Omelete entrevista Terry George - diretor de <i>Hotel Ruanda</i>
Omelete entrevista Terry George - diretor de <i>Hotel Ruanda</i>
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![]() Terry George |
![]() Paul Rusesabagina e Don Cheadle |
Terry George, diretor nascido na Irlanda do Norte, não é grande conhecido da mídia como, por exemplo, Steven Spielberg. Mas seu currículo é algo bastante invejável. Em seu primeiro trabalho para o cinema foi indicado ao Oscar pelo roteiro de Em nome do pai (1993). Na estréia como diretor, em Mães em luta (1996), prêmios e a indicação ao título de Jovem Diretor Europeu. Mas sua carreira não se restringe à telona. Na TV, George assina a criação e co-produção da série The District. Porém, é este seu mais recente trabalho, Hotel Ruanda (2004), que deve mudar de vez sua vida. Em passagem pelo Brasil, ele confessou ao Omelete que gosta mesmo é de dirigir e nada melhor que um filme que recebe três indicações ao Oscar (Melhor ator, atriz e roteiro original) para abrir novas portas. Seu próximo projeto, American Gangster, no qual deve mais uma vez dirigir Don Cheadle, não deve ser menos polêmico, nem mais leve do que o genocídio de Ruanda filmado por ele. E se fosse, provavelmente ele não aceitaria, pois tudo o que Terry George quer é poder contar as suas histórias e ajudar a abrir a mente das pessoas.
Como está sendo a sua passagem pelo Brasil? Você pegou uma semana com o tempo bem feio...
Terry George: Que nada. Eu sou irlandês. Isso para mim é como se fosse verão. (risos) Todo mundo tem sido muito atencioso, tivemos uma boa sessão na pré-estréia. Parece que as pessoas estão gostando do filme. Acho que não posso pedir muito mais do que isso.
Você acha que depois de Hotel Ruanda as pessoas vão fazer mais filmes sobre Ruanda ou sobre o continente africano?
Eu espero que sim. Tem um prestes a estrear, O jardineiro fiel (The constant gardener), de Fernando Meirelles, que tem um tema bastante parecido. Eu já vi e achei excelente! E sei que tem um enorme blockbuster sobre o assunto, The Blood Diamond, que deve ser estrelado por Leonardo DiCaprio e Djimon Hounsou e dirigido por Ed Zwick. E isso é muito bom. Não vejo a hora da comunidade sul-africana, que nos ajudou patrocinando o filme, consiga desenvolver mais filmes. Eles têm de conseguir. É o mais vibrante, valente, corajoso e desesperado continente no planeta e estes são todos elementos de alto teor dramático. Se você começar a procurar boas histórias, elas estão lá.
Ainda há muitas boas histórias lá para serem contadas?
Exato. E são histórias que podem abrir os olhos das pessoas e ao mesmo tempo serem entretenimento. Este é um dos motivos para o sucesso de Hotel Ruanda. Nós provamos que apesar da tragédia e do horror do assunto em questão, nós conseguimos achar uma história para contar e um público que queria ouvi-la. Por isso o filme tem se tornado este fenômeno. E muita gente tem se identificado com esta causa, de que eles deveriam fazer mais pelos outros, sabe?
Eu li que haveria uma grande exibição do filme no último dia 7 de abril, data que marcaria os 11 anos do início do massacre. Como foi?
Na verdade, foi uns dias antes. Eu mostrei o filme em Kigali [capital de Ruanda], primeiro para o presidente Kagame e o parlamento, e depois no estádio Amahoro, para 10 mil pessoas. Foi uma apresentação muito emocionante. Eu posso dizer que Ruanda ficou muito feliz que fizemos este filme, por termos mostrado a história e tudo o que conseguimos. A música do Wyclef Jean ["Million Voices"] virou uma espécie de hino por lá.
Você estava presente nesta sessão também? Foi tudo de graça para o povo? Como eles reagiram?
Sim, foi tudo de graça e aberto para todas as pessoas. Eu diria que 90% do público era de Tutsis, pela reação que eles tiveram em algumas cenas. Em Ruanda, é muito difícil julgar o que a maioria da população Hutu pensa sobre o que aconteceu porque eles são a parte vencida. E ainda há uma divisão muito forte naquela sociedade, tudo ainda é muito estratificado. Este é um dos principais problemas de Ruanda. Eu estava tentando mostrar outro, que era a negligência ao país e a falta de ajuda durante o genocídio.
Só para terminar este assunto, você acha que depois do genocídio e tudo mais, a divisão entre as duas comunidades está mais forte, ou enfraqueceu? Porque Paul era casado com uma Tutsi... este tipo de relacionamento existe agora?
[A divisão] é algo mais subversivo agora, mais escondido. Não há mais violência. Na verdade, Ruanda é um dos lugares mais seguros da África. Mas ainda há um certo medo. Ainda há um enorme problema com os prisioneiros e pessoas que participaram dos genocídios e como lidar com eles. Ainda vai demorar um tempo. Não é uma geração que vai mudar tudo o que aconteceu. Enquanto isso, o governo Kagame é bastante rígido, quase ditatorial. É preciso ter este governo forte agora. Qualquer tipo de fraqueza poderia levar a uma nova instabilidade. Mas ao mesmo tempo, é preciso mostrar uma estrutura democrática, aberta ao diálogo. Este é o grande desafio por lá. Com certeza está muito melhor do que era.
Mas as coisas ainda parecem meio frágeis?
Sim porque ainda entram muitas armas no Congo, que é uma área muito instável. O grande lance da África é que a estabilidade é muito ligada à vida ou existência dos líderes. Há poucos dias, nós vimos o que aconteceu no Sudão. Quando um dos líderes dos rebeldes do sul [o vice-presidente John Garang] foi morto em um helicóptero e se iniciou uma nova era de instabilidade. Por isso o mundo precisa cuidar disso e criar uma estrutura militar da ONU [Organização das Nações Unidas] ou algum outro tipo de estrutura militar que cuidasse disso.
Você chegou a ir à ONU discutir isso?
Nós mostramos o filme na sede da ONU duas vezes. Mostramos no departamento de Estado dos Estados Unidos. George W. Bush viu o filme as duas vezes. Me encontrei também com Condoleezza Rice [Secretária de Estado dos Estados Unidos]. A recepção do filme nos Estados Unidos foi muito boa e uma enorme surpresa. Paul [Rusesabagina], eu, Don [Cheadle] e Sophie [Okonedo] continuamos espalhando a mensagem. Don acabou de voltar do norte de Uganda, Sophie esteve em Darfur [Sudão], eu fui a Ruanda... nós estamos tentando espalhar a mensagem do filme, pois ele tem uma vida curta, mesmo contando com o lançamento em DVD, mas a mensagem, em especial com o que vem acontecendo, por exemplo, em Darfur e no Congo, é mais do que nunca necessária.
No site oficial do filme, vocês foram além do normal, do marketing, que quer apenas mostrar o produto, com fotos, sinopse e trailer. Há uma linha do tempo que mostra o que aconteceu, as transmissões de rádio...
Nosso site tinha de ser muito ativista. Tinha de ser uma continuação do filme. Nós temos um programa de educação, temos um fundo internacional para Ruanda, que já conseguiu juntar 80 mil dólares, links para a Anistia Internacional. E algumas pessoas envolvidas no filme, entre elas minha filha, participam de uma organização criada durante a última eleição presidencial nos Estados Unidos chamada Moveon.org, que é basicamente uma organização de mobilização feita via Internet que chama a atenção para leis que precisam ser votadas no congresso, ou uma reunião importante, ou alguém que precisava ser "lobiado". Uma série de organizações está criando uma espécie de front para fazer o mesmo pela África. Um ativismo político, mesmo, em vez de reações com fundo humanitário.
É mais ou menos a mesma trilha que Bono [Vox, do U2] e Bob Geldolf com seu Live8. Nós precisamos ir além da caridade. Precisamos dar aos africanos formas de se estabelecer, progredir para uma sociedade em desenvolvimento.
Falando ainda de Internet. Se o genocídio estivesse acontecendo hoje, com os blogs e a facilidade de mostrar ao mundo o que está acontecendo, seria a mesma coisa?
Mas isso está acontecendo agora em Darfur. A diferença é que o problema lá é exatamente o oposto de Ruanda. É um genocídio em câmera-lenta. Enquanto Ruanda teve o mais rápido genocídio da história, com 15 mil pessoas sendo mortas por dia - na verdade, até mais que isso ainda no começo -, no caso de Darfur, nós temos uma unidade sobre isso que está sustentando esta pressão e tentando passar esta pressão para uma massa crítica, enquanto as coisas continuam sem parar. O que é mais triste em Darfur é que, em termos de prevenções e soluções práticas, está tudo acabado. As vilas foram destruídas, toda a população do oeste sudanês está vivendo agora em campos de refugiados. Mais uma vez, não é apenas um problema humanitário.
Mas [voltando à pergunta] a Internet não deixa de ser uma enorme ferramenta para mobilização e serve muito bem para passar a informação adiante. Seria muito mais fácil fazer o mundo ver o que estava acontecendo em Ruanda, principalmente pela forma brutal como foi. Mas é claro que a propaganda também a usaria.
Na sua opinião, sobreviver a um evento como estes é mais sorte do que qualquer outra coisa?
Acho que é. E creio que Paul seria o primeiro a admitir isso. É necessária a combinação de muita coragem e alguma sorte, sem dúvida.
Como a história do Paul e tudo o que aconteceu mudou a sua visão de mundo?
Não mudou a minha visão de mundo. Você encontra histórias como estas o tempo todo e conhece pessoas e se pergunta se teria coragem de fazer a mesma coisa.
Para mim, ajudou a solidificar minha crença neste tipo de cinema e reforçou a idéia de que um filme pode fazer a diferença, pode mudar, ou influenciar mudanças. E também que você precisa de uma gravação em vídeo para mostrar o que estava acontecendo.
Claro que tenho agora um compromisso de tentar mudar a África e muita admiração pela África do Sul e o potencial que esta nova sociedade tem.
Como foi filmar em Ruanda?
Na verdade, eu só filmei sete dias em Ruanda, o grosso do filme foi feito em Johanesburgo [África do Sul]. Filmamos em Ruanda basicamente a seqüência inicial, com Paul indo de carro ao aeroporto pegar os charutos e tal e umas cenas de fundo. Como você sabe, nosso filme tinha um orçamento muito pequeno e achei que eles não tinham infra-estrutura para um filme do nosso tamanho. Poderíamos construir isso lá, mas não poderíamos correr o risco de ver merdas acontecendo e não ter como arrumá-las. Um filme pequeno não pode se dar ao luxo de perder uma hora sequer de trabalho.
Você pode nos dizer qual foi o orçamento?
Foi de 18 milhões de dólares, mas três milhões eram de incentivos, então o orçamento mesmo foi de 15 milhões.
A África do Sul foi fantástica conosco. Eles foram os principais investidores do filme, a equipe técnica de lá foi ótima, tivemos ótimos cenários reais e conseguimos, na minha visão, reconstruir o visual de Kigali.
Você pensa em fazer um novo filme na África?
Gostaria muito de contar a história de Winnie Mandela [ex-esposa de Nelson Mandela] porque ela é uma personagem que me fascina muito. Mas não sei quando isso poderia acontecer. O problema para um diretor como eu é que o processo todo demora cerca de dois anos. Para os atores é muito mais fácil. Eles ficam no máximo quatro meses em um projeto. Por isso, você tem que ser sempre muito cuidadoso com relação às suas escolhas. E há também uma série de aspirações com relação às histórias. Eu tenho dois projetos que gostaria de fazer e não consigo enxergar muito além disso. Não faço idéia como Soderberg e Spielberg conseguem desenvolver três projetos quase ao mesmo tempo.
Seria um destes filmes American Gangster?
Sim.
Havia um outro diretor ligado a este projeto, não?
Antoine Fuqua faria o filme com Denzel [Washington], mas os dois caíram fora. Eles encaravam a história de uma forma diferente e é claro que o motivo pelo qual eles saíram do filme foi o orçamento, que ficou além do que o estúdio poderia pagar. Eu acho que vai dar certo. Don Cheadle já está contratado. Teremos novidades para o fim deste mês.
Você está reescrevendo o roteiro?
Eu reescrevi. Eu tinha que fazer isso. Qualquer projeto que eu faça, eu tenho que mudar umas coisas, mudar a estrutura e dar a minha visão. Ao lado de Don Cheadle teremos outros bons atores, como Matt Damon.
Benicio Del Toro ainda está no projeto?
Não. Ele foi fazer Che, com Soderbergh.
Quando começam as filmagens?
Eu gostaria de começar em janeiro, no máximo fevereiro, porque eu preciso mostrar o inverno e pegar um pouco de primavera e verão, pois é uma história que se passa em quatro anos em Nova York e precisamos mostrar essa passagem de tempo.
As filmagens vão acontecer em Nova York mesmo? No Bronx?
Sim. A história se passa no Bronx e Harlem.
Você prefere dirigir ou escrever?
Dirigir. Disparado!!! Escrever é muito doloroso. Hotel Ruanda foi fácil porque a história se contava sozinha. Mas com American gangster é mais difícil. É um tipo muito específico de redação. Você não tem tempo para descrições e tal. Os diálogos realmente têm de falar alguma coisa, ou é melhor não falar nada.
Você conhece os problemas que temos na América do Sul com guerrilhas na Colômbia, Bolívia?
Sim, principalmente na Colômbia, porque três irlandeses morreram lá.
Este seria um bom assunto para um próximo projeto?
Eu cheguei a trabalhar algumas semanas em um projeto que seria sobre isso, chamado Efeito colateral (Collateral damage), que acabou virando este filme horroroso com o Arnold Schwarzenegger. Se você achar os personagens certos, você pode fazer um filme sobre qualquer coisa que vai achar seu público. É uma questão de universalizar. O principal fundamento para mim é que precisa ser um entretenimento. As pessoas têm de sentir que valeu a pena pagar os 15 reais da entrada, ou 10 dólares nos Estados Unidos. E deve haver um estímulo emocional para que eles sintam algo sobre o filme. Isso acontece cada vez menos nos blockbusters. Adoraria fazer um filme por aqui. A cultura latina é muito vibrante.


