação de finitude iminente me faz pensar sobre algo que sempre me intrigou: a sensação de que o corpo e a alma não perecem ao mesmo tempo. O corpo se vai. O espírito pode ficar. Pelo menos essa é uma hipótese para mim, que não sou religioso, mas também não me considero ateu. Acreditar que não haja nada após a Morte é uma violência”, disse o diretor ao Omelete em Cannes, logo após a projeção de Para o Outro Lado.
Cannes se rendeu à dor de Mizuki (Eri Fukatsu), viúva ainda apaixonada pelo marido, Yusuke (Tadanobu Asano), que morreu afogada há três anos. Um dia, sem explicação, Yusuke bate à sua porta, convidando-a para uma viagem. Ela não se assusta. Lamenta apenas o fato de ele ter demorado tanto. E daí começa uma trajetória, na qual o esplendor de Natureza e o mistério da Espiritualidade se misturam.
“O contraste entre as paisagens em um país pequeno como o Japão não são fortes, portanto, não há uma transformação tão grande no ambiente de onde Mizuli sai e o lugar para onde vai”, diz Kiyoshi, recusando o rótulo de road movie dado a Para o Outro Lado. “O que vivemos ao seguir esta história é oportunidade de refletir sobre o peso da palavra confiança. Há duas pessoas que se amam, mesmo que uma não esteja mais no plano físico. E, em nome desse amor, há a confiança de seguir o amado. Isso nasceu de um romance de Kazumi Yumoto, o qual eu adaptei com o cuidado de não descambar para o melodrama. Já fiz filmes de gênero muitas vezes no passado e isso me deu a certeza de que tramas com características muito demarcadas precisam ser feitas com elegância”.
Somada ao bom desempenho dos filmes de terror do passado recente de Kyioshi, a vitória em Cannes elevou o cacife internacional do cineasta e abriu para ele a chance de rodar um filme de fantasia na França, com Olivier Gourmet e Tahar Rahim: La Femme de la Plaque Argentique. Ele ainda prepara, no Japão, o thriller Creepy.
“O cinema nasceu mítico, pois, já em suas primeiras horas de vida, os Lumière, que o inventarem, produziram obras-primas. Brincar com um aparelho desses, que fabrica obras-primas, deu a mim a certeza de que a inspiração para contar uma história muda a cada filme que faço”, diz Kiyoshi, que, apesar do sobrenome, não é parente do mestre Akira Kurosawa (1910-1998). “Minha inspiração em Para o Outro Lado era a vontade entender o que sente aqueles que perdem grandes amores e como um morto poderia agir se tivesse uma chance de voltar, encontrando outros espíritos entre nós”.
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