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Entrevista

Omelete entrevista Neil Gaiman, o escritor de Stardust - O Mistério da Estrela

Autor conta como o projeto de Stardust finalmente decolou

SY
10.10.2007, às 00H00.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 14H02

O Omelete entrevistou Neil Gaiman, escritor do romance ilustrado Stardust, em Londres. Na conversa, nossa primeira com o autor desde a passagem dele pelo Brasil em 2001, ele fala como foi seu processo de criação, do filme que adapta sua obra, alguns projetos futuros e sobre imaginação. Confira!

Como surgiu Stardust?

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Neil Gaiman

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Eu tinha uma página em branco diante de mim e uma idéia. Aliás, duas idéias. Uma idéia que eu tinha há um tempo era que havia um muro e do outro lado do muro tinha um mundo diferente. E a outra idéia me veio em uma noite em 1992, quando eu estava em uma festa no deserto de Tucson, Arizona. Eu saí da festa para fumar um cigarro. Já tinha visto estrelas cadente antes. Na Inglaterra você vê estrelas cadentes, aquele fiapo de luz que vai, zoom. "Ah, era uma estrela cadente". Mas eu estava no deserto e o céu era de um veludo negro. Era como se fosse um diamante caindo e eu podia ver a estrela caindo como se fosse cair ali perto e pensei "ah, eu podia entrar em um jeep e seguir a estrela ate encontrá-la. Que incrível!" Eu nunca tinha visto nada igual. E aí pensei o que aconteceria se eu chegasse lá e em vez de um meteorito fosse uma coisa brilhante e linda? E aí pensei: e se fosse uma mulher? E se fosse uma garota? O que aconteceria se eu chegasse lá e ela tivesse uma perna quebrada e estivesse de muito mau humor? E de repente tididididididi, a história criou um contorno na minha cabeça. Aí eu voltei para Tucson para encontrar Charles Vess, que estava em outra festa bebendo champagne porque a gente tinha acabado de ganhar o Prêmio Mundial de Fantasia com Sandman e ele disse "só seu eu puder levar o champagne comigo" e aí nós fomos para fora e ele bebendo champagne da garrafa. E eu comecei a contar minha idéia e "aí tem esse garoto e essa garota e ela está de mau humor e não quer ser arrastada meio mundo afora para servir de presente para a namorada de ninguém, blablablabla... E vai ter bruxas e vai ter príncipes e todo mundo está atrás dessa estrela. E aí, você quer ilustrar?" E ele "yup" e voltou para a festa carregando a garrafa de champagne. E eu tinha na cabeça essa idéia de que queria escrever um conto de fadas e eu queria que fosse alguma coisa pré-Tolkien , então quando voltei de viagem eu comprei a minha primeira caneta-tinteiro desde que tinha deixado a escola. E comprei um caderno com capa de couro e pensei "se eu escrever à mão em vez de usar o computador, isso vai evitar que eu fique divagando", então escrevi o primeiro capítulo, tirei uma cópia e mandei para Charles Vess. Vários dias depois ele me ligou dizendo "bom, já estou lendo essa coisa que você me mandou há algumas horas e até agora consegui identificar só onze palavras". Depois disso, eu passei a ligar e ler o capítulo completo pelo telefone, enquanto ele ia gravando do outro lado. E com isso Charles ia fazendo as ilustrações, ouvindo a gravação da nossa conversa por telefone.

E você usou esse método para o livro inteiro?

Sim, eu continuei escrevendo à mão porque se eu usasse o computador, ia começar a divagar. Não que todos os livros longos são escritos por quem usa computador ou que todos os livros curtos sejam escritos a mão. Eu curti muito escrever American Gods à mão e você pode usar o livro para segurar a porta. Mas eu já percebi, como editor, que pessoas que escrevem no computador tendem a divagar mais. Então escrever à mão ajuda a manter as coisas mais curtas.

E como rolou a adaptação de Stardust para o cinema?

A Miramax me procurou para comprar os direitos de Stardust. Eles me pediram para escrever o roteiro. Eu cheguei ao ponto de escrever um resumo de como faria o filme e aí a Miramax passou o resto do período contratual negociando com outras produtoras. Quando a opção chegou ao final, eu não estava preparado para estender o prazo. Eu também sabia que não queria escrever a adaptação.

Depois, passei anos dizendo não para produtores, diretores e atores que me procuraram para fazer Stardust. Mas quando Matthew Vaughn me contatou, eu disse sim. Eu confiei nele. Em Hollywood você não confia nas pessoas. Confiar nas pessoas em Hollywood é uma coisa ruim, estúpida e muito perigosa, que vai te trazer muitos problemas. Mas Matthew tinha produzido um curta-metragem que eu dirigi chamado O Mundo de John Bolton (A Short Film About John Bolton, 2003) e chegou num ponto em que ele estava sendo pressionado para me ferrar - e ele podia ter feito isso tranquilamente. Mas Matthew voltou do almoço e disse "Quer saber? Eu dei minha palavra e vou manter o que combinamos. Não vamos fazer nada do que eles estão dizendo". E foi isso que fez com que anos depois ele ganhasse Stardust.

Quando Matthew me ligou dizendo que queria fazer Stardust, ele me contou qual era a visão dele. E eu vi que meu papel principal naquele ponto era conseguir alguém para ajudá-lo a criar o roteiro e compensar as partes em que ele não se sentia muito confortável. Ele estava falando com vários roteiristas da linha hardboiled e naquele ponto eu pensei "se ele for por aí, o filme vai se transformar em Jogos, Trapaças e Duas Fadas Fumegantes". Então procurei Jane Goldman, que escreveu Dreamland, uma autora que admiro há muito tempo e também uma amiga de grande sensibilidade e senso de humor. Eu sabia que ela seria perfeita para adaptar Stardust. Ela fez o primeiro esboço, me mandou e eu fiz minhas anotações. Ela fez um segundo esboço e então peguei o avião para a Inglaterra e Matthew, Jane e eu nos sentamos para ler o roteiro. Jane e eu lemos o roteiro em voz alta, Matthew nao quis participar. E nós ficamos tentando fazer todas as partes, ela com os personagens femininos e eu os masculinos, mas isso também não funcionou. Mas foi muito bom porque conseguimos ver todas as partes que não estavam funcionando para chegar ao roteiro final. Muitos momentos do filme vêm da sensibilidade de Jane, que escreveu algumas partes tão engraçadas como eu jamais sonharia. Eu adorei a idéia de ter os fantasmas o tempo inteiro, comentando a ação. E me lembro de ter dito a Matthew logo no começo que, em um mundo perfeito, todos os fantasmas seriam feitos por Alec Guinness (risos).

No passado você ficou muito insatisfeito com adaptações, mas recentemente você declarou que está satisfeito com Stardust e, aparentemente, com Coraline. Você ainda está com o pé atrás em relação a Hollywood?

Tudo leva a crer que Coraline vai ser ótimo. Mas se você quer manter a sua visão, melhor escrever o livro. No momento em que você entrega seu trabalho para o diretor, sempre vai haver alguma coisa que você faria de outra maneira. Pode parecer estranho, mas eu acho mais difícil encarar quando sou autor do roteiro do que como autor do original - o que é estranho. Como autor da obra original, eu preciso encontrar gente em quem confie e cujo trabalhe eu admire, como Matthew Vaughn e Henry Sellick. Eu adoro O Estranho Mundo de Jack, e gostaria muito que nao fosse chamado originalmente de Tim Burton’s The Nightmare Before Christmas porque aí as pessoas saberiam que Henry Sellick é quem fez o filme. É mais difícil para mim como roteirista porque eu sempre imagino "as pessoas vão pensar que fui eu que escrevi aquele diálogo, que eu queria as coisas daquele jeito". Para mim dói quando um diretor muda um diálogo que eu escrevi ou o diálogo não funciona porque o diretor não sabe como deveria ser feito. E acho que é por isso que muitos roteiristas são levados a dirigir. Se vão gostar eu não sei, mas não quero que isso aconteça de novo.

Você tiraria o seu nome de um filme que achasse muito ruim?

Há meios de fazer isso, mas eu não gostaria que as coisas chegassem a esse ponto. Há várias maneiras de fazer isso. Uma delas é que você, como autor do original, vende os direitos para um diretor ou produtor e sai fora. Foi o que aconteceu com meu amigo Alan Moore. O problema de fazer isso é que você termina com filmes com os quais fica completamente insatisfeito e um dia você fica tão infeliz que diz não a todas as propostas e proíbe que seu nome seja mencionado.

Qual é o maior desafio para você atualmente, criar algo do zero ou adaptar uma obra já existente para o cinema?

Com certeza criar algo do nada. Se você é um escritor, o desafio mais assustador é enfrentar a página em branco. Com uma adaptação, sempre tem alguma coisa em que se apoiar, nem que seja uma adaptação anterior, em que você pense "ah, meu Deus, isso não funciona, vou ter que pensar em alguma coisa". Mas é algo que existe. Então eu acho que criar algo original é realmente o maior desafio. E também leva mais tempo.

Como você alimenta a sua imaginação?

Eu tento não ler mais tanta ficção. Quando você se torna um autor, é mais comum que você se divirta com um antigo dicionário. Música, com certeza, jornais e algumas coisas peculiares que encontro na internet. E também viajar. Para mim uma das coisas mais incríveis de ser um escritor são as turnês que eu faço e que me levam para lugares como a China e o Japão. De repente estou no palácio de Xandu, em Pequim, e alguém coloca uma caneta e papel na minha frente. E aí um turista alemão te pergunta como você foi a tantos lugares, você pagou por tudo? E aí você diz "não, eu sou um escritor. Eles colocam canetas no seu colo quando você é um escritor". Eu escrevo muito quando estou em casa, muita coisa a mão. Quando estou em turnê, levo um caderno comigo, mas já aconteceu de esquecer um caderno em um avião vindo da China a Amsterdã, com um capítulo completo escrito, algo que você sabe que não vai encontrar de jeito nenhum. Você não faz coisas idiotas como essa....

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