Filmes

Entrevista

Omelete entrevista: Mariza Leão, produtora de Meu Nome Não é Johnny

"O que acontece aqui e que eu acho fatal é o pequeno número de salas"

03.01.2008, às 16H00.
Atualizada em 04.11.2016, ÀS 02H06

Como é fazer cinema aqui no Brasil hoje? A gente vê muitos filmes sendo produzidos, mas sabe que tem muita coisa que não acha espaço para ser distribuído.

Mariza Leão: Olha, vou te dar uma resposta meio inesperada, talvez. Acho que o mercado está como sempre esteve. Você fala em mercado e às vezes você quer incluir neste mercado filmes que não se destinam a este mercado. Acho que uma cinematografia como no Brasil tem que ser plural. Agora, você não pode se queixar, na grande maioria dos casos - e eu me incluo nisso também, como produtora de filmes que não eram de mercado -, querer que um filme que nasce com uma natureza fechada depois não pode se queixar que seu produto não chegou ao grande público. E eu acho que isso é em qualquer lugar do mundo, não é uma característica só do Brasil. O que acontece aqui e que eu acho fatal é o pequeno número de salas. Você falar de um país de quase 200 milhões de habitantes, arredondando, que tem duas mil e poucas salas, e pensar que quando a gente tinha 90 milhões de habitantes tinha cerca de 4 mil salas, aí eu te digo que tem uma tragédia anunciada. Porque na proporção, o Brasil deveria ter hoje 8 mil, 10 mil salas e você estaria falando de um universo completamente diferente. O que não quer dizer, que se você tivesse 8 mil salas que você conseguiria atrair o público para todos os tipos de filmes que são feitos. A natureza da escolha do público é abrir um jornal ou ir à porta do cinema e escolher uma coisa e não outra. Eu não sou queixosa, mesmo nos meus filmes que não dão certo, de que existe uma perversão nisso.

Meu nome não é johnny

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O mercado está se adaptando ao que as pessoas querem ver...

Não! O negócio de cinema é produção, distribuição e exibição. Isso é o mercado. Eu produzo, alguém distribui e alguém exibe. O cara que exibe precisa que o cinema dele esteja cheio. O cara que distribui está fazendo um investimento que ele precisa que volte. Eu, que produzo, também deveria desejar que meu investimento, meu subsídio, voltasse. Quem é o rei nessa história? É o público. Mas daí você me pergunta como um público vai escolher um filme que não tem publicidade, que não tem mídia? É difícil! É meio que a questão do ovo e da galinha. Seria uma resposta muito fácil dizer que o mercado é muito ruim e que estamos prensados pelos filmes americanos. Eu não gosto dessa resposta.

Vou fazer uma analogia meio forçada agora: dizem que o traficante não pode ser também um viciado, senão acontece como o João: tudo o que ele ganhava, ele gastava. Quem faz cinema aqui, não é algo muito próximo disso? A vontade que você tem de fazer cinema não te faz correr o risco de reinvestir todo o dinheiro que você conseguiu para fazer o próximo filme? É isso mesmo que acontece com o cinema hoje no Brasil?

Nós temos hoje um público espectador de cerca de 90 milhões, que é ridículo quando comparado com outros países. Se nós estivéssemos falando de um público de 500 milhões de espectadores por ano, o filme médio faria em torno de 2 milhões. Um sucesso estaria em torno de 8, 10, 15 milhões. O problema é que nossos números são como se você quisesse fazer caber um cara de 1,80m em uma cama de bebê. Esse cara vai acordar todo torto, com torcicolo. Nós temos que ampliar este universo de salas até por uma questão de cidadania. Apenas 7% dos municípios hoje têm salas de cinema. Você está falando, então, de uma atividade concentrada em áreas urbanas, de poder aquisitivo médio/alto alijando uma imensa população e isso é um ciclo vicioso. Acho que o cinema precisava tipo de um PAC. Você não precisa instalar salas dolby, com poltronas que custam mil dólares cada uma. Estou falando de 10, 15, 20 mil novas salas. Com isso você faria que o teto de 90 milhões passasse para 200, 300. Você, então, estaria dizendo que o meu investimento tem uma chance de voltar porque eu teria uma chance real de atingir o número de espectadores necessário para remunerar meu investimento. Mas nós temos hoje um mercado muito achatado. Mesmo para o filme estrangeiro.

O "Tropa de Elite", que fez tanto barulho e foi o mais visto do ano fez 2,5 milhões.

Isso é piada!

Eu estava explicando isso outro dia para um amigo, que me perguntou qual o recorde nacional e eu disse que era Dona Flor e Seus Dois Maridos...

E isso quando nós éramos 90 milhões [de habitantes]. Mas tínhamos 4 mil salas. Você pode dizer hoje: mas hoje temos Internet, TV a cabo... Ok, mas o processo de concentração das salas em centros urbanos de poder aquisitivo médio/alto e a ausência das salas de cinema, que eu acho que não tem condição de ser em 35mm em um país tão grande em que você tem que levar uma cópia daqui pra puta que pariu. Vamos criar mais salas digitais. Você teria que ter ingresso a 2 reais. Eu acho que isso é inclusão social. Inclusão cultural. Você imagina um cara que vê no Fantástico uma matéria de um filme que foi lançado hoje, mas ele só vai ver cidade dele daqui a 3 meses. Meu marido, Sergio Rezende, diz "este cara se sente um cidadão de segunda classe, um excluído. "

Agora, um assunto que deve ser um pouco delicado para você, como produtora. E o caso do Tropa de Elite, que vazou e atingiu todo mundo? Você tem o lado de artista/cineasta e o lado produtor/pessoa de negócios, né? Como você vê uma situação dessas?

Eu vou te falar: eu acho que o cálculo que se faz de 11 milhões de pessoas que teriam assistido o pirata do Tropa de Elite, eu vou te falar levianamente, mas acho que no máximo 40% dessas pessoas teriam ido ao cinema. O resto, ou não tem cinema na cidade onde elas moram, ou elas não tem dinheiro para pagar o ingresso, ou não têm o hábito de ir ao cinema. Nós estamos falando de um modelo de alta concentração. Uma Belíndia. E essa alta concentração é nefasta, principalmente para a indústria nacional porque o cinema estrangeiro se viabiliza economicamente em dezenas ou centenas de países. Nós, tirando algumas pouquíssimas exceções, temos que nos viabilizar aqui dentro. Realmente a gente está num impasse.

Tenho uma amiga que estava em um barco, em Marajó, e de repente entrou um cara vendendo Tropa de Elite. É dramático! Mas quando um lugar daqueles vai ver um filme desses no cinema? Desculpe por repetir, mas falta um investimento em salas.

Agora vamos falar um pouco do filme também [risos]. Você estava contando na coletiva o seu empenho para conseguir os direitos do livro. Quando foi que você viu que o jogo estava ganho?

Quando cheguei lá e eles me disseram que tinha umas seis, oito pessoas na minha frente eu fui para o tudo ou nada. Disse aos dois que se eu fosse fazer a capa do livro, ela seria uma casa de dois andares que tinha um pai em cima e a galera embaixo.

Nossa, essa é justamente a minha tomada preferida do filme!

Essa frase que eu falei na casa do Guilherme ficou na minha cabeça. Quando o Mauro (Lima, diretor e co-roteirista) veio trabalhar comigo, nós mantivemos essa cena em todas as versões do roteiro. Daí nós ficamos sabendo depois que as pessoas viam a história toda como um thriller, um filme de ação, meio policial. Nunca tive essa impressão. Eu tenho três filhos e eu via ali uma família como a minha. É muito chato quando um filho seu, um sobrinho, um amigo rompe os limites tem uma justificativa psicológica de baixo nível que é dizer que havia ali uma família desestruturada. E no caso do João não tinha nada disso.

Como o Selton fala sempre, ele é um cara. Faz muito tempo que o cinema nacional não faz um filme sobre gente como a gente. Claro que é um ‘gente como a gente' com uma puta história. Mas todos nós temos essas histórias. Algumas você não conta nem para os seus filhos. Na primeira semana quando eu comecei a dirigir, fui para um bar tomar caipirinha e capotei o carro com o namorado e dois amigos. Caramba, que cagada, podíamos ter morrido ali. Mas o que é isso? É entender o seu limite. Isso que eu acho o barato desse filme. E a identificação que ele tem com as pessoas, principalmente com os jovens, é que não adianta ser moralista falando pra não entrar em roubadas porque elas entrarão. A questão é como se sai da roubada. Você pega, por exemplo, a força de vontade que o João teve. Muita gente pergunta pra ele como foi a abstinência e ele diz que já pensava há muito tempo em parar e a prisão foi a oportunidade perfeita.

E ele teve muita sorte, né? Você não acha que isso conta também? Ele podia ter morrida de overdose, levado um tiro... Ele viveu muito no limite. Na minha visão, o filme tem lá a sua mensagem de que é possível dar a volta por cima, mas que é necessário ter muita sorte também.

Além de sorte, uma coisa que João Guilherme tem muito é presença de espírito. Já fomos a alguns debates e ele fala "vamos lá, galera, podem perguntar o que quiserem porque vocês não vão me ofender, nem nada." E aí o cara vai com tudo pra cima e pergunta se ele acha que juíza deu uma colher de chá porque é branco, estudou nos melhores colégios e é filhinho de papai. E ele disse que não. Mas que, de certa forma era, porque ele aprendeu a se expressar e por isso levava uma vantagem imensa e isso era uma questão cultural e de classe. Ele é um cara que tem um fairplay, um raciocínio rápido impressionante. Não dá pra acreditar no que esse cara viveu. Se o cara não estivesse aqui com a gente, se ele tivesse morrido, alguém ia logo imaginar que a gente estava inventando, mas tudo o que está no livro e no filme é verdade. Eu brinco com o João de que ele é um cocainômano sem cocaína. Se você entra numa cadeia com o Comando Vermelho do seu lado, se você não souber se comportar, a primeira coisa que vai acontecer é que você vai dançar.

Pra gente fechar, vamos voltar um pouco a falar do mercado, mas da minha área, que é a imprensa. Lá fora já está ficando cada vez mais comum algumas distribuidoras abrirem o set de filmagens para a visita de sites. Você acha que o mercado brasileiro vai seguir essa tendência também?

Vou te dizer só uma coisa: a primeira coisa que eu fiz depois do cartaz e do trailer foi o site do filme, www.meunomenaoejohnnyfilme.com.br. E foi a coisa que eu mais investi minha cabeça. Contratei três pessoas para criarem esse site. E te digo o porquê: meu tempo hoje é muito mais gasto com internet do que com televisão. A internet, inclusive, tem uma coisa que eu adoro que é a interlocução, quando alguém pode comentar sobre algo que você escreveu. Então, eu acho que abrir o set para a imprensa, pra mim, quer dizer abrir o set para Internet. Acho que a imprensa escrita tem o seu papel, mas a mídia eletrônica tem uma dinâmica contemporânea. Ainda mais para um filme como esse. A gente fez uma promoção "Monte Seu Trailer" e jogou cinco minutos de imagens lá dentro. Recebemos 27 trailers. Quem são essas pessoas que estão fazendo esses trailers? São pessoas que têm o Final Cut [software de edição da Apple] no computador. Eu dou aula de produção para uma turma na PUC-RJ e quando pergunto quantas pessoas lêem jornal, de 30, quatro levantam a mão. Isso me deixa enlouquecida, porque eu leio quatro jornais por dia. Mas daí o cara diz "mas professora, a gente lê na Internet", o que não quer dizer que ele leia os jornais online, pode ser os sites de cinema. Quanto mais conteúdo bom você encontrar, até porque o espaço dos jornais está cada vez mais reduzido, os jornais são poucos e o espaço nos jornais dedicados ao exercício de pensamento também são pequenos. Então vejo a internet como uma possibilidade infinita.

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