Omelete entrevista Lorenzo Di Bonaventura, o produtor de Transformers
Veterano da indústria fala sobre o filme, seus erros e acertos, sua visão do mercado...
Um dos superprodutores mais prolíficos da atualidade, Lorenzo di Bonaventura tem um currículo invejável. Tendo trabalhado 13 anos na Warner Bros., inclusive como presidente mundial de produção, ele supervisionou e envolveu-se em quase 130 filmes, incluindo franquias mostruosas como Harry Potter e Matrix. Há poucos anos, porém, ele deixou de lado o estúdio para abrir sua própria empresa - e lá desenvolveu filmes como Constantine, Quatro Irmãos. Doom e Atirador. E agora coloca o que já é seu maior sucesso fora da WB nos cinemas, Transformers, a adaptação para as telas da linha de brinquedos da Hasbro. Na entrevista abaixo, realizada em um hotel em Londres, ele comenta seus erros e acertos, sua visão de mercado e alguns próximos projetos. Confira!
Vocês provavelmente tiveram muitas discussões sobre o público-alvo desse filme. Por um lado, precisavam agradar os fãs antigos. Por outro, vender brinquedos e conquistar audiência jovem, que não conhece os Transformers. Como foram essas conversas?
6
5
2
1
3
4
transformers
Lorenzo Di Bonaventura: O bom nessas adaptações de franquias consagradas é justamente a base de fãs estabelecida. E esta série em particular tem uma das bases de fãs mais ativas da atualidade, que o veria de qualquer maneira - e seria estúpido fazer um filme que a audiência mais jovem não gostasse. Então o problema aqui era fazer algo que as pessoas de 13 a 25 achassem bacana - e tivemos a idéia de criar um filme de invasão, que dá uma enorme pressão aos protagonistas, e inserir ao mesmo tempo muito humor. Eu nunca havia trabalhado com Michael [Bay] e não fazia a menor idéia do quão engraçado ele é. Tivemos tantas cenas boas de humor que tivemos que contar várias.
Felizmente, quanto aos brinquedos eu não tenho que me preocupar, isso é problema da Hasbro. Mas se as pessoas gostarem do filme, os brinquedos sairão das prateleiras. Pelo menos é assim que vejo esse negócio.
Parte do apelo de um filme desse é totalmente comercial e visa as vendas de produtos licenciados para crianças. Você tem alguma preocupação moral nesse sentido?
Nenhuma. Sabe, eu entendo a preocupação de algumas pessoas nesse sentido, mas não é assim que eu vejo o negócio. Eu trabalhei em Harry Potter, que vende muitos brinquedos... meu trabalho é colocar no mercado um filme que seja um entretenimento tão bom quanto possível - tenho filhos de 6 e 9 anos e me divirto vendo eles entrando nesses universos ou não, e gosto mais ainda quando eles me pedem pra colocar o DVD outra vez ou vendo eles brincando. No caso desse tipo de filme, não vejo problema algum em ter brinquedos sendo vendidos, não há não de imoral ou anti-ético aí...
Quanto do orçamento de Transformers vem da colocação de produtos e marcas dentro do filme?
Bom, essa é um questão mais complicada que isso. Vivemos em um mundo no qual você sai na rua e vê Starbucks, McDonalds, Pizza Hut... passamos uma parte de nossas vidas nesses lugares. Muita gente me pergunta se me sinto mal com isso, mas eu me sentiria estranho se não tivéssemos Burger King dentro do filme, ou algo que você reconheça como sendo parte do seu mundo. Dito isso, essas marcas não dão tanto dinheiro ao filme, não. O que ganhamos delas é apoio. Sem a General Motors não teríamos conseguido fazer esse filme, por exemplo.
Por causa das marcas dos carros que os robôs se transformam?
Não só por isso. Nos Estados Unidos temos uma lei que impede que carros novos que tenham participado de alguma inundação o páteo sejam consertados e revendidos pelas companhias. Aí aconteceu o Katrina - e a GM tinha milhares e milhares de carros esperando para serem destruídos. Aí entramos nós - providenciamos essa destruição toda pra eles no filme e eles nos deram os carros.
Então o que vemos ali são carros do Katrina...
Olha, pior que ficamos meio abalados quando eles nos contaram isso, mas aceitamos por que, do contrário, o filme ficaria milhões de dólares mais caro...
Mas voltando à questão das marcas, algumas delas não são colocação de produtos de maneira alguma - são necessidades de roteiro. O Ebay estava no roteiro, por exemplo. Eles nunca fizeram investimento no cinema, então a idéia de vender algo a eles seria furada desde o princípio. Mas quando eles leram o roteiro quiseram participar imediatamente. Sem falar que a idéia de que os Transformers aprenderam nossa língua e costumes e encontraram Sam e o artefato que eles buscavam através da internet é muito divertida e totalmente coerente com a missão e objetivos do Ebay.
Há casos em que ocorre o contrário também? Tipo uma empresa chegar a você e oferecer seu produto para entrar no filme?
É raro, mas acontece. Outro dia uns caras da Mercedes me ligaram e perguntaram "você tem algum filme pra gente?" e eu respondi "hummm, claro! vou dar um jeito". Hahahahaha.
Isso me lembra que várias empresas nas quais chegamos com o projeto de Transformers acharam a idéia boba. Mas eu acredito que não existem idéias bobas, mas que tudo depende da execução. Se o seu diretor fizer um bom trabalho, mesmo as idéias bobas podem se tornar ótimos filmes. Então por causa disso levamos muito tempo para reunir todos os parceiros de Transformers. E isso é importante não porque coloca dólares no projeto, mas porque o estúdio se acalma quando há empresas grandes apoiando o filme. Eu já estive no comando de um deles e sei exatamente como eles se sentem. O apoio financeiro é pequeno, mas a idéia de uma grande empresa acreditando no filme dá um certo conforto. É meio psicológico até.
Em que momento você sabe que tem um sucesso nas mãos? Hoje em dia a filosofia da "semana de abertura" é a que manda - o que é uma loucura - e não significa necessariamente um sucesso. Quando você sabe que deu tudo certo?
A certeza chega quando o filme é exibido pela primeira vez para um público de fora do estúdio. E eu tive sorte de trabalhar muito tempo na Warner Brothers em tantos filmes que cheguei a um ponto em que aprendi a confiar nos meus instintos sobre se um projeto será ou não um sucesso. Quando eu vi Transformers pela primeira vez, uma cópia inacabada ainda, tive certeza que Michael conseguiu algo extraordinário. Mas nesse ponto ainda não dá pra ter certeza de quão extraordinário. Essa medida vem apenas através da primeira exibição.
Essa percepção já falhou? Cite alguns exemplos, por favor.
Infelizmente, sim. Vou citar alguns que foram bilheterias razoáveis, mas que apostávamos que seriam enormes sucessos. Três Reis foi uma experiência frustrante. Sentimos que era um filme brilhante e original, com uma mensagem clara, atuações ótimas e muito bem acabado. E fizemos 60 milhões de dólares, o que foi bom, mas esperávamos mais. Um dia de Fúria idem. Virou uma espécie de clássico, mas fez bilheteria apenas mediana. E Michael Douglas não foi sequer indicado [ao Oscar], o que acho que ele merecia. E aí entra uma das minhas grandes frustrações com o mundo do cinema. Somos constantemente criticados por jornalistas, muito criticados, por não fazermos filmes mais inteligentes. E aí fazemos um filme inteligente e o público não vai... então ficamos numa situação meio estranha. E às vezes acontece o oposto. Dia de Treinamento foi uma surpresa. Esperávamos um filme decente, uns 50 milhões, mas aí foi um susto. O que diabos aconteceu? Todo mundo comprou o filme!
Olha, eu sei que cada pessoa vê o nosso mercado de maneira diferente. Pra mim, o ideal é fazer filmes mais divertidos possível. Mas se eu conseguir inserir neles algumas idéias subversivas, melhor. Aí terei o pacote completo.
E o que acontece quando você tem a certeza de que fizeram uma bomba?
Nossa, fica uma sensação de naufrágio. Me lembro de tê-la sentido algumas vezes. É mesmo um momento terrível. E eu tenho um mecanismo de defesa para poupar-me delas... caio no sono. Ahahahahaha. Eu literalmente fico pescando na sessão-teste. Aí acontece uma certa agonia, de trabalhar desesperadamente e tentar melhorá-lo antes do lançamento. Mas isso é muito difícil, transformar um filme que não está funcionando em um bom filme... consegui isso uma vez, com Do Fundo do Mar. Eu tenho um certo prazer secreto nele. Ficou um filme besta, mas engraçado. Mas da primeira vez que o exibimos numa sessão-teste tivemos uma crítica de um dos presentes que nos abriu os olhos. Quer dizer, essa pessoa era grosseira e provavelmente tinha sub-inteligência, mas escreveu uma linha apenas, que mudou o filme. "Matem a vagabunda". Ele se referia à atriz Saffron Burrows. Ela originalmente sobrevivia, mas quando a matamos o filme mudou completamente. E o fizemos logo no começo, enganando o público, no que acabou sendo o momento mais divertido do filme.
Acho que nesse caso as pessoas perceberam que nós mesmos estávamos nos divertindo com o filme, e aí se divertiram também. É o mesmo caso com Transformers. Nos divertimos tanto com ele que o público tem achado muito bom também.
Eu gostei muito da quantidade de piadas sobre a política dos EUA... os ding-dongs do George W. Bush, a parte final, com os Witwick dizendo que o governo conta tudo o que acontece no país...
Eu, como muita gente, admiro muitas das qualidades do meu país, mas também tenho certeza de que tem muita merda acontecendo. E esse governo em particular é um que não tem sido muito aberto e honesto. Então é até fácil mandar uns jabs nele. Não é um filme político, mas não dava pra perder a piada...
E fica ainda mais engraçado porque, por outro lado, você tem todo o apoio dos militares. Tem horas no filme que parece até um desses comerciais das Forças Armadas...
Nós tinhamos certeza que em alguns lugares as pessoas teriam essa sensação, especialmente aqui na Europa. Mas o filme jamais poderia ter sido feito se não fosse o apoio dos militares, pela escala dele. Mas quer saber, eles não se meteram em nada. Não há uma cláusula sequer dizendo "o filme não pode mencionar isso, ou mostrar os militares fazendo aquilo". Não deram uma opinião sequer no roteiro. E isso é estranho, pois quando se faz qualquer coisa com um governo eles querem ter o controle de tudo...
Olhando agora pra trás, com o filme pronto, o lema da família Witwicky, "Sem sacrifício não há vitória", é tão militar... mas não pensamos nele assim quando o criamos. Mas bastou assistirmos ao filme numa sala cheia de militares que eu me peguei pensando nessa coincidência.
Mas vocês não tiraram muito sarro dos militares no filme...
Mas isso porque sentimos que essa parte das medidas de defesa contra a ameaça espacial teriam que ser totalmente sérias, ou o filme entraria em colapso. Se essa parte fosse leve, a ameaça ficaria diminuída.
Vamos falar um pouco sobre a técnica dos Transformers. É verdade que o tempo de processamento de cada frame durou cerca de 38 horas?
É verdade! Eu acho que a Industrial Light And Magic se superou mais uma vez neste filme. A qualidade técnica do que eles fizeram... é um processo longo, coisa de 18 meses só a parte dos efeitos. Mas uns 9 ou 10 meses muito pesados, com 50 ou 60 artistas trabalhando na ILM só no filme em um determinado momento. Mas acho que o fator determinante de um bom filme de efeitos especiais não é a técnica, mas o diretor. Você precisa de uma boa empresa os produzindo, mas a visão do diretor é essencial. Tem muitas dessas empresas que empurram suas idéias e o diretor diz "ok". Mas aí saem esses filmes que, bom, são apenas "ok".
Michael, por sua vez, mexe em tudo. É muito exigente com tons, movimentações, realismo... E isso foi uma das coisas mais difíceis no filme, como fazer os robôs ficarem fisicamente possíveis e ao mesmo tempo visualmente interessantes. Uma das primeiras coisas que fizemos relacionado aos efeitos especiais foi pegar uns lutadores de kung-fu e colocar metal sobre eles no computador, para ver como o material se comportava durante uma briga. Ao vermos as cenas prontas, tivemos a sensação do metal se movendo como metal nunca se moveu antes, o que foi muito interessante. Acho que isso terá grande apelo junto ao público, mesmo que ele não se dê conta disso.
Você pode falar um pouco sobre seus próximos projetos, Electric Slide, Nowhere Man, Um Tira da Pesada 4...
Nowhere Land vai definitivamente virar um filme. Os outros apenas esperamos que um dia se tornem filmes. É uma história com Eddie Murphy que deve dar uma guinada na carreira dele. É uma história de pai e filha que não conseguem se comunicar. Ela tem uma imaginação muito ativa e criou um mundo mágico chamado Terra do Lugar Nenhum. E ele começa a encontrar as soluções dos seus problemas financeiros nesse lugar mágico. Então ele começa a usá-la e vê-la de uma maneira pouco nobre. Mas com o tempo ele percebe quem que ela realmente é. É uma história muito tocante. Quando eu vi Eddie em Dreamgirls pensei "cara, se dermos as oportunidades certas a ele...". O filme terá um tom meio Quero Ser Grande, meio Jerry Maguire. É esse tipo de filme. Pelo menos espero que fique assim.
E Um Tira da Pesada 4?
Esse é difícil. Nem temos um roteirista ainda. Eu adoro Axel Foley... mas o que fazer com Axel Foley vinte e tantos anos depois? Vai ser difícil, mas adoraria fazê-lo.